terça-feira, 20 de setembro de 2022

O Poder da respiração

 



O poder da respiração

A medicina egípcia via na respiração a função vital mais importante do organismo e o ar era considerado indispensável à preservação da vida. Segundo um texto do Papiro de Ebers, o ar penetra pelas narinas e alcança o pulmão e o coração, de onde é distribuído a todo o corpo pelos vasos sanguíneos. No mesmo papiro, em outra passagem, há referência ao sopro da vida e ao sopro da morte.

Na medicina hebraica, a importância da respiração para a manutenção da vida é ressaltada no Livro dos Salmos: “Se lhes tira a respiração, morrem, e voltam para o seu pó”.

 Para a escola hipocrática, o calor corporal é inerente à vida e para a conservação do calor é necessária a respiração, que introduz no corpo o pneuma, elemento vital contido no ar. A respiração leva o pneuma até os pulmões e, destes, ao ventrículo esquerdo, de onde é transportado pelas artérias a todas as partes do organismo. Na doutrina hindu, a respiração é a verdadeira força vital, a qual os indianos chamam prana.

Na história bíblica da Criação, Deus soprou seu hálito divino no torrão de barro que formou e deu a Adão uma alma viva. Essa imagem nos mostra de forma muito bela o poder da respiração. Por meio dela estamos eternamente ligados a algo que transcende a Criação, que está além da forma. É nisso que reside sua grande importância. O ar que respiramos nos une num todo, quer queiramos quer não.

 – Anatomia do sistema respiratório, de Giulio Casserio (1552-1616)

Emoção e respiração

O pulmão é o nosso grande órgão de contato. Possui uma superfície interna de cerca de setenta metros quadrados, ao passo que a superfície da pele, nosso segundo órgão de contato, mede apenas dois metros e meio quadrados.

Uma respiração fisiológica deve satisfazer quatro requisitos: ser tranquila, relaxada, sutil e equivalente. Existe uma relação estreita entre respiração, tônus muscular e a vida afetivo-emocional, entre grau de tensão muscular e experiência emocional.


Toda emoção influi diretamente sobre o ritmo cardíaco e respiratório, assim como sobre o equilíbrio das pressões entre as duas cavidades, torácica e abdominal. O estresse e a ansiedade reduzem a amplitude do movimento do diafragma, resultando em  inspirações curtas e rápidas e menor oxigenação das células.

 – Controle emocional: córtex pré-frontal e sistema límbico (amígdala)

O controle emocional está intimamente ligado a uma região do cérebro chamada córtex pré-frontal, que apresenta inúmeras conexões com outras regiões do cérebro, incluindo o sistema límbico. É a parte mais sensível aos efeitos da exposição ao estresse. 

Um estresse agudo de média intensidade pode provocar perdas rápidas e dramáticas nas habilidades cognitivas pré-frontais (pensamentos, ações e emoções). E as exposições prolongadas ao estresse causam produção excessiva de noradrenalina e dopamina, inibindo sinapses e a continuidade da informação do córtex pré-frontal à amígdala, levando ao descontrole emocional e quadros de congelamento.

O exercício respiratório consciente promove um estado de coerência cardíaca que reduz essas respostas fisiológicas ao estresse. Ao inspirar pelo nariz lenta e profundamente há uma sincronização das oscilações cerebrais na rede límbica através do córtex olfativo, promovendo relaxamento e um sincronismo importante entre a frequência respiratória, frequência cardíaca, pressão arterial e outras funções oscilatórias como a imunológica e a hormonal.

Respiramos todos do mesmo jeito?


Nós nos tornamos prisioneiros das nossas próprias tensões, que entravam a motricidade e favorecem o surgimento de dores. Do mesmo modo, essas tensões miofasciais condicionam a maneira de respirar, modificando o posicionamento dos pontos fixos necessários para a respiração fisiológica.  

 – Tensões miofasciais e sua relação com a respiração fisiológica

Na respiração fisiológica, o movimento vertical do diafragma e o relaxamento dos músculos abdominais estimulam a função do estômago, fígado, rins e intestinos, ajudando–os a promover a assimilação dos alimentos e favorecendo a secreção das enzimas digestivas.

 Além disso, incentivam a absorção de líquidos e a excreção das fezes. Isso ocorre pela pressão negativa criada pelo ritmo e movimento diafragmáticos. Estudos recentes demonstraram que a contração do diafragma também reduz o diâmetro da veia cava, auxiliando no retorno do sangue ao coração.

A respiração profunda e diafragmática melhora o metabolismo e a resistência às doenças, promove alterações mecânicas e pulsáteis no fluxo sanguíneo e no liquor, evocando sincronia cerebral e um amplo recrutamento de circuitos neurais e fortalecendo, assim, a capacidade cognitiva.

Quando ocorre uma obstrução nasal significativa, há a tentativa de vencer essa obstrução por meio de um esforço consciente. Isso gera um aumento de turbulência do fluxo aéreo, que ocasiona uma elevação da resistência de vias aéreas, podendo levar a uma diminuição do volume corrente. Há maior efetividade de contração do músculo diafragmático na ausência de obstrução das vias aéreas superiores.

O diafragma pode se movimentar 3 cm a 4 cm abaixo do normal durante os exercícios de respiração profunda, expandindo o tórax ao máximo de sua capacidade, o que resulta no aumento substancial da capacidade vital total.

Como tomar consciência da própria respiração?


Em um ambiente silencioso e confortável, deite-se de costas, com as pernas fletidas, feche os olhos e preste atenção no seu abdome, tanto na inspiração quanto na expiração. Perceba o ritmo, profundidade e frequência respiratória.

Você tem nitidamente a impressão de preencher toda a capacidade pulmonar? Percebe uma grande mobilidade das suas costelas? Sente-se incomodado e tenso ou, ao contrário, relaxado e tranquilo?

A aprendizagem de uma correta técnica respiratória está intimamente ligada à aprendizagem de uma técnica de relaxamento. As técnicas de relaxamento visam a harmonizar o movimento articular e a função respiratória. Isso é possível por meio de intervenção voluntária, deixando o centro respiratório automático em melhores condições de funcionamento.

O relaxamento inserido num esquema de intervenção muscular pode reconduzir a um ato respiratório coordenado, econômico e eficaz. O resultado não é imediato e, sim, obtido por meio de um trabalho metódico diário de vivência corporal e sensorial. A respiração torna-se calma e profunda, favorecendo a vasodilatação e distensão muscular e promovendo intenso relaxamento. E então, incrivelmente, a respiração se libera.

Controlar a própria respiração é estar presente no momento. É alcançar o equilíbrio psicofísico e também um excelente meio para entrar em relação consigo próprio e com os outros.

Alessandra Busse Ferrari – Fisioterapeuta integrativa, especialista em Geriatria e Gerontologia e sócia do Instituto de Reabilitação Respiratória desde 1998. Pesquisadora do tema respiração e espiritualidade.

"Prana - alento vital"


“O Senhor prove todas as nossas necessidades”

Meditar sobre o Prana, na respiração é  entrar em contato com a consciência da essência da vida de Brahma, do Criador de muitos nomes,  da generosidade e abundância da vida.
Se o  Divino mora no coração, e tudo é Brahma, então eu Sou Brahma e respiro e inspiro como Brahma.
Eu sou o que sou. DharmadhannyaEL

"'Prana' é o nome com que se designa um princípio universal, a essência de todo movimento, força ou energia, que se manifesta na gravidade, na eletricidade, na revolução dos planetas ou em todas as formas de vida, desde a mais elevada até a mais baixa.

 Podemos chamá-lo a alma da Força e da Energia, em todas as suas formas; o princípio que, operando de certo modo, produz a forma de atividade que acompanha a vida". (2)

Já foi afirmado que ninguém sai de uma escola hindu conhecendo o que a ciência e filosofia da Índia afirmam como certo, sem que tenha passado demoradamente pela análise das afirmações dos mestres sobre prana e a respiração.

Se estas duas palavras não são as mais importantes para o hindu, elas tornam, no entanto qualquer tema de grande e imprescindível importância. Notemos que qualquer exposição da sabedoria dos Rishis esta filiada à respiração e Prâna, no homem e no espaço; exemplo frisante temos em Rama Prasad:

“O universo compreende todas as manifestações que nos são familiares, ao mesmo tempo sobre o plano mental e o plano físico.  Todas saíram dos tattvas.

 Os tattvas são as forças que se prendem à raiz de todas as manifestações: — a criação, a conservação e a destruição, ou mais estritamente a aparição, a conservação e a desaparição dos fenômenos de que somos advertidos e das mudanças táttvicas de Estado.”


Em seguida nos mostra que os tattvas são as modificações, em termos de energia de Svara, reflexo de Parabrahma - ou alentos

Ora, o homem é uma repetição em miniatura do Cosmos. Diz—se mesmo (para repetir o vulgar) que  é o microcosmo.

Se o alento ou “grande respiração” movimento permanente do universo em termos de infinito a respiração no homem toma o atributo — na penetração de prana — como o movimento vital de suas forças intrínsecas.

 Daí dizer o mesmo sábio citado acima:
“Os Tattvas são as cinco modificações do Grande alento”. Agindo sobre Prakriti (a matéria cósmica não diferenciada), esse “Grande Alento” lança—o em cinco estados que tem movimentos vibratórios distintos e que desempenham funções diferentes.

O primeiro estado Akâsa-Tattva. Vêm, em seguida, na ordem respectiva Vayu, Tejas, Apas e Prithivi. Eles são também conhecidos pelo nome de Mahâbhutas.”

Rama Prasad nos oferece um conhecimento que nos acompanhara muito na compreensão do funcionamento dos fenômenos vitais: os cinco Tattvas são manifestações diferenciadas da energia conhecida como Prakriti em si (energia não diferenciada).

Estamos, pois unidos ao cosmos pela respiração. Como poeta talvez possamos nos expressar melhor:


Prana
Em tua face as janelas
Da respiração
Estão sempre abertas.
O ar, asas de prâna,
Traz do pássaro da vida
Sua canção.

Ele não pára, vem e vai
Só que prâna
Alma do ar,
Penetra e não sai...

Deixa o corpo fugir na exalação
E fica para morrer,
Dando—te vida,
Esperando as asas de nova inalação.

O todo a ti se irmana
No ritmo do vento.
Prâna a alma do pássaro
Que faz o ninho alento
Em teu coração.

No altar de teu corpo,
vives do sacrifício
Da respiração.

No mais distante mundo sideral
O mesmo sopro do senhor
Insufla o mesmo hálito vital
Que dá beleza à tua forma,
 dando à tua alma
O ósculo do amor.

" 'Prana', termo sânscrito que significa 'Energia Absoluta'. Muitos eruditos em esoterismo ensinam que o princípio denominado 'Prana' pelos hindus é o princípio universal de energia ou força, e que toda energia ou força deriva deste princípio, ou melhor, é uma forma particular da manifestação deste princípio...

 Podemos considerá-lo como o princípio ativo de vida Força Vital, se assim lhes agrada. Ele é encontrado em todas as formas de vida, desde a ameba até o homem desde a forma mais elementar de vida vegetal à mais elevada forma de vida animal. 'Prana' é onipresente.(2)

De fato, quer no espaço como no homem, o importante o movimento motivado pela respiração.

Não fora o movimento, quer no micro como no Macrocosmo, nada possuiria vida. Esse movimento oriundo da grande respiração ou alento, é o modo de agir de Deus. Deste poder que surge a manifestação de Prakriti que, por sua vez, emite os Tattvas.

Explica melhor Rama Prasad:
“Esse grande poder o Parabrahma dos vedantinos, a primeira mudança de estado que se encontra no ápice da evolução. É a primeira fase positiva da vida. Todos os Upanishads estão de acordo a este respeito. No princípio Tudo era Sat (a fase positiva de Brahma).”

É importante sabermos que Sat equivale à realidade em si mesma, como também é o Absoluto. No princípio, pois, só havia o absoluto. 

Não se imprimira ainda a manifestação do movimento, ou seja, não surgira o Impulso da Grande Respiração. Foi portanto este impulso que deu nascimento e continuidade à vida.

Prossegue Rama Prasad:
“Desse estado vieram, por graus, os cinco éteres, tattvas ou mahâbhûtas, como também se lhes chama. “Dele vem o akâsa e assim por diante”, diz o Upanishad.

Esse Estado de Parabrahma chama-se-lhe, no texto, “não Manifestado”. A manifestação para nós, não principia se não com o Ego, o sexto princípio da nossa constituição - muito além do que naturalmente Manifestado.”

Por fim vemos que de fato o hindu empresta a Prana absorvido pela respiração todo o poder e continuidade vital do homem. Tanto assim que o autor ditado destaca o poder de Vayu, dizendo:

“ O processo inteiro da criação, em qualquer que seja o  plano da vida é provocado,  muito naturalmente, pelos tattvas nas suas duplas modificações positivas e negativas. Não há nada no universo que a lei táttvica universal da respiração não abranja.

A ciência da respiração assume na Índia a mais minuciosa complexidades basta dizer que os Rishis chamam nossa atenção para as duas principais correntes que operam em a natureza. Uma de prâna, diretamente vinda do sol e outra que se faz da energia solar rebatida na Lua

. Isto quanto á natureza. No homem, como sabemos, a Corrente solar se mescla à irradiação de Marte e a corrente lunar (igualmente como o rebatimento solar) se mescla à irradiação de Mercúrio.

Teríamos Sol e Marte  para Pingala e Sol, Mercúrio  e Lua  para Idâ. A ideia de uma corrente lunar somente própria da magia negra. Como este tema foge a nosso propósito, passemos adiante.

Em sentido geral, pelo hábito adquirido, as escolas orientais comuns passaram a referir-se somente ao Sol-Sûrya e Lu-Chandra, quanto às correntes de ar penetradas por nossas narinas. Assim temos:
Pingala-nadi ou Surya-Nadi
Idâ-nâdi ou chandra-ndi

A primeira, penetrando pela narina direita (reconhecida como solar), a segunda, pela narina esquerda (reconhecida como lunar).

Vimos que o homem e o Cosmos se encontram interligados pela respiração. Por isso o ar que respiramos não é somente canal de prana.

É necessário afirmar que o prâna faz parte do primeiro alento de Parabrahma, quando respiramos, absorvemos parte do primeiro impulso que foi dado pelo grande alento. A vida que nos anima sob a forma de prâna nasceu, para os orientais, do hálito Sagrado de Parabrahma ou Deus Cósmico.

O mundo todo e todas as coisas nele existentes são feitos dessa substância primordial universal.

 Os conhecimentos da índia, em sua profundidade científica e filosófica, são comumente sintetizados, para maior entendimento ou retenção mental dos chelas. 

Principalmente em se tratando de chelas (discípulos adiantados) ocidentais. Exemplo do que afirmamos está na síntese apresentada em três nervos (ou nâdis) do mecanismo vital do ser Idâ, Pingalâ Sushumnâ.

Ora, estes três nâdis são somente parte dos dez nâdis principais. Dizem até que 72.000 nâdis saem do umbigo  ramificando-se pelo corpo.

Todos eles, afirmam, conduzindo a força vital ou prâna, em seguida, explicam que os nâdis — de dois a dois — se cruzam até formarem um número de 24 e destes destacam os 10 mais importantes, dos quais três são os conhecidos Idâ, Pingalâ e Sushumnâ.

De qualquer forma todos os nâdis são canais de prâna, dizem, quer seja através deles, em cima ou embaixo dos mesmos.

 Os nâdis ligam-se ao chakras que, por sua vez, suportam as cargas maiores da energia vital ou prâna.

De qualquer modo, a síntese apresentada nos três elementos básicos no ato do prânâyâma ou respiração dirigida, há de, por certo, atingir todos os nâdis que possui o corpo. O importante, para os mestres, é a ligação que fizermos entre respiração, atitude do corpo (ou asâna) e pensamento.

Nunca é demais recordarmos que prânâyâma - domínio respiratório do alento vital pela respiração encontrou seu maior desenvolvimento em Patanjali. Neste insigne pensador que descobrimos a base do tema da respiração, bem como das múltiplas manifestações de pontos importantes do corpo humano que ordenam a circulação da vida.

Realmente Patañjali e sua escola simplificam as questões que muitos falsos instrutores têm complica do de tal modo até torná-las incompreensíveis. 

Observamos isto quando, sobre os mesmos ensinamentos de Patanjali, sentimos a felicidade de encontrar um comentarista do valor de Ramacharaka. 

Temos o prazer de transcrever alguns trechos deste autor, servindo parte do que se segue para recapitulação e reforço de temas já estudados certamente pelo leitor:

“... Ensina-se a respirar ritmicamente,com inspiração lenta, retenção momentânea do ar inspirado e expiração também lenta acompanhado todo ele (o exercício) da sagrada palavra aum pronunciada mentalmente para servir de ritmo  respiratório.

O seguinte período do pranayama a respiração por uma só narina.

Ensina-se ao candidato a tapar a narina direita, de modo que, ao respirar, o ar só penetre pela narina esquerda, então o pensamento dirigido à corrente de Ida para que chegue até o padma ou chakra da base da coluna vertebral e atue em kundalini ali armazenado.

Uma vez feita a inspiração pela narina esquerda, a corrente de Idâ dirigida ao centro psíquico da base da espinha, retém-se durante alguns momentos a respiração, pensando imaginativamente que a corrente atravessa o dito centro e passa ao lado direito da coluna vertebral por onde circula a corrente de Pingala.

 Efetuada  esta representação mental se expira ou exala o alento lentamente pela narina direita, mantendo entretanto tapada a narina esquerda.”

Ramacharaka  apresenta parte do exercício. o mesmo deve ser feito porém alternando a respiração, ora pela narina da direita,  ora pela esquerda. Prossegue  o mesmo yoguî:

“Sushumnâ canal da corrente central está fechado no homem comum, porém quando se abre alcança o indivíduo a categoria de Yogui.

Assim que ao excitar a latente energia de kundalini ela tende a ascender e vai abrindo caminho lenta e gradualmente a Sushumnâ, enquanto ativa os diversos chakras situados ao longo da coluna.

Depois  ensina-se ao candidato a virtude de OHAS  — nome de uma superior modalidade de energia armazenada no Sahasrâra - que se manifesta na inteligência e na espiritualidades”

Após estas preciosas anotaçoes à margem da obra “Filosofia e religiões da Índia” de Ramacharaka, é indispensável que chamemos a atenção quanto ao valor da respiração dirigida, bem como de todo o evolver dos fatos internos e do desenvolvimento das energias latentes como tendo essa complexidade da vida — origem no alento vital ou prâna.

 Sem prâna inalado pelo indivíduo nada pode ser conquistado quanto à sua vida psíquica, física e mental. Esta é pois a razão por que todos os exercícios e ensinamentos, com base na respiração, guardam tão grande prestígio entre os Rishis e yoguis.

A descoberta dos segredos do alento vital ou Prana, quer no cosmos como no indivíduo, foi a fonte da realização mística da Índia. A  própria Blavatsky - entusiasta fervorosa da sabedoria hindu — exalta as excelcitudes de prâna de modo eloquente e até mesmo poético:

“A vida universal, onipresente, eterna, indestrutível, e a parte desta vida universal individualizada ou assimilada a nosso corpo é a que se designa com o nome de Prâna.

“Encontra-se em todas as coisas que têm vida, e como a filosofia ocultista ensina que a vida reside em todas as coisas, em cada átomo e que a aparente falta de vida de algumas coisas é só um grau inferior de manifestação, podemos admitir este ensinamento de que o 'Prana' está em todas as partes e em todas as coisas.

Não se deve confundir o 'Prana' com o Ego, esse fragmento de espírito divino que há em toda alma, em volta do qual se agrupa a matéria e energia. 'Prana' é meramente uma forma de energia utilizada pelo Ego, em sua manifestação material.

Quando o Ego abandona o corpo, não estando mais o 'Prana' controlado pelo Ego, só responde aos mandados dos átomos individuais ou grupos de átomos, que formam o corpo, e quando o corpo se desintegra e

 se dissolve em seus elementos originais, cada átomo leva consigo suficiente 'Prana' para permitir-lhe formar novas combinações, e o 'Prana' não utilizado volta ao grande depósito universal do qual originou. Enquanto o Ego controla, existe coesão, e os átomos mantêm-se unidos pela Vontade do Ego”. (2)

Este texto é uma compilação uma pesquisa :
(1)   Luis Goulart
(2)   (2) Ramacharaka




Um sopro que remete ao movimento, capaz de nos retirar do peso das coisas materiais e de sua limitada esterilidade. Que tenta afastar da prisão daquelas coisas que não nos pertencem e das quais não deveríamos nós, tão únicos, pertencermos.

Enquanto sopro ou vento, a espiritualidade é uma potência motriz que faz girar a humanidade na vida. Força capaz de levar e de trazer. Capaz de afastar as nuvens, abrindo espaço para a luz do sol indicar um recomeço.

Spiritus enquanto respiração faz lembrar do movimento e da troca necessários para a vida. Remete à nutrição e à renovação do sangue. Reforça a importância do agora, do senso de presença, colocando o passado e o futuro em seus devidos lugares.

 Essa presença espiritual, assim como é a respiração, deve ser permanente. De comum, elas não necessitam de uma ordem, ou de um comando consciente – são próprias da nossa condição de vida. 

No entanto, assim como na respiração, podemos parar e perceber esse movimento energizante que é a espiritualidade do Uno; e, na maioria das vezes, tal qual na respiração, podemos controlar seu ritmo, sua profundidade, e usá-la para acalmar estados de ansiedade, de angústia.

Mas também podemos nos abster desse controle, verificando uma mente desconectada e confusa e uma respiração curta, descompassada, apertada.

A respiração é uma troca constante, marcada pelo dinamismo. Há nela a internalização da natureza, de tudo que nos envolve, na forma de oxigênio. Em contrapartida há retirada do excesso de dióxido de carbono, uma das sobras do metabolismo de nossas células. 

Trata-se de um processo muito meticuloso e delicado, um dos nossos milagres da fisiologia. Podemos dizer que a respiração renova e revitaliza o sangue e nos conecta diretamente com o meio ambiente, com o todo.

Nessa analogia, a espiritualidade e a respiração nutrem o ser com o invisível:  o oxigênio, a humanidade e a divindade. 

Retiram as sobras, que em excesso impedem a vida. Juntas proporcionam que tenhamos vitalidade física e espiritual, transcendente.  Esse é o sopro da vida, sopro do Espírito Santo. Sopro que remete ao Prana, que segundo uma das filosofias indianas, é justamente a força vital em forma do ar.

 Prefiro dizer que a espiritualidade é o sopro do divino dentro de nós. E em Gênesis 2:7 temos justamente que Deus inspirou no homem o sopro para a vida e, assim, ele se tornou um ser vivente.

Desde então, quanto mais espiritualizado é o ser humano, mais ele deixa esse movimento tocar-lhe, transitar por seu corpo/mente e flui através de boas palavras e, o mais importante, de boas ações. 

Não há elevação espiritual sem que as reflexões e as descobertas deixem de se transformar em atitudes, em realidade. A espiritualidade, enquanto sopro divino, do Espirito ou Divina Presença edifica virtudes e, em especial, a do cuidado.


Para os yogues, a espiritualidade é a viagem de descoberta do “eu interior”, do eu divino. Num status de elevação,  ela pode ser caracterizada pela fluidez energética que transita pelos chakras, chamada Kundalini, que percorre toda a coluna e ascendendo espiritualmente o ser humano.

Ela pode ser o que os povos da África austral chamam de Ubuntu, que reforça a conexão de cada indivíduo com os demais, “eu sou porque somos”, uma das suas definições. Isso, também é espiritualidade.

Ela também pode ser constituinte da própria divindade, como o Amor Total, ou o Espírito Santo, para os cristãos.

 Paráclito, que é outra denominação para o Espírito Santo, e seus dons: Força, Sabedoria, Amor, Conselho,  Ciência, Inteligência, Temor de Deus pode ser definido como: “aquele que consola ou conforta; aquele que encoraja e reanima; aquele que revive; aquele que intercede em nosso favor como um defensor na corte.” “o que convoca. O que liberta” e “ é ser chamado para o lado de alguém”. – Enfim, a espiritualidade perfeita, atitudinal, ou Amor Total!

Ainda bem que, tal como o ar abundante, ainda temos os elementos indispensáveis para manter a vitalidade através da espiritualidade.  E os temos com certeza.

Lembro que o sistema respiratório, desde o nariz, é capaz de purificar, aquecer e umidificar o ar que chega aos diminutos alvéolos pulmonares – mesmo em ambientes repletos de poluição. Mesmo em altitudes, com ar rarefeito ele permite a troca de gases entre o ar e o sangue, garantindo a vida.

Temos também essa capacidade espiritual de tratar os pensamentos e as emoções. Partículas de medo, raiva, ódio, inveja, vingança, pessimismo e vaidade podem ser inaladas ou podem estar em excesso em nosso corpo. Porém temos como não deixá-las se tornarem os nutrientes pelos quais as células do nosso ser se habituem.

Digo isso, das capacidades do ser humano em evoluir espiritualmente, porque a cada descoberta sobre as funções de conexões e regiões específicas do sistema nervoso, mais se reconhece que ele é dotado de estruturas para contrabalancear os efeitos nocivos de pensamentos pessimistas e de emoções negativas, como raiva, medo, ódio. Temos como evitar e nos livrarmos da famosa ruminação de pensamentos ruins e daquele senso-crítico autodestrutivo e desagregadores.

Há regiões responsáveis pela empatia, por exemplo. E quando falo em sistema nervoso, eu falo em capacidades e estruturas humanas! Não falo de simples cérebros, isolados, em mesas de laboratório, sendo manipulados pesquisadores ou de simples imagens em computadores. Falo de competências reais e acessíveis, minhas, tuas, de seus familiares, de todos nós.

Os chamados neurônios-espelho, por exemplo, nos permitem perceber e sentir o que os irmãos passam, sendo símbolo de uma existência relacionada à reflexão, à consideração, à ponderação, à atitude, ou seja, uma existência verdadeiramente espiritual.


Podemos preservar e evoluir nossa espiritualidade para que literalmente detectemos excessos, para que compreendemo-nos enquanto humanos passíveis de erros e para agrupar forças e continuarmos nossa caminhada.

E ser perseverante nessa atitude espiritual é vital.

Sobre as emoções positivas, que são competências, posso chamar assim, para que evoluamos enquanto seres humanos e sociedade, elas não conseguem prevalecer quando há excesso de emoções negativas e a prática espiritual é que possibilita suas vitórias nessa disputa por espaço. Costumo dizer que as emoções positivas, o amor, o perdão, a compaixão e a esperança, são como cata-ventos. E a energia que os movimenta é spiritus, a prática espiritual.

Às vezes, prendemo-nos em diversas circunstâncias na vida. E acredito que a espiritualidade seja também para liberdade, tal qual o vento na natureza. Às vezes nos surpreendemos e questionamos como certas pessoas suportam grandes privações.  Não seria, por acaso, esse vento que nelas habita o que as liberta?

Foi a prática da espiritualidade que manteve Nelson Mandela livre, mesmo nos seus 27 anos de prisão física. Tornou-se mais gentil e mais compassivo. Somente essa evolução conseguiu guiá-lo pelo sentimento de perdão, que foi a única alternativa que poderia evitar ainda mais sofrimento após sua libertação e chegada ao poder.

É a espiritualidade elevada que percebemos em viúvas e viúvos que conseguem tocar sua vida a diante mesmo após a perda de um companheiro de 50, 70 anos. É a espiritualidade que permite à maioria dos pacientes enfermos não entrar em desespero. Vejam o quanto são valentes e ousados, o quanto são espiritualizados.

E sendo vento divino, a espiritualidade pode ser forte vendaval, que nos tira da inércia,  ou mesmo uma suave brisa. Sendo divino, pode soprar onde quiser e para todos. Pode espalhar sementes, criar correntezas nas águas, mover nuvens e também confortar. Se as brisas amenizam as temperaturas no litoral, o sopro divino em nós não teria essa capacidade?

Engana-se quem acredita que espiritualidade seja simples sinônimo de paz. De silêncio, porém, tal qual a inspiração profunda, a espiritualidade se ressente. Não de isolamento dos outros, mas do mínimo de espaço que só o silêncio pode proporcionar para uma conversa sem distração, para que se consiga ouvir as palavras mais sinceras.

Orações, rezas, momentos de reflexão e outras formas de meditação são silenciosas. Podem ser também momentos de breve isolamento.

Digo novamente que espiritualidade nem sempre é paz. A serenidade espiritual vem muitas vezes de intensa inquietude, de questionamentos avassaladores. Ela é, por natureza, um diálogo constante.

 É a reflexão sobre si, sobre a vida, sobre as relações com os outros. É a construção de conexões e de encontro com pontos que pedem a simples aceitação. É a busca pacienciosa pelo autoconhecimento emancipador.  

Ao encontro com um eu genuíno, capaz de cuidar e ser cuidado. A tranquilidade costuma, sim, vir com sua evolução.

Espiritualidade é a gratidão constante, o amor livre, o perdão sincero.

É reconhecer o humano, em si e nos outros, e o divino, em tudo. É aceitar e conseguir conectar-se ao todo.

É serenidade e inquietação. É a sabedoria não como resultado, mas como fortaleza em ir a extremos e retornar mais inteiro. Sabedoria em praticá-la frequentemente.

É a existência, Ek-sistere, destacada pelo filósofo Martin Heiddegger, que significa sair para o mundo. É perceber propósito no caminho e no cotidiano. Imperativo existencial para Sócrates e para o Dr. Viktor Frankl, criador da terapia do sentido da vida. É exclusivamente pela prática espiritual que nos aproximaremos do sentido de nossas vidas em cada momento.

Até mesmo no temido vazio existencial, a espiritualidade, enquanto sopro, tem o poder de reaninar, de trazer energia para a vida.


E preciso falar de uma das manifestações mais importantes da evolução espiritual: a alegria. Acredito que ao encontrar a si mesmo e algum sentido transcendente, a alegria passa a visitar o ser humano com mais frequência. Logo mais falarei dos frutos do Espírito Santo, ou de uma espiritualidade divina. Antecipo que a alegria é um deles.

Pergunto: poderia haver uma evolução espiritual sem alegria?

Espiritualidade para mim tem muito de atitudes, realizar a evolução em atos é fundamental, mas não podemos nos esquecer é da alegria. E hoje, carecemos de alegria, de risadas, de leveza.

Por outro lado, espiritualidade é refletir sobre e aceitar a vida, não se assustando em definitivo com a morte. Há quem consiga evoluir espiritualmente justamente ao pensar mais na morte.

 Tendo-a como guia. Pensadores, como Michel Montaigne, afirmavam que filosofar (uma das formas de prática espiritual a meu ver) é aprender a morrer.  Particularmente, não penso tanto na morte, provavelmente por ser ainda muito jovem ou ter limitada percepção das coisas da vida.

Lembro que a espiritualidade está presente em todas as religiões e há grande semelhança em seus dogmas centrais. Reverência a Deus, fé, perdão, compaixão e amor. Todas as maiores religiões, a sua maneira, reforçam a importância de seguir a Regra de Ouro. Fazer ao próximo o que gostaria que fizesse a si próprio.

 Não fazer ao outro o que não gostaria que a ti fizessem. Essa regra é, por instigar a reflexão e a consideração, pura espiritualidade. E olha que interessante, da Regra de Ouro se desenvolveram sociedades e o nosso Direito, nossa forma de organização enquanto concidadãos.

Por outro lado, há muita espiritualidade sem religião, chamada de secular. E ela tem crescido em todo mundo. Há também aquela que não reconhece Deus. Pesquisas mostram que, em muitos países, há intensa prática espiritual a despeito de reduzida religiosidade.

 E os resultados mostram que nem sempre se encontram resultados sociais de elevada espiritualidade quando é alta a religiosidade. Olha só que importante: nem sempre frequentar uma religião ou se dizer religioso significa que espiritualmente se evoluiu ou que socialmente se percebem sinais de engrandecimento e de RE-União.

Lembrando que independente de estar relacionada ou não às religiões, a espiritualidade se efetiva é com as atitudes. Ela tem muito de “mental”, mas é no ato que ela se realiza e eterniza.

Quando envolvemos Deus na espiritualidade, por outro lado, aproximamos mais facilmente o humano ao entendimento do amor. Fica mais compreensível para nós porque somos seres com capacidade de reverência e, sobretudo, de amor. Nesse caso, por exemplo, amar ao próximo como a si mesmo é mensagem que bate e fica, que se encaixa em nossos corações.

Elevada ao nível coletivo, ela desenvolve a ética e a moral. Ela leva à justiça, à justa medida, à equidade. Não é objeto dessa fala, mas há argumentos coerentes de que foi a evolução espiritual que ajudou o homem a organizar-se em sociedade. E falo de ética sendo a do cuidado, não adaptações feitas sob medida, ricas de falsos-moralismos e de hipocrisia. A espiritualidade permite o crescimento ético e moral sustentado e baseado no amor e respeito ao próximo.

Acredito que palavras não conseguirão explicar definitivamente o que seja espiritualidade e apontar todos os seus desdobramentos. Poderia falar de espiritualidade e saúde, e amor, e natureza, e economia, e sexualidade, e política, por que não? Afinal, ela é parte da nossa natureza individual e coletiva.

Tentativas de definições continuarão a surgir.

Fiz esse esboço para chamar todos a uma reflexão sobre o que é para si e o que poderia ser para si a espiritualidade.

Escolho, por último, o que Leonardo Boff diz: “a espiritualidade é fonte de inspiração do novo, de geração de sentido pleno e de potencialização das capacidades do ser humano.” Em outro texto, Boff diz que “Se espírito é relação e vida, seu oposto não é matéria e corpo mas a morte como ausência de relação. Nesta acepção, espiritualidade é toda atitude e atividade que favorece a expansão da vida, a relação consciente, a comunhão aberta, a subjetividade profunda e a transcendência como modo de ser, sempre disposto a novas experiências e a novos conhecimentos.” (Leonardo Boff, 2012)

Ela é a conexão com Deus, com Deus em nós, nos outros e na natureza. Espiritualidade é o poder (a capacidade) e o praticar (uma ação consciente) do amor ao próximo e a si mesmo, com gratidão e alegria.

No Salmo 1:3, diz-se que a espiritualidade “há de tornar-se qual árvore plantada junto a correntes de água, que dá seu fruto na sua estação e cuja folhagem não murcha, e tudo o que [ela] fizer será bem sucedido.”

Na Epístola aos Gálatas 5 (22:23), São Paulo traz quais seriam os frutos do Espírito Santo, ou seja, da espiritualidade divina: caridade, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade, brandura, temperança e alegria.

São frutos dos quais todos necessitamos.

A prática espiritual exige silêncio, constância e abertura mental e cordial. Exige um espaço vital.

 Um grande abraço, Minozzo

https://www.leandrominozzo.com.br/uma-definicao-de-espiritualidade/

Postado por Dharmadhannya


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