Respiração e Saúde emocional
Todo impulso, no ser humano, é motivado pelo
cérebro límbico e reptiliano. Porém, antes de ser expresso ou transformado em
ação, precisa passar pela avaliação do ego, onde pode sofrer um condicionamento
por parte do neocortex (NAVARRO, 1995).
Desta
maneira, este impulso pode ser direcionado ou bloqueado através da contração da
musculatura adequada, impedindo-o de se manifestar ou de originar um sentimento
por não chegar à superfície, onde ocorrem a sensação e percepção (LOWEN, 2007).
Este
condicionamento inicia na infância, pois desde muito cedo as crianças já
aprenderam a segurar a “respiração para não chorar, puxavam o ombro para trás,
tensionando o peito para conter a raiva e apertavam a garganta para evitar um
grito” (LOWEN, 1984, p.33).
Sendo que cada uma destas manobras causa a
limitação da respiração. Esta contração inicia de forma consciente, porém
quando se torna crônica, tanto a contenção como o seu sentimento se tornam
permanentemente inconscientes (LOWEN, 2007).
Quando
crescemos, permanecemos inibindo a respiração para reprimir os sentimentos. Por
estes motivos, Reich (1998, p. 346) afirma que “a atitude de inspiração é o
instrumento mais importante para a repressão de qualquer tipo de emoção”.
Baker
(1980, p.79) reforça repetindo que “uma atitude crônica de inspirar é o meio
mais eficiente de suprimir qualquer emoção”. Lowen (1984, p. 31) reitera
dizendo que prender a respiração é o método mais eficiente de eliminar as
sensações e Navarro (1995) elucida que não há comportamento sem esforço
muscular e que toda a memória emotiva está ligada aos músculos.
Este grupo abrange o diafragma, músculos
intercostais, músculo transverso abdominal, músculo reto abdominal e músculo
oblíquo interno e externo do abdome.
Sendo estes, descritos por Machado (2008) e
West (2002), como os principais responsáveis pelos movimentos respiratórios
voluntários e involuntários, totalizando 90% da capacidade de captação de ar
(ELIAS, 2008).
“Em situações de estresse a maioria dos
indivíduos tem a tendência de segurar a respiração” (LOWEN, 1984, p.36), pois
os estímulos estressores captados pelos telerreceptores são descarregados,
através do sistema neurovegetativo, principalmente no diafragma, o que altera
seu funcionamento (NAVARRO, 1995).
Este
padrão inadequado de respiração, por sua vez, provoca ansiedade, irritabilidade
e tensão, que aumentam o nível de estresse, criando um ciclo que pode tornar
crônico o estado de ansiedade.
Se esta
dificuldade respiratória se tornar muito grave poderá levar ao pânico ou ao
terror, como nos casos de claustrofobia e agorafobia. Uma respiração
disfuncional pode gerar fadiga, depressão, falta de concentração e de
eficiência, alterações na emissão da voz e diminuição do prazer sexual (LOWEN,
1984).
Boadella
(1992) aponta que um padrão inspiratório crônico é característico de
personalidades rígidas, que costumam ter propensão à hipertensão e ataques
cardíacos.
Por outro lado, sujeitos com padrão
expiratório – onde a barriga tende a permanecer em estado de deflação –
costumam ter dificuldade de concentração e de contenção.
RESPIRAÇÃO
E PSICOTERAPIA Considerando a ideia de Lowen (1984, p. 33-34) de que “a
incapacidade para respirar normalmente torna-se o principal obstáculo para se
recuperar a saúde emocional” e que, assim como a inibição da respiração é
utilizada para reprimir emoções e sensações, o caminho inverso também pode ser
trilhado.
Sendo
assim, através da estimulação da respiração profunda e plena, podem-se alcançar
sentimentos e emoções reprimidos.
Por este
motivo, a terapia bioenergética inicia seu trabalho com a respiração, com o
objetivo de permitir que as ondas respiratórias se propaguem, sem bloqueios,
por todo o corpo, ativando o sistema muscular e, assim, garantindo a
espontaneidade e expressão dos sentimentos (LOWEN, 1984, LOWEN, 2007).
Um
músculo contraído precisa de energia para se mover. Deste modo, o estímulo
respiratório tem a função de supri-lo com oxigênio, favorecendo seus processos
metabólicos, o que permite o estiramento muscular.
Por sua vez, este estiramento causa vibração,
que ajuda a afrouxar a contratilidade crônica dos músculos. Por fim, este
afrouxamento da couraça, que gera vibrações por todo o corpo, libera os
movimentos respiratórios profundos, permitindo a modificação do padrão típico
involuntário de respiração disfuncional (LOWEN, 1984).
Compreende-se,
então, que o exercício de respiração consciente é um auxiliar no processo,
enquanto o verdadeiro efeito restaurador está em perceber e liberar as tensões
que impedem o padrão respiratório natural (LOWEN & LOWEN, 1985).
Lowen (2007) diz que respirar profundamente é
sentir profundamente, e que esta respiração tem o poder de tocar e libertar
sentimentos reprimidos. Boadella (1992) afirma que na medida em que as emoções
são liberadas, os músculos tensos podem abrir mão de sua função defensiva.
Volpi e Volpi (2003) dão ainda mais um passo
ao explicar que na medida em que esta couraça muscular vai sendo diluída, há
uma liberação da energia vegetativa e a reprodução das lembranças infantis que
podem ser a base do sintoma ou transtorno presente.
Deste ponto de vista, a respiração seria capaz
não apenas de diminuir as tensões causadas pelo estresse, mas também de levar o
paciente a fazer contato com sensações, sentimentos e emoções primitivas e
aparentemente destrutivas, aceitá-las e, na medida do possível, permitir que
fluam para a esfera da ação, onde deixam de ter domínio sobre o comportamento
do indivíduo (VOLPI & VOLPI, 2003).
Com objetivo de favorecer o relaxamento da
musculatura contraída e auxiliar o paciente a tomar consciência e liberar suas
tensões, a terapia bioenergética faz uso de massagens, pressão controlada,
toques suaves e exercícios com movimentos apropriados.
Estes, porém, por si só, não substituem a
terapia (LOWEN & LOWEN, 1985). A bioenergética de Lowen (1984) não se
restringe ao aspecto corporal do paciente. Todos os padrões de tensão crônica
detectados, além da percepção de seus efeitos no funcionamento do corpo do
indivíduo, devem ser investigados na busca de sua origem na história de vida do
sujeito e também de seu significado no padrão de caráter atual do sujeito.
Boadella (1992) relembra que Reich não
aconselhava “terapias respiratórias” casuais, pois uma liberação rápida da
respiração inibida poderia alterar a consciência e inundar o organismo com mais
sensações do que ele poderia suportar, podendo chegar ao ponto de precipitar
reações psicóticas.
Em alguns
destes casos, o sujeito poderia sentir as correntes vegetativas como correntes
elétricas aterrorizantes ou sensações messiânicas de contato sobrenatural, sem
estabelecer qualquer contato entre estas sensações e a realidade ou o mundo
externo.
Como a
incapacidade de respirar de forma natural e plena é tomada como o principal
obstáculo para se recuperar a saúde emocional, a estimulação da respiração e as
inspirações profundas podem ser utilizadas para levar o paciente à percepção de
sua contenção e ativar sentimentos e sensações que permaneciam reprimidos por
serem dolorosos ou ameaçadores demais.
Porém, o simples exercício respiratório não é
capaz de restaurar o estado de espontaneidade e o livre fluxo da energia no
organismo, pois as próprias técnicas representam uma forma de controle que vai
contra o real objetivo de abandonar-se à respiração ao invés de fazê-la (LOWEN,
1986).
É necessário, portanto, que haja um
reequilíbrio da energia emocional ligada ao equilíbrio da respiração (BOADELLA,
1992).
Uma vez
que, uma emoção bloqueada é um estresse para os músculos (LOWEN, 1984), cabe ao
terapeuta ajudar esse indivíduo a acessar e aceitar seus sentimentos e
sensações, e permitir que eles cheguem à esfera da ação. Ele então perceberá
que pode se entregar ao sentimento e controlar a ação ao mesmo tempo,
fortalecendo assim, o seu ego (LOWEN, 1986).
Com este objetivo o setting terapêutico se
apresenta como um ambiente de segurança e acolhimento, onde o paciente pode
perceber que, ao entregar-se verdadeiramente aos seus sentimentos, ele é capaz
de tomar posse de suas ações.
Sempre que o indivíduo se permite a este tipo
de vivência, a tensão que mantém seu padrão de contenção é diminuída e, por
consequência, há um aumento de energia do organismo e um aprofundamento natural
de sua respiração.
A cada um destes momentos de cura, ser e
sentir deixam de representar o mesmo perigo que anteriormente (LOWEN, 1986).
CONCLUSÃO
Enquanto ferramenta da psicologia corporal, a respiração “acompanha todas as
técnicas destinadas a liberar as tensões específicas em determinadas partes do
corpo” (BOADELLA, 1992, p. 20), tendo como objetivo dissolver os bloqueios que
impedem o livre fluxo dos movimentos do organismo.
Tal processo reestabelece o padrão
respiratório pleno e unitário que envolve todo o corpo e que acompanha a
relação saudável e racional entre as pessoas e o ambiente.
Desta forma, a técnica respiratória é
utilizada como ferramenta para a restauração de sua própria funcionalidade, ou
seja, para a recuperação da condição de respiração sadia a que todos os
indivíduos neuróticos não se permitem entregar.
Sua forma
de utilização poderá ser moldada de acordo com o objetivo do trabalho,
corrigindo distúrbios de padrões respiratórios deficitários ou fragmentados.
O trabalho respiratório deve sempre iniciar
pela reestruturação e reforço do ego, caso contrário, o indivíduo poderá não
integrar o que sente com o mundo real, pelo medo que tais sensações lhe representam.
Além do fato de que algumas pessoas estão tão
acostumadas com um nível de deficiência na sua respiração, que necessitam de um
trabalho gradual para aprender a tolerar níveis mais elevados de vitalidade.
Por conta disso, é muito importante que o psicólogo
saiba reconhecer as necessidades do paciente em relação à inspiração ou
expiração, sendo estas funções intrínsecas aos estados de retenção e liberação
emocionais. (BOADELLA, 1992)
REFERÊNCIAS
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COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO VIEIRA, Fabio
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AUTORES
Fabio Martins Vieira / Criciúma / SC / Brasil Bacharel em Psicologia pela
Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC (CRP – 12/16129).
Psicoterapeuta corporal pelo Instituto Holon. Psicólogo clínico. E-mail:
fabiovpsico@gmail.com Andressa Santos Vieira / Içara / SC / Brasil Bacharel em
Psicologia e Especialista em Saúde Coletiva pela Universidade do Extremo Sul
Catarinense - UNESC (CRP – 12/14391). Psicoterapeuta corporal pelo Instituto
Holon. Psicóloga clínica. E-mail: andressavsr@hotmail.com
COMO REFERENCIAR ESSE ARTIGO VIEIRA, Fabio Martins; VIEIRA, Andressa Santos; FERNANDES, Gisele Jacinta Rodrigues Calegari; REICHOW, Jeverson Rogério Costa. A respiração como ferramenta de intervenção da psicoterapia corporal. In: VOLPI, José Henrique; VOLPI, Sandra Mara. Psicologia Corporal. ISSN-1516-0688. Curitiba: Centro Reichiano, 2018. Disponível em: http://www.centroreichiano.com.br/artigos[1]cientificos/ Acesso em: ____/____/____. 11 | www.centroreichiano.com.br
ORIENTADORES Gisele Jacinta Rodrigues Calegari Fernandes / Criciúma / SC / Brasil Bacharel em Psicologia pela Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC (CRP – 12/06246). Especialista em Psicologia Corporal pelo Centro Reichiano. Cursando Pós Graduação em Psicanálise pela UNESC. E-mail:giselejacinta@gmail.com
Postado por Dharmadhannya
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