Pensar positivo funciona?
O pensamento positivo pode ajudar na
sua saúde e no seu bem-estar.
Pensamento positivo
Por Michelle Veronese
Pense em algo que você quer muito. A
casa dos seus sonhos, comprada sem financiamento. Enquanto você lia a frase
utópica aí atrás, uma avalanche de sinais nervosos correu seu cérebro. Milhares
de neurônios foram acionados e trocaram informações em frações de segundo.
Arquivos de memória foram vasculhados e a imagem do imóvel surgiu em sua mente.
Você se sentiu bem.
Dizem por aí que é só seguir os
passos acima para você virar um ímã e atrair tudo o que desejar. Que dinheiro e
saúde estão ao alcance de suas mãos – basta você pensar que eles estão. Que
pensar positivo é solução para tudo.
Será? Uma atitude otimista faz um bem
danado, sim. Mas ninguém consegue ficar rico só com pensamento positivo.
É bom lembrar que, aos olhos da quase
totalidade dos cientistas, essas teorias não fazem sentido nenhum. Por outro
lado, a todo instante, deparamos com situações que parecem mostrar o contrário.
O que dizer, por exemplo, de pessoas
que parecem ter descoberto a fórmula secreta do sucesso e realmente se dão
muito bem em tudo o que fazem?
Ou dos otimistas a quem nada parece abalar? Ou
ainda daqueles que dizem ter vencido doenças graças à atitude mental positiva?
Relatos não faltam. Pois bem. Dentro deste caldeirão em que tudo parece ter o
pensamento positivo como pano de fundo, você vai descobrir o que se fala a
respeito, o que é fantasia, o que já foi comprovado e o que ainda permanece um
mistério.
O que se diz por aí
Peça, acredite e receba. Simples
assim é a fórmula apresentada por Rhonda Byrne, autora de O Segredo. “No
momento em que você pede alguma coisa, e acredita, e sabe que já a tem no invisível,
o Universo inteiro se move para deixá-la visível”, diz.
No livro e no filme de mesmo nome,
não faltam relatos de gente que conseguiu a cura de doenças, o amor ideal ou
até um colar de diamantes como num passe de mágica. O segredo ensinado por Byrne
é observar o Universo como uma lâmpada mágica – e se comportar como o Aladim.
Ao esfregar a lâmpada – ou seja, ao pensar positivamente – seus desejos se
materializariam.
Na base dessa afirmação, está a
crença de que os pensamentos são magnéticos e emitem uma frequência poderosa
capaz de influenciar as pessoas e coisas à nossa volta.
De acordo com esse raciocínio, quando você
pensa positivo, entra numa frequência positiva e atrai coisas benéficas para a
sua vida – o pensar negativo, segundo Byrne, causa o efeito inverso.
O guru indiano Deepak Chopra, outro astro que ensina como usar a mente positiva em seu benefício (ele orienta celebridades como Madonna), usa outro discurso para atingir o mesmo fim, ou seja: saúde, sucesso e riqueza.
Segundo ele, o corpo deve ser entendido como
um campo de energia que precisa estar em equilíbrio. Suas técnicas de meditação
ajudariam na tarefa de chegar lá.
Muitos afirmam ser especialistas em
“potencializar a mente” e na “transformação pessoal”. Geralmente, elaboram suas
teorias a partir das próprias experiências de sucesso e autossuperação. Dentro
dessa babel de ensinamentos, porém, algumas idéias acabam se repetindo. É o
tripé energia, magnetismo e holismo.
Energia, magnetismo e holismo
Para a física, de modo bem resumido,
energia é a capacidade de um corpo executar um trabalho ou realizar um movimento
(por exemplo, o fogo é uma fonte de energia empregada para cozinhar alimentos
que, por sua vez, fornecem energia ao corpo).
No caso da autoajuda, contudo, é bom
você esquecer o que aprendeu na escola. Energia, segundo muitos desses autores,
é uma força que anima todas as coisas, uma fonte de bem-estar e amor.
Com o treinamento correto, ela
poderia ser direcionada para todas as finalidades, inclusive as mais cotidianas
– por exemplo, receber uma promoção no trabalho, achar uma vaga na garagem do
shopping e evitar os quilos extras mesmo comendo além da conta.
“Quando nos distanciamos dessa energia, surgem
problemas, medos, carências e doenças”, diz a escritora Esther Hicks, em seu
livro com o sugestivo nome Peça e Será Atendido.
A crença é que a mente atuaria como um ímã
capaz de vibrar com força suficiente para atrair objetos e acontecimentos. Só que
a idéia clássica da física de que polos opostos se atraem não vale aqui.
Pensamentos positivos atrairiam experiências
positivas – e vice-versa. O escritor Michael Losier ilustra com um clássico
exemplo: se você acordar mal-humorado, der uma topada na cama, queimar a
torrada e não controlar a raiva, irá vibrar negativamente e atrairá vários
problemas para o seu dia.
Pensar positivo não faz carros e jóias orbitar ao seu redor. Mas uma atitude otimista pode, sim, ajudar na sua saúde e no seu bem-estar.
48,5 milhões de dólares , ssa é a fortuna acumulada por Rhonda Byrne, autora do livro O Segredo, em pouco mais de um ano.
“Cabe aos comandantes identificar os líderes do grupo e trabalhar na preparação e motivação de todos para o sucesso.”
É muito comum as teorias sobre pensamento positivo recorrerem à física quântica para legitimar suas idéias.
A física explica tudo?
No início do século passado, o surgimento da física quântica – ciência que estuda o movimento dos átomos e partículas subatômicas – causou uma revolução na nossa forma de entender a realidade. Até então, víamos o mundo apenas pelas lentes da física clássica.
Com uma boa dose de certeza, conseguíamos avaliar as características dos objetos ao nosso redor e prever seus movimentos. Por exemplo: se você jogar um copo para o alto, sabe que ele vai cair, certo? Também pode calcular sua velocidade, trajetória e a força do seu impacto. Essas leis valem ainda hoje.
Mas a física clássica não se aplica ao mundo quântico – no lugar do velho determinismo, é a incerteza que rege o microcosmo. Para começo de conversa, as partículas microscópicas se comportam de maneira imprevisível.
Elas são encaradas como ondas de possibilidades. Ou seja, podem estar ali, aqui e acolá. E tem mais: um elétron pode influenciar outro elétron a distância.
Esses
princípios atiçaram a curiosidade de muita gente e inspiraram as mais variadas
interpretações. O que se diz é que nós todos nos comportamos como verdadeiros
elétrons – só que em tamanho aumentado, bem entendido. Veja a seguir as fontes
da física usadas pelas teorias de auto-ajuda.
1. Podemos influenciar a realidade
“Mas não temos nenhum controle sobre
o lugar em que a partícula vai parar. Se eu quiser que ela reaja a meu favor,
não vou conseguir”, diz o físico Adilson José da Silva, professor do Instituto
de Física da USP.
Como esta teoria é apropriada – Esta
idéia vem sendo usada para justificar a crença de que a mente é capaz de
alterar a realidade. O pensamento positivo, nesse caso, influenciaria tudo e
mudaria o rumo dos acontecimentos.
Do mesmo jeito que influenciamos a parada de
um elétron. “A física quântica dá a você o controle sobre o seu futuro,
permitindo que você altere a direção do seu destino”, diz Susan Anne Taylor,
psicóloga que faz palestras na área motivacional, no livro A Ciência do
Sucesso.
2. Todas as coisas estão conectadas
O que diz a física quântica – Em
laboratório, os cientistas conseguem fazer com que os átomos interajam,
comuniquem-se entre si.
É possível fazer com que eles se comportem de
forma interligada – ao mexer em um, outro também se mexe. Esse processo
independe da distância entre as partículas, é como se o espaço não existisse.
Se você mexer com um átomo em Santos, pode
fazer com que outro em Saturno se movimente. Esse fenômeno é conhecido como
“entrelaçamento de partículas”.
Como esta teoria é apropriada – Batizado por Albert Einstein, nos anos 30, de “ação fantasmagórica a distância”, esse princípio quântico de entrelaçamento de partículas já foi utilizado por diversas áreas.
Tentaram explicar, por exemplo, a
telepatia, justificar consultas oraculares a distância e, é claro, reforçar a
idéia de que o pensamento pode modificar a realidade. Também deu respaldo à
crença na sincronicidade, ou seja, de que não há coincidências e que tudo no
Universo está ligado.
3. Você pode curar sua vida
O que diz a física quântica – Os
elétrons comportam-se como ondas e se propagam pelo espaço. Mas também são
partículas, ou seja, objetos muito pequenos. Essa dupla característica,
aparentemente contraditória, é chamada pela física de “dualidade onda-partícula”.
Esses dois aspectos, em conjunto,
devem ser considerados na observação e no momento de estudo do comportamento e
posicionamento dos elétrons. Não se pode levar em conta que um aspecto funciona
sem o outro.
Como esta teoria é apropriada – A
história da dualidade dos elétrons aconteceria em nossa vida diária. Por isso,
com relação à nossa saúde, é preciso unir sempre dois aspectos:
mente e corpo, assim como os elétrons no caso
da onda-partícula. Para alcançar a cura, é preciso superar esse dualismo. Os
físicos Fritjof Capra e Amit Goswami levaram essa idéia além. Eles sugerem a
união entre a física quântica e a filosofia oriental como caminho para
compreender toda a existência.
Palavra de fé
Conheça algumas religiões que
professam a fé no pensamento positivo e nos poderes da mente
Cultura Racional
O movimento religioso brasileiro que,
nos anos 70, teve Tim Maia como integrante mais famoso prega a leitura do livro
Universo em Desencanto (com 1 006 volumes) para quem deseja se “imunizar”
contra as energias negativas e colher benefícios nos planos físico e astral.
Cientologia
Criada nos anos 50 pelo escritor de
ficção científica Ron Hubbard, a Igreja preferida de celebridades como Tom
Cruise e John Travolta ensina os poderes da dianética, a “ciência da mente”.
Comprando livros, cds e assistindo a palestras, o fiel aprende a potencializar
o cérebro para alcançar a realização.
Ciência Cristã
O pecado está apenas na sua mente,
dizem os fiéis dessa Igreja fundada no final do século 19, nos EUA, e que faz a
própria interpretação da Bíblia. Para os adeptos, é possível curar todos os
males com tratamentos à base unicamente de orações.
Seicho-No-Ie
Misto de filosofia e religião focada
na cura. Fundada no Japão, nos anos 30, também ensina técnicas de meditação para
quem busca sucesso profissional, quer descobrir novos talentos ou deseja
solucionar problemas financeiros e amorosos.
No livro Lei da Atração – O Segredo Colocado
em Prática, ele chama essa sequência de causas e efeitos de Lei da Atração e
diz que ela “sempre se harmoniza com sua vibração, seja ela positiva, seja
negativa”.
Já o filme Quem Somos Nós? propagou
outra idéia bastante popular: todos estamos interligados. “Você e eu somos um,
há uma conexão invisível entre todas as coisas”, diz o filme.
Esse conceito pode ser resumido numa
única palavra: holismo (do grego holos, que significa “todo”). É mais ou menos
aquela frase que diz: “Uma borboleta que bate asas no Japão pode causar um
tornado no Brasil”. Alguns autores dizem que a nossa mente atuaria como a borboleta.
E você, leitor, adestraria esse inseto como
bem entendesse. Dessa forma, seria capaz de causar benefícios em série. Por
exemplo: se você quiser muito uma resposta positiva de um emprego, vai
conseguir não somente o trabalho como uma excelente colocação, um aumento de
salário, viagens pelo mundo inteiro e logo um grande amor com quem terá 3
filhos lindos. É um efeito dominó.
Isso faz sentido?
A ciência, de um modo geral, vê o
assunto com desconfiança, uma vez que faltam trabalhos acadêmicos reconhecidos
para comprovar que essas teorias realmente funcionam.
Em geral, os autores costumam
apresentar muitos relatos de pessoas que afirmam ter tido sucesso com as
técnicas de pensamento positivo – mas relatos isolados não provam nada, por
mais incríveis que sejam.
Existem normas que devem ser seguidas para um
estudo ser levado a sério. É preciso observar o fenômeno, criar uma hipótese
para explicá-lo, depois coletar dados relacionados àquilo que se estuda e, por
fim, testar se a hipótese é realmente verdadeira. Esse processo pode demorar
alguns anos.
O problema é que as teorias sobre o
pensamento positivo costumam se apropriar de conceitos científicos para validar
idéias que, como acabamos de falar, estão fora do campo da ciência.
Nesse caso, a crítica mais aguda vem
de áreas como a física e a neurociência. “Muitos tomam uma teoria e tentam
generalizá-la para tudo”, diz o neuro fisiólogo Roque Magno de Oliveira,
professor da UnB.
Um exemplo é o uso do conceito de
energia, que passou a significar algo diferente do que diz a física. “Na
verdade, essas pessoas consideram energia aquilo que eu considero empatia.
Isso não tem nada a ver com física, e
sim com a psicologia das relações humanas”, afirma o físico Ernesto Kemp,
professor do Instituto de Física da Unicamp.
A física também rejeita a badalada Lei da Atração,
que diz que os pensamentos criam campos energéticos à nossa volta.
“O pensamento como energia, como uma
espécie de campo que age a distância, é algo que nunca foi comprovado
cientificamente”, explica Adilson José da Silva, professor do Instituto de
Física da USP.
Ou seja, nunca ninguém detectou esse
tal “campo energético”. É verdade que, no cérebro humano, ocorrem estímulos
elétricos o tempo todo.
Mas, segundo Ernesto Kemp, os pulsos elétricos
liberados durante as sinapses são tão fracos que a probabilidade de o campo
eletromagnético que você está gerando com suas sinapses interagir com o de
outras pessoas é nula.
Os neurocientistas, por sua vez,
concordam que o estado de ânimo pode, sim, influenciar o nosso organismo de
várias maneiras.
Os hormônios associados ao estresse
têm grande influência na consolidação da memória. Ou seja, a idéia de que
pensar positivo faz bem não é absurda.
“Quando estamos muito estressados, o nível dos
hormônios secretados é alto e influencia negativamente esse processo”, afirma o
neurocientista Martin Cammarota, pesquisador do Centro de Memória da PUC de
Porto Alegre.
De acordo com ele, não temos controle total
sobre nosso cérebro nem sobre os processos químicos e celulares que ocorrem
nele.
“O ser humano é uma soma de circunstâncias.
Por mais que você pense positivo, seus níveis de colesterol no sangue não vão
diminuir somente em consequência disso”, ressalta.
No caso do colesterol, dieta e exercícios são
algumas das circunstâncias a ser consideradas.
Mas pensar positivo funciona?
Funciona. Mas não como a maioria das
pessoas gostaria. O pensamento positivo não vai engordar sua conta bancária do
dia para a noite.
Nem fará carros e diamantes orbitar
ao seu redor. Porém, segundo várias pesquisas, uma atitude otimista pode influenciar
muito a resistência do organismo às doenças.
Uma comprovação disso veio da
Universidade Harvard, nos EUA. Há 5 anos, um grupo de médicos da instituição
descobriu que pensar positivamente pode fazer bem para os pulmões.
Os pesquisadores avaliaram o estado de saúde
de 670 homens na faixa dos 60 anos de idade. Também aplicaram testes de
personalidade para identificar quem eram os otimistas e os pessimistas.
Depois de 8 anos, constatou-se que a turma do
bom humor tinha um sistema imunológico mais resistente a doenças pulmonares
quando comparada ao grupo dos estressados. Até mesmo os fumantes otimistas
apresentaram resultados melhores que os adeptos do tabagismo que eram, digamos,
baixo-astral.
O coração também bate melhor quando
estamos com bom humor. Os pesquisadores do Instituto Delfland de Saúde Mental,
na Holanda, monitoraram homens com idade entre 64 e 84 anos durante 15 anos.
A incidência de infartes e derrames
foi menor entre aqueles que tinham uma atitude positiva. Os otimistas
apresentaram ainda 55% menos risco de ter doenças cardíacas.
O que essas pesquisas revelam pode
soar óbvio: pessoas com disposição para ver o lado positivo da vida tendem a
cuidar mais da saúde, a praticar exercícios e se alimentar melhor.
Porém, há outra explicação, que fala
da relação entre os hormônios e o estresse – problema que os otimistas parecem
enfrentar melhor em relação aos pessimistas. Longos períodos de irritação e
melancolia influenciam a secreção de alguns hormônios.
“No estresse crônico predomina a ativação do
córtex das glândulas suprarrenais com produção de cortisona, que é um hormônio
imunossupressor, ou seja, que diminui a ação do sistema imunológico”, explica o
médico Régis Cavini Ferreira, especialista em psiconeuroendocrinologia, uma
área que estuda a relação entre cérebro, hormônios e comportamento.
“Assim, evitando o estresse, o
indivíduo tem melhor competência imunológica para se recuperar das doenças”,
afirma. As glândulas suprarrenais, aliás, parecem ser um dos principais
termômetros do pensamento positivo no nosso corpo. Como o próprio nome diz,
elas ficam na parte superior dos rins e sua função consiste basicamente na
liberação de hormônios. Isso acontece como resposta ao nível de estresse a que
formos expostos.
Mas pensar positivo funciona?
Quando o assunto sai da área de saúde
e bem-estar, os resultados do pensamento positivo ainda são controversos – pelo
menos no que diz respeito aos estudos acadêmicos.
A ciência não confirma a eficácia do
otimismo na obtenção de sucesso profissional ou do êxito em qualquer outra
atividade. Contudo, não faltam exemplos de que alguma coisa parece funcionar a
nosso favor quando adotamos uma atitude “para cima”.
Ou melhor: quando estamos motivados.
O técnico da seleção masculina de vôlei, Bernardinho, por exemplo, conhece bem
os resultados que um time talentoso e focado no sucesso pode alcançar – como o
pentacampeonato da Liga Mundial, o campeonato olímpico e o bicampeonato
mundial.
Há algum tempo, ele vem compartilhando sua
experiência com grandes empresas, realizando palestras em que ensina os
segredos do trabalho em equipe e da superação individual.
“Temos que buscar sempre a renovação
e a qualificação individual. Cabe aos comandantes identificar líderes do grupo
e trabalhar na motivação de todos para o sucesso coletivo”, disse Bernardinho
em uma palestra na UnB.
Nessa frase, ele resume alguns de seus
principais pilares para o sucesso: superação, obstinação, treinamento,
persistência, foco na liderança. E, claro, motivação. Misturando esses
ingredientes com uma boa dose de trabalho, afirma o treinador, não tem erro.
Pode ser nas quadras, no escritório, dentro de casa, na sala de aula.
A motivação é mesmo uma palavra de
ordem dentro do vasto universo do pensamento positivo. No mundo dos negócios,
ela veste uma roupagem mais elaborada, tem estratégias bem traçadas, baseadas
no planejamento e na execução de metas.
É aqui que entra a programação neurolinguística
(PNL), uma outra referência quando o assunto é o poder da mente positiva.
Criada nos anos 70 por um matemático e um linguista americanos, a PNL ensina a
reprogramar o cérebro por meio de exercícios envolvendo imagens, sons e toques.
As técnicas, que ficaram populares no Brasil
com os livros do médico Lair Ribeiro, são usadas para incrementar a
criatividade, o aprendizado e a memória. Entre outras coisas, a PNL ensina que
cada pessoa deve encontrar o seu “motivo” para entrar em ação, estabelecendo
metas concretas e desejando ser extraordinária no que faz.
Os motivos que nos fazem agir são um
assunto sério para a psicologia. A motivação, nessa área de estudos, é
considerada o conjunto de fatores que impulsionam o nosso comportamento.
Alguns são comuns a todo mundo, como
a necessidade de se alimentar. Outros variam de pessoa para pessoa, como o
desejo de realização e poder.
“A motivação é aquilo que faz você levantar da
cama todos os dias. E só você sabe quais são seus motivos”, afirma a psicóloga
Valquíria Rossi, professora da Universidade Metodista de São Paulo.
Pessoas motivadas geralmente têm
objetivos claros e se esforçam para alcançá-los, e aí está uma parte da
explicação para o sucesso. Por exemplo: se você está motivado a trocar seu
Fusca por uma BMW, vai se esforçar para descobrir o que precisa fazer para
mudar de carro e não desistirá facilmente.
Mas motivação não age sozinha. Ela
deve estar aliada justamente ao otimismo. Em outras palavras: ao pensamento
positivo.
“Algumas pessoas têm predisposição para ver o
futuro com mais otimismo e, então, assumem a responsabilidade pela própria vida
e vão atrás do que desejam, sem responsabilizar os outros por eventuais
fracassos”, diz ela.
O negócio é que essas duas atitudes –
motivação e otimismo – não podem ser adquiridas do dia para a noite. Insistir
que deseja um carro se você, intimamente, está feliz andando de ônibus não vai
motivá-lo a trocar de meio de transporte.
E repetir “eu sou otimista” não vai
transformar um pessimista de carteirinha em alguém “para cima”. Uma das coisas
que contribuem para isso é a forma como fomos educados.
Pensar positivo pode não ser fácil
para alguém que cresceu ouvindo frases do tipo: “Não arrisque” ou “Não faça
isso, pois não dará certo”. “Se você cresce nesse tipo de família,
provavelmente vai pensar assim”, afirma Valquíria.
Pensar negativo faz mal?
Depende. Em profissões que envolvem a
previsão de riscos, por exemplo, um pouco de pessimismo é até bem-vindo.
Imagine um operador da bolsa que tem certeza que as ações irão subir. Ou um
controlador de voo que sabe que os aviões não irão colidir nunca.
O pessimismo – que pode ser traduzido aqui
como uma certa ansiedade e medo do fracasso – faz uma diferença bem positiva
nesses casos.
Durante provas e exames, a tática de
pensar positivo ou relaxar demais pode igualmente sair pela culatra. Nessas
horas, uma pequena dose de estresse irá contar pontos a seu favor.
Esse estresse agudo, ao contrário do
crônico, não prejudica o sistema imunológico. “Quando o nível de produção dos
hormônios associados ao estresse é moderado, ficamos em estado de alerta.
Isso nos ajuda a manter a atenção e nos
predispõe à batalha”, explica o neurocientista Martin Cammarota, do Centro de
Memória da PUC de Porto Alegre.
Atletas, por exemplo, costumam se sair melhor
nas competições quando estão mais tensos, uma vez que secretam mais adrenalina.
Nesse caso, o estresse é percebido pelo corpo como algo bom.
Claro que pensar repetidamente em
coisas desagradáveis não faz bem para ninguém – inclusive, pode fazer mal à
saúde. Segundo a psicóloga Susan Andrews, a longo prazo, a secreção do cortisol
– um hormônio liberado em maior quantidade durante o estresse crônico – pode
matar até 25% dos neurônios do hipocampo.
Essa é a parte do cérebro responsável pela
memória e pelo aprendizado. “Por isso, quando estamos muito estressados e
irritados, ficamos confusos e esquecidos”, explica.
O médico Régis Cavini também
investigou o pensamento negativo. Ele avaliou a relação entre a lembrança de
acontecimentos traumáticos e o funcionamento do cérebro.
Descobriu que, ao evocarmos uma
memória traumática, a secreção de hormônios associados ao estresse aumenta como
se estivéssemos revivendo aquela experiência.
“Ao lembrarmos de um trauma, o vivenciamos
outra vez em sua plenitude metabólica e emocional”, diz o pesquisador, que
conduziu a investigação no Instituto de Psicologia da USP.
Aí pode estar a explicação científica para a
antiga idéia de que remoer o passado faz mal ou de que desejar o mal a alguém
faz o feitiço virar contra o feiticeiro.
Alimentar idéias negativas, aliás,
pode ser também um clássico sintoma de que algo não anda bem.
“Às vezes, a pessoa sofre de depressão,
ansiedade ou simplesmente aprendeu a ter pensamentos negativos ainda na
infância com o pai e a mãe.
E assim entra num círculo vicioso”, diz o neuro
fisiólogo e psicanalista Roque Magno, da UnB. A psicoterapeuta Eva Strum
defende o acompanhamento médico para os casos em que o pessimismo se torna
crônico.
Lembra, ainda, que doses pequenas de
pensamento positivo – conquistadas, por exemplo, durante a leitura de um livro
ou em atividades lúdicas – podem ajudar.
Há 6 anos, ela fundou a ong
Pensamento Positivo, formada por voluntários que visitam hospitais de São Paulo
para divertir os pacientes com jogos e músicas. “Ao brincar, você mexe com a
endorfina, que é um medidor da sensação de dor.
Quanto mais relaxado você fica, menos dor
sente”, afirma. A equipe do Pensamento Positivo hoje percorre 11 hospitais
paulistanos a cada semana. Para os voluntários, se a ciência comprova ou não os
efeitos dessa terapia antipessimismo é o que menos importa.
Porque só se fala nisso
Desvendar os poderes da mente – essa
insondável caixa cinzenta onde a vida pulsa e residem tantos mistérios – tem
sido a meta de gerações.
O assunto ganhou fôlego a partir dos anos 60,
nos EUA, no auge da contracultura. Era a época das comunidades alternativas, da
valorização do misticismo oriental, da preocupação com a natureza e dos
experimentos com drogas alucinógenas.
Nesse caldeirão de novidades, surgiu o
Movimento do Potencial Humano, que reunia psicólogos, gurus e adeptos de
terapias alternativas.
Essa turma afirmava que o ser humano possui
capacidades inexploradas e que é possível transcender a mente com o uso de
técnicas que envolvem desde a meditação até massagens especiais.
As idéias fervilhavam principalmente
no Instituto Esalen, na Califórnia, EUA, um famoso ponto de encontro de
hippies, terapeutas, escritores e pesquisadores abertos a novas formas de
conhecimento.
Ali surgiu o que atualmente algumas pessoas
chamam de new age – ou nova era –, uma mistura de práticas espiritualistas,
terapêuticas e de autoajuda que influenciaram bastante a cultura de hoje em dia
e o modo de viver de muitas pessoas.
Outros fatores também deram um
empurrão na história do pensamento positivo como um tema que norteia a vida
moderna: o individualismo, o avanço da ciência e o declínio das religiões
tradicionais.
Faz tempo que os mitos e dogmas religiosos
deixaram de fazer sentido para muita gente. Os dois últimos censos demográficos
do IBGE mostraram isso em números. Em 1991, a pesquisa revelou que 4,7% da
população brasileira (7 milhões de pessoas) se declaravam sem religião. Em
2000, o percentual subiu para 7,4%, ou seja 12,4 milhões (veja reportagem na
página 86 sobre o pensador ateu Richard Dawkins).
Na hora de entender os fenômenos do
mundo ou encontrar respostas para seus anseios, cada vez mais pessoas recorrem
à ciência ou às propostas da nova era.
Aí, podem entrar em cena o misticismo oriental
e outras novas formas de religiosidade. A autoajuda também pega sua carona
aqui. A fé nos deuses cada vez mais dá lugar à crença no poder do homem – ou na
mente do homem.
“Em vez de esperar por uma religião, as
pessoas tomaram para si mesmas a tarefa da salvação”, observa o antropólogo
Silas Guerriero, professor da PUC de São Paulo.
“Salvar-se, nesse caso, tornou-se sinônimo de
ser bem-sucedido, feliz, realizado, enfim, colocar em prática o potencial que
cada um tem”, afirma.
Um outro ponto que contribui para
esse conjunto de influências é o apelo crescente ao consumo desenfreado da
sociedade em que vivemos. Para muita gente, o pensamento positivo é mais um
meio de ter, comprar, possuir. Até mesmo muitas igrejas andam trabalhando nessa
linha.
Entre algumas neopentecostais, um ramo do
protestantismo que emergiu nos anos 70, por exemplo, há o discurso de que o
verdadeiro fiel pode “exigir” que Deus realize seus desejos.
A única diferença é que, nesse caso,
o caminho para alcançar o sucesso está na fé. Pensando bem, talvez nem exista
diferença. Afinal, sem a comprovação da ciência, o poder miraculoso da mente,
por muito tempo, pode continuar sendo apenas uma questão de crer ou não crer –
e a escolha da crença vai do freguês. Pode ser em Deus, ou na própria mente.
Também não é exagero afirmar que o
investimento no pensamento positivo pode ser encarado como uma forma moderna de
escapismo.
“Para muitas pessoas, isso é um alívio, pois
essas técnicas irão poupá-las do trabalho de questionar qual o sentido de sua
vida, o melhor caminho para seguir e a que atividades desejam se dedicar”,
comenta a filósofa Dulce Critelli, da PUC-SP.
As dúvidas existenciais e o sofrimento dão
lugar à busca desenfreada pela casa nova, pelo carro de luxo, pelo emprego dos
sonhos, pelos amores incríveis.
Uma coisa é certa: os autores mais
famosos do gênero conquistaram tudo isso. Em pouco mais de um ano, Rhonda Byrne
acumulou uma fortuna de US$ 48,5 milhões. No mês de maio, ela foi eleita pela
revista Time uma das 100 pessoas mais influentes do mundo.
Deepak Chopra abandonou uma sólida carreira de
médico endocrinologista para comandar o Chopra Center for Wellbeing (Centro
Chopra para o Bem-Estar), um império da auto-ajuda sediado na Califórnia. Seus
livros, cursos e palestras rendem a ele mais de US$ 15 milhões por ano.
Se o sucesso deles veio graças ao pensamento
positivo ou a idéias brilhantes aliadas a uma boa estratégia de marketing, não
se sabe. Talvez esse seja o verdadeiro segredo.
Revista SuperInteressante
Para saber mais
O Tao da Física - Fritjof Capra,
Cultrix, 2000.
O Universo Autoconsciente - Amit
Goswami, Aleph, 2007.
Como a Picaretagem Conquistou o Mundo
- Francis Wheen, Record, 2007.
Imposturas Intelectuais -
Alan Sokal e Jean Bricmont, Record,
1999.
Religious movements
Página da Universidade da Virgínia
que explica movimentos religiosos e propostas de auto-ajuda da nova era.
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