segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Quíron e o Xamanismo - Mitos e simbolos







"O Centauro  Quíron e o Xamanismo - Mitos e Símbolos"

Veja no seu mapa astral onde se encontra Quirón


XAMANISMO: PERSPECTIVA HISTÓRICA E CULTURAL

Dentro de um contexto histórico, o xamanismo floresceu no Paleolítico em povos caçadores e coletores; nos dias atuais, são poucas as culturas primariamente xamânicas que ainda sobrevivem, à exceção de certas tribos nativas da África e das Américas.

Historicamente, portanto, o período xamânico caracteriza-se por um tipo de vida tribal, estando a individualidade de cada homem inserida dentro de uma totalidade que abrangia sua família e seus antepassados, bem como o mundo da natureza e, inclusive, a vida como um todo, sendo esta quase sempre percebida como reflexo de várias divindades cosmológicas.

 Por conseguinte, a individualidade de uma pessoa não existe como entidade isolada, porém adquire sua validade quando considerada em relação à comunidade e à posição que nela ocupa. Nossa ferida é exatamente essa inexistência de relação e constitui, pois, a doença da qual padece a nossa sociedade ocidental industrializada. Jung expressa essa  situação de modo comovente:

À medida que foram se ampliando os conhecimentos científicos, nosso mundo tornou-se desumanizado. O homem sente-se isolado no cosmo porque não está mais inserido na natureza e perdeu sua “identidade inconsciente” emocional com os fenômenos naturais.

Estes, com efeito, perderam lentamente suas implicações simbólicas. O trovão já não mais representa a voz de um deus encolerizado, e os raios tampouco constituem-se numa arma por ele usada em sua vingança.

Não há mais nenhum rio que contenha um espírito, nenhuma árvore que simbolize a sabedoria, nenhuma gruta que abrigue um grande demônio. O homem já não ouve mais nenhuma voz emitida pelas pedras, plantas e animais, nem fala com eles acreditando que possam ouvi-lo.

Seu contato com a natureza esvaiu-se, e junto com esta perda foi-se também a profunda energia emocional suprida por essa conexão simbólica.


O xamã é aquele que inicialmente é posto à parte em sua tribo pela força de suas experiências religiosas e visões pessoais:

cumpre-se a “percepção hierofântica”, “a percepção de algo muito mais profundamente amalgamado, que habita tanto o mundo externo quanto a nossa própria experiência interior, conferindo a todas as coisas um caráter sagrado.”

Uma vez aceita a sua vocação, o xamã passa a ser altamente respeitado dentro de seu grupo, exercendo considerável influência em virtude de sua vocação como curandeiro, intermediário, adivinha- dor e visionário. Os xamãs têm quase sempre visões de advertência para a sua comunidade e têm atuado como fonte a partir da qual a vida espiritual da coletividade pode ser renovada e enriquecida.

Entre os Zulu, o chefe de um Kraal (povoado) também atua como sacerdote e, com a colaboração de um adivinho, protege o bem-estar de seu clã; o “pastor do céu” é responsável por trazer chuva. Em Zimbabwe, toda família Shona tradicional possui um médium espírita para ajudar a manter uma rede harmoniosa de relações entre os vivos e os mortos, pois consideram-na essencial para a saúde tanto da terra quanto daqueles que nela habitam.

Por conseguinte, o xamã é o guardião de uma herança de acesso direto ao mundo sagrado inacessível à maioria das pessoas, bem como o protetor das almas da comunidade.

Os conhecimentos específicos podem ser transmitidos de um xamã a outro, e a sua jornada interna pessoal pode ser relatada através de várias formas de expressão artística, como pintura, música, dança e narração de histórias.

Todavia, a essência das experiências do xamã e seu impacto transformador são singulares e peculiares ao indivíduo e, portanto, intransferíveis.

  A imagem mítica de Quíron tem obviamente sua origem nessa antiga forma de consciência. Proporciona também uma pista para seu sentido astrológico no horóscopo, sentido corroborado por observações dos acontecimentos desencadeados durante seus principais trânsitos: sugere a reemergência de uma antiga visão do mundo que repousa adormecida nos substratos de nossa própria psique individual e que talvez estejamos sendo exortados a resgatar.

Tanto a mente ou sensibilidade tifônica quanto a iniciação xamânica caracterizam-se por uma experiência direta do campo de força subjacente à infinidade de formas percebidas pelos nossos sentidos. A consciência racional especializa-se na discriminação, na análise e classificação;

 em contraste, a consciência de tipo xamânico é holística e capaz de intuir diretamente o significado de acontecimentos pessoais, bem como a numinosidade e a interligação da vida como um todo, incluindo os mundos além da morte física denominada consciência “primitiva” encerra paradoxos que confundiriam por completo uma consciência linear e racional típica do homem ocidental, impregnada da visão newtoniano-cartesiana do mundo.

Uma vez que a mente ainda não está desenvolvida, ela não tem a capacidade dc diferenciar-se do corpo e, por conseguinte, o self igualmente permanece incorporado no corpo e dele não se diferencia... só muito mais tarde, em seu caminho evolutivo, é que o homem aprendeu a distinguir claramente o self do corpo — na verdade, essa diferenciação iria infligir-lhe uma grave lesão entre self e corpo, entre ego e carne, entre razão e instinto. Contudo, antes dessa época, o self e o corpo estavam mais ou menos fundidos e confundidos, ou seja, estavam totalmente indiferenciados.  O anjo e o animal, o homem e a serpente eram apenas um.9

VOCAÇÃO XAMÂNICA: CRISE E APELO
Os sinais de vocação espontânea podem surgir em qualquer idade e, em geral, são acompanhados de alguma doença física ou mental ou de ambas.

Quando criança, é muito provável que o candidato tenha sido nervoso, retraído e pensativo. Ele ou ela pode apresentar alguma deformidade ou deficiência física. Em algumas culturas, notavelmente a africana e a dos esquimós, a epilepsia é considerada como sinal de vocação xamânica.

 Entre os Shona, quando uma doença não responde às formas convencionais de tratamento (geralmente herbário), a família convoca um nganga (xamã).
 Se este declarar ser a doença um sinal de vocação, intercederá em nome do espírito que está tentando possuir a pessoa, e se ele ou ela concordar em atuar como médium a aceitação da vocação será acompanhada de recuperação.’2 A recusa é interpretada pela maioria das sociedades xamânicas como grave erro que quase certamente findará em morte.

A medida que o processo de iniciação vai-se tornando cada vez mais profundo, pode haver ruptura da vida normal, e o neófito pode retirar-se do mundo cotidiano; esse isolamento pode dar-se várias vezes no decorrer de prolongado período de tempo.

Assim, por exemplo, podem ser necessários cerca de sete anos de total dedicação ao processo para que o neófitos seja qualificado de sangoma (adivinhador e curandeiro) no sul da África.

 Em toda tradição xamânica o candidato deve passar por um período de intensas provações psicológicas, físicas e espirituais, correspondendo à “viagem noturna pelo mar” no inconsciente, para utilizar uma expressão ocidental.

A morte para seu antigo self, entra em comunhão com os espíritos e o mundo da natureza como prelúdio de seu futuro papel de intermediário entre o reino da natureza, a vida humana e os espíritos, pois “o xamã é o canal para a comunicação entre espécies’‘.

‘ Ele deve adquirir a capacidade de atravessar a terra dos mortos e dela retornar para desenvolver e consolidar as habilidades necessárias a seu futuro ofício.

 CARTOGRAFIA XAMÂNICA
Para podermos descrever alguns dos aspectos arquetípicos da viagem empreendida pelo xamã, é necessário consultar a princípio o mapa do território cosmológico através do qual deverá viajar.

As antigas práticas xamânicas quase sempre envolviam uma elaborada cartografia do mundo subterrâneo. Nas culturas ocidentais a compreensão dessa viagem era, até pouco tempo, um tanto rudimentar.

 Muitos estados supranormais de consciência aos quais os xamãs atribuem valor potencial- mente curador quando manipulados de forma correta são por nós patologizados, rotulados, suprimidos com drogas ou com atitudes negativas e, talvez, até mesmo somatizados em doença fatal.

Coletivamente carecemos de uma topografia espiritual e psicológica flexível capaz de orientar criativamente as experiências potencialmente transformadoras vivenciadas por muitas pessoas.

O céu e o inferno dos cristãos são reinos aos quais cada um de nós é enviado após a morte e lá permanece por toda a eternidade. A terminalidade e literalidade dessas imagens podem empobrecer mais do que enriquecer nossa vida humana.

 Garantir nosso lugar no Céu (ao obedecer à Igreja) passa a constituir-se uma necessidade aterradora. Não existe uma segunda chance, de modo que toda ação produz, em sua esteira, perdição ou bem-aventurança.

 Em contraste, os correspondentes reinos nas tradições xamânicas (e em religiões orientais como o hinduísmo e o budismo) são reconhecidos como dimensões não-físicas e atemporais da consciência que a alma normalmente transpõe após a morte, mas que também são alcançadas durante o processo de iniciação xamânica ou expansão da consciência; acompanham naturalmente a jornada evolutiva da alma em vez de ameaçá-la de eterna condenação.13

Dentro dos conceitos próprios do xamanismo, coerentes com as idéias de numerosas culturas amplamente diferentes, o mundo é dividido em três reinos. O Mundo Mediano, onde passamos a nossa vida terrestre é o único território limitado pelas leis do tempo linear e pelo espaço tridimensional;

 “acima” dele encontra-se o Mundo Celestial e “abaixo”, o Mundo Infernal. Estabelecendo uma relação desses três mundos com o atual modelo astrológico, podemos dizer que os planetas que vão até Saturno inclusive estão primariamente relacionados com o Mundo Mediano, enquanto os planetas exteriores correspondem aos Mundos Celestial e Infernal.

A JORNADA DE SOFRIMENTO, MORTE,
RENASCIMENTO E RETORNO
Os reinos mitológicos percorridos durante a jornada interna estão fora do tempo e do espaço e podem ser vivenciados em sonhos, visões e estados alterados da consciência.
 Em muitas culturas, as plantas alucinógenas ou narcóticas são utilizadas cerimonialmente para induzir ao êxtase; a própria planta é considerada sagrada, revestindo-se da mesma significação do deus com o qual o xamã entra em comunhão e a partir do qual recebe ensinamentos internos.

 Externamente, muitos locais e lugares sagrados de peregrinação atuam como poderosas evocações desse domínio interno e são considerados como moradas de espíritos, demônios ou deuses.

 De forma semelhante, as provas de iniciação podem incluir ordálios de resistência física e psicológica destinados a suscitar urna experiência interna. Durante a famosa Dança do Sol dos Indios Sioux da América do Norte, o candidato é retesado por garras de águia presas aos músculos do peito, como mostra o fime Um Homem Chamado Cavalo.

Nessa viagem, a partida pode ser acompanhada de imagens de soleiras, encruzilhadas, portas semelhantes a úteros, buracos ou aberturas, como grutas, cavernas lugares subterrâneos.

Os períodos de renascimento psicologico quase sempre suscitam lembranças biológicas e espirituais e ressonâncias de nosso verdadeiro nascimento. Segue-se um período de incubação, de formação intra-uterina ou de gestação, durante o qual o futuro xamã pode padecer de doença física e/ou mental, quando desce ao mundo da “morte”.

Pode ser exortado a enfrentar demônios, vencer várias provações psíquicas ou encontrar espíritos que o possuíram, iniciando assim a sua jornada.

A imagística da morte pode simbolizar uma visão de mundo, um autoconceito ou fase de vida ultrapassados que precisam morrer a fim de que possa haver um renascimento.

Por exemplo, xamã pode ser devorado até os ossos por demônios ou espíritos famintos; seus intestinos podem ser removidos e substituídos por cristais de quartzo; pode ser torturado, queimado vivo ou desmembrado.

Todavia, se conseguir passar por todas essas provas, ele ressuscitará, e esses espíritos atormentadores, sejam eles animais, antepassados ou arquetípicos, poderão mais tarde transformar-se em aliados e ajudá-lo em seu ofício através de “um pacto solene assumido na morte e no espírito entre o comedor e o comido”.’ Em comunhão com as forças da natureza, o xamã representa a ponte que liga um nível de realidade a outro.

A época de regresso ao mundo pode ser sinalizada por sonhos de aves ou de criaturas que voam; ocorrem revitalização e renascimento à medida que o espírito retorna ao corpo.

 Durante o período de reintegração, aparecem em destaque os picos de montanhas sagradas, o coração do sol e várias outras imagens de concentração, reconexão, re-membramento e o encontro e a reconciliação dos opostos.

 A Arvore do Mundo ou axis mundi no centro do Universo simboliza o intercâmbio harmonioso entre o mundo subterrâneo, o mundo material e o mundo celestial, que foi estabelecido durante a jornada interior.

Após ter rompido todos os laços com a sociedade durante esse período de doença e de iniciação, o xamã deve finalmente retornar para assumir sua vocação e exercê-la.

 A permanência no mundo dos espíritos, quando muito prolongada, pode tornar o regresso impossível. Embora a sua graduação possa ser assinalada por cerimônias imponentes, somente o endossamento concedido pela comunidade é que finalmente irá qualificar o iniciado e reconhecê-lo como xamã.

“O xamã... tem uma razão mais social que pessoal para abrir a psique, porquanto ele ou ela está empenhado em servir a comunidade e cuidar de seu  bem-estar“... os xamãs são instruídos na arte do equilíbrio, em mover-se com aprumo e segurança no limiar dos opostos, em criar cosmo a partir do caos.
O Mundo Mediano é, pois, ainda um sonho passível de ser concebido pelo sonhador.”9

O CAVALO NO XAMANISMO
Retomando nossa imagem do cavalo, encontramo-la com frequência na cosmologia e nas práticas rituais xamânicas, porquanto em muitas culturas o cavalo está literal e/ou simbolicamente presente na sessão xamânica.

 Representa o “vôo” extático do xamã em transe e facilita o que Eliade denomina “penetração em plano”, a passagem deste mundo para outros mundos.

 O cavalo representa uma ponte entre o mundo da forma e o mundo do invisível. Carrega também o morto para a outra vida e permite ao xamã procurar as almas perdidas daqueles que estão doentes: trata-se de um animal funerário e psicopompo, um guia ou condutor que mostra o caminho.

 Na Ásia Central, quando o xamã está evocando alguma alma errante, um cavalo é amarrado perto dali: seu tremor indicará o retorno da alma.

 Pêlo de cavalo branco pode ser queimado durante os rituais, evocando assim o animal mágico; o xamã pode sentar-se sobre a pele de uma égua; pode induzir êxtase ao bater num tambor com um bordão que tem na extremidade uma cabeça de cavalo ou ao dançar montado nesse bordão, constituindo rituais simbólicos de seu vôo mágico durante o qual realiza adivinhações e curas.

Essa imagem está relacionada no mito central de Quíron, analisando a maneira pela qual os gregos representavam a antiga figura do Curador Ferido. Conforme foi mencionado no início deste texto, a divisão entre o espiritual e o instintual já estava ocorrendo na cultura helênica dessa época.

O desenvolvimento do ego heróico encontrava- se numa fase bem avançada, porquanto o bem lutava para separar-se da unidade urobórica com a Grande Mãe e toda a vida orgânica, travando acirrado combate contra ela.

A descoberta de um novo planeta exterior representa um importante acontecimento, sugerindo que um novo padrão arquetípico, outra faceta do divino, está sendo ativado dentro da psique coletiva, agitando-se nas profundezas do inconsciente e procurando ser reconhecido.

Jung acreditava ser a consciência humana indispensável para a efetivação da Criação, e, neste sentido, somos todos co-criadores no processo do ser e vir-a-ser, da mesma maneira que somos criados pelo próprio processo.

 Quando um planeta é descoberto são observados numerosos acontecimentos sincrônicos que expressam o seu padrão arquetípico; é possível perceber um conjunto de imagens e figuras míticas operando dentro do contexto histórico e político, bem como nos rumos seguidos em nível coletivo, cujo significado também pode ter profundo impacto na psique individual.

Quíron, assim denominado em homenagem ao Centauro da mitologia grega, foi descoberto em 1977, em torno das 10 horas da manhã no dia primeiro de novembro, por Charles T Kowal, do Observatório Hale, em Pasadena, Califórnia. A despeito da montagem de um arquivo fotográfico remontando à década de 1890 por observatórios de vários países, o planeta nunca fora avistado até então, talvez porque ainda não estávamos preparados para responder ao padrão arquetípico representado por Quíron: o do Curador Ferido.


O CAVALO NO MITO E NO FOLCLORE ANTIGO

Quíron tinha corpo e pernas de cavalo, com tronco e braços de homem. A simbologia do cavalo é rica, sugerindo vitalidade bruta e energia instintual, uma libido selvagem, porém potencialmente domável. Sua investida desenfreada e impetuosa vincula-se a uma expressão sexual livre e de êxtase, mas também aos perigos do delírio e da loucura; quando refreada, representa os instintos cultivados, o poder canalizado pela disciplina e consciência, e a harmonia entre o homem e sua natureza animal.

O culto do cavalo foi uma característica de muitas culturas pré-helênicas. Em Micenas, por exemplo, Deméter com cabeça de égua é tida como mãe dos Centauros;os sacerdotes que lhe rendiam culto eram castrados e vestiam trajes femininos.

Na África do Norte e nas proximidades do Mar Negro, as Amazonas veneravam a deusa em forma de égua, e consta que foram elas as primeiras mulheres domadoras de cavalos; o homem que, porventura, entrasse em seu território sem ser convidado era sacrificado à deusa-égua. Como teremos oportunidade de ver mais tarde a figura da Amazona também acompanha a mitologia de Quíron.

Desde tempos pré-históricos, o cavalo na Grã-Bretanha foi um animal sagrado, associado a antigos ritos de fertilidade e renascimento. Na Irlanda, ainda no século XII, o culto pagão ao cavalo coexistia com o Cristianismo, e, antes de subir ao trono, os reis irlandeses deviam renascer simbolicamente da égua branca Epona, que Robert Graves equipara a Deméter com cabeça de égua. Os devotos de seu culto esculpiram-lhe uma gigantesca estátua numa encosta de Uffington, em Berkshire, onde ainda hoje pode ser admirada.

Os cavalos destacavam-se nos costumes do povo inglês, alguns dos quais ainda sobrevivem: o cavalinho de pau da morris dance é uma cabeça de cavalo talhada na extremidade de um bordão, às vezes chamado cock horse, revelando antigas associações a ritos de fertilidade.

No País de Gales, no período entre o Natal e o Ano-Novo, um cavalo pantomímico acompanha os foliões que percorrem as fazendas levando boas novas.

 Lady Godiva, que montou nua num cavalo pelas ruas de Coventry, embora fosse uma mulher de carne e osso, foi mais tarde mitologizada e associada à deusa de antigos rituais pagãos, que, segundo a crença, garantia a fertilidade na próxima estação.5

Na Escandinávia, os cavalos eram parte essencial dos ritos funerários dos grandes guerreiros, e, com frequência, um dos cavalos do herói era sacrificado e com ele enterrado, acreditando- se assim que iria conduzir seu dono aos céus.

Nos Campos de Boa Caça — o reino de além-túmulo dos índios norte-americanos —, os guerreiros deleitam-se a voar montados em cavalos mágicos; de forma semelhante, no paraíso dos chineses, os cavalos da previsão, da cor da lua, permitiam aos guerreiros visitar o passado, o presente e o futuro.

 No Islã, dizem que o profeta Maomé cavalgou numa égua mítica de nome Buraq.

O cavalo é frequentemente associado à Árvore do Mundo — a Árvore da Vida -, que liga o reino humano às regiões superior e inferior do espírito e do Inferno, o reino da Morte.

 Na arte grega, os Centauros costumavam ser representados com um pinheiro cortado, sugerindo novamente a ligação entre a vida e a morte. Em busca de sabedoria, o deus escandinavo Odin, ferindo-se a si mesmo e sangrando, ficou pendurado no freixo Yggdrasil, a Árvore do Mundo, nove dias e nove noites.

 No antigo escandinavo, drasil significa tanto “forca” quanto “cavalo”, e Yggr era o nome de Odim enquanto Deus da Morte quando então montava num cavalo de oito patas, que é também uma criatura mítica encontrada em outras culturas xamânicas. As Valquírias, que eram filhas semidivinas e emissárias de Odin, apareciam a cavalo, anunciando aos guerreiros condenados sua morte iminente.

Entretanto, as raízes dessa mitologia européia concernente ao cavalo podem ser encontradas na Índia Védica. Os Ghandarvas eram os equivalentes hindus dos Centauros, frutos do casamento da Mãe-Terra e do Pênis do Cavalo.6

 Essa união exigia o sacrifício ritual e o desmembramento de um cavalo, cujo pênis era amputado e, numa cerimônia, enterrado em local sagrado a fim de garantir uma abundante colheita. Os Ghandarvas eram reputados por seus poderes de feiticeiros e curandeiros; eram também exímios músicos e dançarinos, e consta que raptavam as jovens ainda virgens de seus maridos.

 Representam a contraparte ctônica e fálica do clero ortodoxo e, quanto à sua natureza, assemelham-se muito aos Centauros dos gregos. Além de sua reputação pelo seu papel na fertilidade, os Ghandarvas também representam, segundo a crença, a parte da alma que transmigra através das sucessivas reencarnações.7

Tudo isso nos remete à raiz primária da qual todas essas diversas fontes se nutrem, àquela que penetra nas profundezas do mundo dos arquétipos e converge, na antiga civilização grega, para formar a história de Quíron, na qual novamente vamos encontrar a figura do xamã, a imagem arquetípica do Curador Ferido.

 Simultaneamente com a descoberta de Quíron, testemunhou-se crescente interesse por outras culturas, por suas crenças religiosas e cosmologias. Recentemente, escritores ocidentais têm publicado inúmeros relatos fascinantes sobre jornadas pessoais na iniciação xamânica.

 Conquanto os detalhes pertinentes às práticas xamânicas possam variar de cultura para cultura, há uma uniformidade subjacente em termos de significado que acredito ser relevante para a compreensão de Quíron.
Melaine  Reinhart 

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