"O Centauro Quíron e o Xamanismo - Mitos e Símbolos"
Veja no seu mapa astral onde se encontra Quirón
XAMANISMO:
PERSPECTIVA HISTÓRICA E CULTURAL
Dentro de um
contexto histórico, o xamanismo floresceu no Paleolítico em povos caçadores e
coletores; nos dias atuais, são poucas as culturas primariamente xamânicas que
ainda sobrevivem, à exceção de certas tribos nativas da África e das Américas.
Historicamente,
portanto, o período xamânico caracteriza-se por um tipo de vida tribal, estando
a individualidade de cada homem inserida dentro de uma totalidade que abrangia
sua família e seus antepassados, bem como o mundo da natureza e, inclusive, a
vida como um todo, sendo esta quase sempre percebida como reflexo de várias
divindades cosmológicas.
Por conseguinte, a individualidade de uma
pessoa não existe como entidade isolada, porém adquire sua validade quando
considerada em relação à comunidade e à posição que nela ocupa. Nossa ferida é
exatamente essa inexistência de relação e constitui, pois, a doença da qual
padece a nossa sociedade ocidental industrializada. Jung expressa essa situação de modo comovente:
À medida que
foram se ampliando os conhecimentos científicos, nosso mundo tornou-se
desumanizado. O homem sente-se isolado no cosmo porque não está mais inserido
na natureza e perdeu sua “identidade inconsciente” emocional com os fenômenos
naturais.
Estes, com
efeito, perderam lentamente suas implicações simbólicas. O trovão já não mais
representa a voz de um deus encolerizado, e os raios tampouco constituem-se
numa arma por ele usada em sua vingança.
Não há mais
nenhum rio que contenha um espírito, nenhuma árvore que simbolize a sabedoria,
nenhuma gruta que abrigue um grande demônio. O homem já não ouve mais nenhuma
voz emitida pelas pedras, plantas e animais, nem fala com eles acreditando que
possam ouvi-lo.
Seu contato
com a natureza esvaiu-se, e junto com esta perda foi-se também a profunda
energia emocional suprida por essa conexão simbólica.
O xamã é
aquele que inicialmente é posto à parte em sua tribo pela força de suas
experiências religiosas e visões pessoais:
cumpre-se a
“percepção hierofântica”, “a percepção de algo muito mais profundamente
amalgamado, que habita tanto o mundo externo quanto a nossa própria experiência
interior, conferindo a todas as coisas um caráter sagrado.”
Uma vez aceita
a sua vocação, o xamã passa a ser altamente respeitado dentro de seu grupo,
exercendo considerável influência em virtude de sua vocação como curandeiro,
intermediário, adivinha- dor e visionário. Os xamãs têm quase sempre visões de
advertência para a sua comunidade e têm atuado como fonte a partir da qual a
vida espiritual da coletividade pode ser renovada e enriquecida.
Entre os Zulu,
o chefe de um Kraal (povoado) também atua como sacerdote e, com a colaboração
de um adivinho, protege o bem-estar de seu clã; o “pastor do céu” é responsável
por trazer chuva. Em Zimbabwe, toda família Shona tradicional possui um médium
espírita para ajudar a manter uma rede harmoniosa de relações entre os vivos e
os mortos, pois consideram-na essencial para a saúde tanto da terra quanto
daqueles que nela habitam.
Por
conseguinte, o xamã é o guardião de uma herança de acesso direto ao mundo
sagrado inacessível à maioria das pessoas, bem como o protetor das almas da
comunidade.
Os
conhecimentos específicos podem ser transmitidos de um xamã a outro, e a sua
jornada interna pessoal pode ser relatada através de várias formas de expressão
artística, como pintura, música, dança e narração de histórias.
Todavia, a
essência das experiências do xamã e seu impacto transformador são singulares e
peculiares ao indivíduo e, portanto, intransferíveis.
A imagem mítica de Quíron tem obviamente sua
origem nessa antiga forma de consciência. Proporciona também uma pista para seu
sentido astrológico no horóscopo, sentido corroborado por observações dos
acontecimentos desencadeados durante seus principais trânsitos: sugere a
reemergência de uma antiga visão do mundo que repousa adormecida nos substratos
de nossa própria psique individual e que talvez estejamos sendo exortados a
resgatar.
Tanto a mente
ou sensibilidade tifônica quanto a iniciação xamânica caracterizam-se por uma
experiência direta do campo de força subjacente à infinidade de formas
percebidas pelos nossos sentidos. A consciência racional especializa-se na
discriminação, na análise e classificação;
em contraste, a consciência de tipo xamânico é
holística e capaz de intuir diretamente o significado de acontecimentos
pessoais, bem como a numinosidade e a interligação da vida como um todo,
incluindo os mundos além da morte física denominada consciência “primitiva”
encerra paradoxos que confundiriam por completo uma consciência linear e
racional típica do homem ocidental, impregnada da visão newtoniano-cartesiana
do mundo.
Uma vez que a mente ainda não está desenvolvida, ela
não tem a capacidade dc diferenciar-se do corpo e, por conseguinte, o self
igualmente permanece incorporado no corpo e dele não se diferencia... só muito
mais tarde, em seu caminho evolutivo, é que o homem aprendeu a distinguir
claramente o self do corpo — na verdade, essa diferenciação iria infligir-lhe
uma grave lesão entre self e corpo, entre ego e carne, entre razão e instinto.
Contudo, antes dessa época, o self e o corpo estavam mais ou menos fundidos e
confundidos, ou seja, estavam totalmente indiferenciados. O anjo e o animal, o homem e a serpente eram
apenas um.9
VOCAÇÃO
XAMÂNICA: CRISE E APELO
Os sinais de
vocação espontânea podem surgir em qualquer idade e, em geral, são acompanhados
de alguma doença física ou mental ou de ambas.
Quando
criança, é muito provável que o candidato tenha sido nervoso, retraído e
pensativo. Ele ou ela pode apresentar alguma deformidade ou deficiência física.
Em algumas culturas, notavelmente a africana e a dos esquimós, a epilepsia é
considerada como sinal de vocação xamânica.
Entre os Shona, quando uma doença não responde
às formas convencionais de tratamento (geralmente herbário), a família convoca
um nganga (xamã).
Se este declarar ser a doença um sinal de
vocação, intercederá em nome do espírito que está tentando possuir a pessoa, e
se ele ou ela concordar em atuar como médium a aceitação da vocação será
acompanhada de recuperação.’2 A recusa é interpretada pela maioria das
sociedades xamânicas como grave erro que quase certamente findará em morte.
A medida que o
processo de iniciação vai-se tornando cada vez mais profundo, pode haver
ruptura da vida normal, e o neófito pode retirar-se do mundo cotidiano; esse
isolamento pode dar-se várias vezes no decorrer de prolongado período de tempo.
Assim, por
exemplo, podem ser necessários cerca de sete anos de total dedicação ao
processo para que o neófitos seja qualificado de sangoma (adivinhador e curandeiro) no sul da África.
Em toda tradição xamânica o candidato deve
passar por um período de intensas provações psicológicas, físicas e
espirituais, correspondendo à “viagem noturna pelo mar” no inconsciente, para utilizar
uma expressão ocidental.
A morte para
seu antigo self, entra em comunhão com os espíritos e o mundo da natureza como
prelúdio de seu futuro papel de intermediário entre o reino da natureza, a vida
humana e os espíritos, pois “o xamã é o canal para a comunicação entre
espécies’‘.
‘ Ele deve
adquirir a capacidade de atravessar a terra dos mortos e dela retornar para
desenvolver e consolidar as habilidades necessárias a seu futuro ofício.
CARTOGRAFIA XAMÂNICA
Para podermos
descrever alguns dos aspectos arquetípicos da viagem empreendida pelo xamã, é
necessário consultar a princípio o mapa do território cosmológico através do
qual deverá viajar.
As antigas
práticas xamânicas quase sempre envolviam uma elaborada cartografia do mundo
subterrâneo. Nas culturas ocidentais a compreensão dessa viagem era, até pouco
tempo, um tanto rudimentar.
Muitos estados supranormais de consciência aos
quais os xamãs atribuem valor potencial- mente curador quando manipulados de
forma correta são por nós patologizados, rotulados, suprimidos com drogas ou
com atitudes negativas e, talvez, até mesmo somatizados em doença fatal.
Coletivamente
carecemos de uma topografia espiritual e psicológica flexível capaz de orientar
criativamente as experiências potencialmente transformadoras vivenciadas por
muitas pessoas.
O céu e o
inferno dos cristãos são reinos aos quais cada um de nós é enviado após a morte
e lá permanece por toda a eternidade. A terminalidade e literalidade dessas
imagens podem empobrecer mais do que enriquecer nossa vida humana.
Garantir nosso lugar no Céu (ao obedecer à
Igreja) passa a constituir-se uma necessidade aterradora. Não existe uma
segunda chance, de modo que toda ação produz, em sua esteira, perdição ou
bem-aventurança.
Em contraste, os correspondentes reinos nas
tradições xamânicas (e em religiões orientais como o hinduísmo e o budismo) são
reconhecidos como dimensões não-físicas e atemporais da consciência que a alma
normalmente transpõe após a morte, mas que também são alcançadas durante o
processo de iniciação xamânica ou expansão da consciência; acompanham
naturalmente a jornada evolutiva da alma em vez de ameaçá-la de eterna
condenação.13
Dentro dos
conceitos próprios do xamanismo, coerentes com as idéias de numerosas culturas
amplamente diferentes, o mundo é dividido em três reinos. O Mundo Mediano, onde
passamos a nossa vida terrestre é o único território limitado pelas leis do
tempo linear e pelo espaço tridimensional;
“acima” dele encontra-se o Mundo Celestial e
“abaixo”, o Mundo Infernal. Estabelecendo uma relação desses três mundos com o
atual modelo astrológico, podemos dizer que os planetas que vão até Saturno
inclusive estão primariamente relacionados com o Mundo Mediano, enquanto os
planetas exteriores correspondem aos Mundos Celestial e Infernal.
A JORNADA DE
SOFRIMENTO, MORTE,
RENASCIMENTO E
RETORNO
Os reinos
mitológicos percorridos durante a jornada interna estão fora do tempo e do
espaço e podem ser vivenciados em sonhos, visões e estados alterados da
consciência.
Em muitas culturas, as plantas alucinógenas ou
narcóticas são utilizadas cerimonialmente para induzir ao êxtase; a própria
planta é considerada sagrada, revestindo-se da mesma significação do deus com o
qual o xamã entra em comunhão e a partir do qual recebe ensinamentos internos.
Externamente, muitos locais e lugares sagrados
de peregrinação atuam como poderosas evocações desse domínio interno e são
considerados como moradas de espíritos, demônios ou deuses.
De forma semelhante, as provas de iniciação
podem incluir ordálios de resistência física e psicológica destinados a
suscitar urna experiência interna. Durante a famosa Dança do Sol dos Indios
Sioux da América do Norte, o candidato é retesado por garras de águia presas
aos músculos do peito, como mostra o fime Um Homem Chamado Cavalo.
Nessa viagem,
a partida pode ser acompanhada de imagens de soleiras, encruzilhadas, portas
semelhantes a úteros, buracos ou aberturas, como grutas, cavernas lugares
subterrâneos.
Os períodos de
renascimento psicologico quase sempre suscitam lembranças biológicas e espirituais
e ressonâncias de nosso verdadeiro nascimento. Segue-se um período de
incubação, de formação intra-uterina ou de gestação, durante o qual o futuro
xamã pode padecer de doença física e/ou mental, quando desce ao mundo da
“morte”.
Pode ser
exortado a enfrentar demônios, vencer várias provações psíquicas ou encontrar
espíritos que o possuíram, iniciando assim a sua jornada.
A imagística
da morte pode simbolizar uma visão de mundo, um autoconceito ou fase de vida
ultrapassados que precisam morrer a fim de que possa haver um renascimento.
Por exemplo,
xamã pode ser devorado até os ossos por demônios ou espíritos famintos; seus
intestinos podem ser removidos e substituídos por cristais de quartzo; pode ser
torturado, queimado vivo ou desmembrado.
Todavia, se
conseguir passar por todas essas provas, ele ressuscitará, e esses espíritos
atormentadores, sejam eles animais, antepassados ou arquetípicos, poderão mais
tarde transformar-se em aliados e ajudá-lo em seu ofício através de “um pacto
solene assumido na morte e no espírito entre o comedor e o comido”.’ Em
comunhão com as forças da natureza, o xamã representa a ponte que liga um nível
de realidade a outro.
A época de
regresso ao mundo pode ser sinalizada por sonhos de aves ou de criaturas que
voam; ocorrem revitalização e renascimento à medida que o espírito retorna ao
corpo.
Durante o período de reintegração, aparecem em
destaque os picos de montanhas sagradas, o coração do sol e várias outras
imagens de concentração, reconexão, re-membramento e o encontro e a
reconciliação dos opostos.
A Arvore do Mundo ou axis mundi no centro do Universo simboliza o intercâmbio harmonioso
entre o mundo subterrâneo, o mundo material e o mundo celestial, que foi
estabelecido durante a jornada interior.
Após ter
rompido todos os laços com a sociedade durante esse período de doença e de
iniciação, o xamã deve finalmente retornar para assumir sua vocação e exercê-la.
A permanência no mundo dos espíritos, quando
muito prolongada, pode tornar o regresso impossível. Embora a sua graduação
possa ser assinalada por cerimônias imponentes, somente o endossamento
concedido pela comunidade é que finalmente irá qualificar o iniciado e
reconhecê-lo como xamã.
“O xamã... tem
uma razão mais social que pessoal para abrir a psique, porquanto ele ou ela
está empenhado em servir a comunidade e cuidar de seu bem-estar“... os xamãs são instruídos na arte
do equilíbrio, em mover-se com aprumo e segurança no limiar dos opostos, em
criar cosmo a partir do caos.
O Mundo
Mediano é, pois, ainda um sonho passível de ser concebido pelo sonhador.”9
O CAVALO NO
XAMANISMO
Retomando
nossa imagem do cavalo, encontramo-la com frequência na cosmologia e nas
práticas rituais xamânicas, porquanto em muitas culturas o cavalo está literal
e/ou simbolicamente presente na sessão xamânica.
Representa o “vôo” extático do xamã em transe
e facilita o que Eliade denomina “penetração em plano”, a passagem deste mundo
para outros mundos.
O cavalo representa uma ponte entre o mundo da
forma e o mundo do invisível. Carrega também o morto para a outra vida e
permite ao xamã procurar as almas perdidas daqueles que estão doentes: trata-se
de um animal funerário e psicopompo, um guia ou condutor que mostra o caminho.
Na Ásia Central, quando o xamã está evocando
alguma alma errante, um cavalo é amarrado perto dali: seu tremor indicará o
retorno da alma.
Pêlo de cavalo branco pode ser queimado
durante os rituais, evocando assim o animal mágico; o xamã pode sentar-se sobre
a pele de uma égua; pode induzir êxtase ao bater num tambor com um bordão que
tem na extremidade uma cabeça de cavalo ou ao dançar montado nesse bordão,
constituindo rituais simbólicos de seu vôo mágico durante o qual realiza
adivinhações e curas.
Essa imagem está
relacionada no mito central de Quíron, analisando a maneira pela qual os gregos
representavam a antiga figura do Curador Ferido. Conforme foi mencionado no
início deste texto, a divisão entre o espiritual e o instintual já estava
ocorrendo na cultura helênica dessa época.
O
desenvolvimento do ego heróico encontrava- se numa fase bem avançada, porquanto
o bem lutava para separar-se da unidade urobórica com a Grande Mãe e toda a
vida orgânica, travando acirrado combate contra ela.
A descoberta
de um novo planeta exterior representa um importante acontecimento, sugerindo
que um novo padrão arquetípico, outra faceta do divino, está sendo ativado
dentro da psique coletiva, agitando-se nas profundezas do inconsciente e
procurando ser reconhecido.
Jung
acreditava ser a consciência humana indispensável para a efetivação da Criação,
e, neste sentido, somos todos co-criadores no processo do ser e vir-a-ser, da
mesma maneira que somos criados pelo próprio processo.
Quando um planeta é descoberto são observados
numerosos acontecimentos sincrônicos que expressam o seu padrão arquetípico; é
possível perceber um conjunto de imagens e figuras míticas operando dentro do
contexto histórico e político, bem como nos rumos seguidos em nível coletivo,
cujo significado também pode ter profundo impacto na psique individual.
Quíron, assim
denominado em homenagem ao Centauro da mitologia grega, foi descoberto em 1977,
em torno das 10 horas da manhã no dia primeiro de novembro, por Charles T
Kowal, do Observatório Hale, em Pasadena, Califórnia. A despeito da montagem de
um arquivo fotográfico remontando à década de 1890 por observatórios de vários
países, o planeta nunca fora avistado até então, talvez porque ainda não
estávamos preparados para responder ao padrão arquetípico representado por
Quíron: o do Curador Ferido.
O CAVALO NO
MITO E NO FOLCLORE ANTIGO
Quíron tinha
corpo e pernas de cavalo, com tronco e braços de homem. A simbologia do cavalo é
rica, sugerindo vitalidade bruta e energia instintual, uma libido selvagem,
porém potencialmente domável. Sua investida desenfreada e impetuosa vincula-se
a uma expressão sexual livre e de êxtase, mas também aos perigos do delírio e
da loucura; quando refreada, representa os instintos cultivados, o poder
canalizado pela disciplina e consciência, e a harmonia entre o homem e sua
natureza animal.
O culto do
cavalo foi uma característica de muitas culturas pré-helênicas. Em Micenas, por
exemplo, Deméter com cabeça de égua é tida como mãe dos Centauros;os sacerdotes
que lhe rendiam culto eram castrados e vestiam trajes femininos.
Na África do
Norte e nas proximidades do Mar Negro, as Amazonas veneravam a deusa em forma
de égua, e consta que foram elas as primeiras mulheres domadoras de cavalos; o
homem que, porventura, entrasse em seu território sem ser convidado era
sacrificado à deusa-égua. Como teremos oportunidade de ver mais tarde a figura
da Amazona também acompanha a mitologia de Quíron.
Desde tempos
pré-históricos, o cavalo na Grã-Bretanha foi um animal sagrado, associado a
antigos ritos de fertilidade e renascimento. Na Irlanda, ainda no século XII, o
culto pagão ao cavalo coexistia com o Cristianismo, e, antes de subir ao trono,
os reis irlandeses deviam renascer simbolicamente da égua branca Epona, que
Robert Graves equipara a Deméter com cabeça de égua. Os devotos de seu culto
esculpiram-lhe uma gigantesca estátua numa encosta de Uffington, em Berkshire,
onde ainda hoje pode ser admirada.
Os cavalos
destacavam-se nos costumes do povo inglês, alguns dos quais ainda sobrevivem: o
cavalinho de pau da morris dance é
uma cabeça de cavalo talhada na extremidade de um bordão, às vezes chamado cock
horse, revelando antigas associações a ritos de fertilidade.
No País de
Gales, no período entre o Natal e o Ano-Novo, um cavalo pantomímico acompanha
os foliões que percorrem as fazendas levando boas novas.
Lady Godiva, que montou nua num cavalo pelas
ruas de Coventry, embora fosse uma mulher de carne e osso, foi mais tarde
mitologizada e associada à deusa de antigos rituais pagãos, que, segundo a
crença, garantia a fertilidade na próxima estação.5
Na
Escandinávia, os cavalos eram parte essencial dos ritos funerários dos grandes
guerreiros, e, com frequência, um dos cavalos do herói era sacrificado e com
ele enterrado, acreditando- se assim que iria conduzir seu dono aos céus.
Nos Campos de
Boa Caça — o reino de além-túmulo dos índios norte-americanos —, os guerreiros
deleitam-se a voar montados em cavalos mágicos; de forma semelhante, no paraíso
dos chineses, os cavalos da previsão, da cor da lua, permitiam aos guerreiros
visitar o passado, o presente e o futuro.
No Islã, dizem que o profeta Maomé cavalgou
numa égua mítica de nome Buraq.
O cavalo é
frequentemente associado à Árvore do Mundo — a Árvore da Vida -, que liga o
reino humano às regiões superior e inferior do espírito e do Inferno, o reino
da Morte.
Na arte grega, os Centauros costumavam ser
representados com um pinheiro cortado, sugerindo novamente a ligação entre a
vida e a morte. Em busca de sabedoria, o deus escandinavo Odin, ferindo-se a si
mesmo e sangrando, ficou pendurado no freixo Yggdrasil, a Árvore do Mundo, nove
dias e nove noites.
No antigo escandinavo, drasil significa tanto “forca” quanto “cavalo”, e Yggr era o nome
de Odim enquanto Deus da Morte quando então montava num cavalo de oito patas,
que é também uma criatura mítica encontrada em outras culturas xamânicas. As
Valquírias, que eram filhas semidivinas e emissárias de Odin, apareciam a
cavalo, anunciando aos guerreiros condenados sua morte iminente.
Entretanto, as
raízes dessa mitologia européia concernente ao cavalo podem ser encontradas na
Índia Védica. Os Ghandarvas eram os equivalentes hindus dos Centauros, frutos
do casamento da Mãe-Terra e do Pênis do Cavalo.6
Essa união exigia o sacrifício ritual e o
desmembramento de um cavalo, cujo pênis era amputado e, numa cerimônia,
enterrado em local sagrado a fim de garantir uma abundante colheita. Os
Ghandarvas eram reputados por seus poderes de feiticeiros e curandeiros; eram
também exímios músicos e dançarinos, e consta que raptavam as jovens ainda
virgens de seus maridos.
Representam a contraparte ctônica e fálica do
clero ortodoxo e, quanto à sua natureza, assemelham-se muito aos Centauros dos
gregos. Além de sua reputação pelo seu papel na fertilidade, os Ghandarvas
também representam, segundo a crença, a parte da alma que transmigra através
das sucessivas reencarnações.7
Tudo isso nos
remete à raiz primária da qual todas essas diversas fontes se nutrem, àquela
que penetra nas profundezas do mundo dos arquétipos e converge, na antiga
civilização grega, para formar a história de Quíron, na qual novamente vamos
encontrar a figura do xamã, a imagem arquetípica do Curador Ferido.
Simultaneamente com a descoberta de Quíron,
testemunhou-se crescente interesse por outras culturas, por suas crenças
religiosas e cosmologias. Recentemente, escritores ocidentais têm publicado
inúmeros relatos fascinantes sobre jornadas pessoais na iniciação xamânica.
Conquanto os detalhes pertinentes às práticas
xamânicas possam variar de cultura para cultura, há uma uniformidade subjacente
em termos de significado que acredito ser relevante para a compreensão de
Quíron.
Melaine Reinhart
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