Dar e Receber
Uma estrada de
DUAS MAOS
Colocar valor
em seu trabalho ou aceitar
um elogio
pelo seu desempenho. Fácil? Nem tanto. Pequenas demonstrações de afeto, de
generosidade e de reconhecimento passam pelo exercício de dois verbos: dar e
receber. Para começar; receba este
texto.
Ele é
dedicado a você.
Dar e receber
é uma vida de mão dupla. A afirmação parece óbvia, mas a verdade é que nos
esquecemos dela a todo instante. E isso acontece nas pequenas coisas.
Sabe aquele
amigo que sempre tem um ombro para as pessoas? Há quanto tempo você não liga
para ele? E qual foi a última vez que disse a alguém especial o quanto gosta
dele? São pequenas gentilezas que andam em baixa atualmente.
Receber
também entra para o quesito das dificuldades diárias: é complicado estabelecer
um preço pelo seu trabalho - para os que são autônomos - ou aceitar um elogio e
um agradecimento. Afinal, por que nós, brasileiros, que nos consideramos
hospitaleiros e afetuosos, temos dificuldade, aqui ou ali, com as relações de
troca?
Conseguir
exercitar o dar e o receber é a essência da convivência. “A reciprocidade nas
relações, em que eu faço e você retribui de alguma maneira, foi um elemento que
estruturou a sociedade, portanto é algo fundamental para o homem”, diz a
antropóloga Livia Barbosa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Nas sociedades antigas, existiam até rituais para enfatizar a importância de saber dar. Alguns deles sobreviveram em lugares como as ilhas Trobiand, na Nova Guiné. Ali, todo ano, um grupo de nativos saem de barco, sem levar mantimentos e roupas, para passar alguns dias na casa de conhecidos que moram em ilhas mais distantes.
Eles chegam sem avisar e quem os recebe deve oferecer não só comida,
cama e roupas, mas também carinho e afeto. Ao ir embora, os hóspedes ainda
ganham objetos de grande valor sentimental, como braceletes e colares que
pertenceram a pessoas queridas da comunidade. No ano seguinte, quem deu recebe.
“Aprender é
descobrir aquilo que você já sabe.
Fazer é demonstrar
que você sabe. Ensinar é lembrar aos outros que eles sabem tanto quanto
você.
Vocês são
todos aprendizes, fazedores, professores” Richard Bach, escritor americano
SERÁ QUE EU MEREÇO ISSO?
Receber vem
do latim recipere, que originalmente tinha o sentido de “tomar algo que por
direito pertence a outro". “Se eu dei, tenho que receber", diz o filósofo
Jean Bartoli.
Não há mal nisso. As relações são feitas de
troca. “Você ama e quer ser amado, dá e quer receber. E simples”, diz o psicólogo
social Bernardo Jablonski. Mas, se por vezes é difícil dar, receber também pode
ser uma arte que nem todos dominam.
A dificuldade
em ouvir algo bom a seu respeito ou ganhar uma coisa valiosa pode esconder a
baixa autoestima porque a pessoa não acredita ser merecedora disso.
Mas, atenção, a dificuldade em ser elogiado
pode esconder, por vezes, um certo grau de arrogância-funciona assim para o
elogiado: quem elogia não está a sua altura. Desse jogo ainda não se pode
descartar o medo de ter, afinal, que retribuir.
Mas não há
como negar: o exercício do receber é necessário. Olhar para dentro de si pode
ser uma das maneiras de enxergar qualidades perceptíveis aos outros.
E algo para ser feito diariamente, que começa
com alguns questionamentos. Não custa se perguntar o motivo de enrubescer e
ficar sem palavras quando ouve um elogio. Se alguém disse que você está bonito
ou que a sua companhia é agradável, por que acreditar?
Não custa lembrar também que, quanto mais você
aceita receber, mais terá a dar. “E assim que se formam os ciclos do bem, que
fazem a todos mais felizes”, diz a monja Coen, da Comunidade Zen Budista, de
São Paulo.
UMA QUESTÃO DE BIOLOGIA
Dar e receber
algo em troca é também uma questão fisiológica. Um recente estudo do brasileiro
Jorge Moll, pesquisador do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados
Unidos, ratifica isso. Seu trabalho demonstrou que o ato de fazer o bem ativa
uma região do cérebro conhecida como sistema de recompensa.
Isso significa que, para o organismo, doar
horas de nosso tempo para uma instituição, por exemplo, provoca o mesmo efeito
que receber um elogio sincero ou um carinho da pessoa amada.
E, diante disso, esperamos sempre que o outro
retribua. “Além do mais, a área cerebral envolvida na formação dos laços
afetivos também participa desse processo.
Criam os
vínculos com quem ajudamos”, diz Moll. O pesquisador conta ainda que o
movimento de dar e receber é a base de um sentimento bem humano: o amor. E a
sensação de felicidade vinda disso é uma natural consequência, que, aliás,
garante a nossa sobrevivência.
Como dar o
presente certo
•
Tente escolher algo que o seu presenteado
gostaria de ganhar e não algo que tenha a ver com seus gostos. Ele não se
interessa por culinária? Não dê um acessório para a cozinha, por mais bacana
que seja.
•
Vale observar o momento de vida do outro. Se há
uma viagem sendo programada, presenteie com algo que possa ser útil. Ele vai
fazer uma trilha? A sugestão é uma bermuda de tecido de secagem rápida.
•
Se você não conhece bem o presenteado, pergunte
para amigos em comum do que ela gosta. Vale saber que flores ou um vinho sempre
agradam.
•
Procure avaliar o jeito de ser do outro. E alguém
extrovertido ou reservado? Gosta de sair à noite ou adora praia? O presente
certo tem muito a ver com o estilo de vida.
•
E, finalmente, embale com carinho e escreva um
cartão com palavras delicadas. Gentileza e demonstrações de afeto são o melhor
de tudo.
50 MANEIRAS
DE SE DOAR UM POUQUINHO POR DIA
Alegre-se
pelo sucesso dos outros.
Sorria para
um estranho na rua.
Grave um CD e
presenteie um amigo.
Dê uma flor.
Brinque com seus filhos.
Olhe nos olhos
de quem atende você
Não brigue se
seu companheiro for dormir mais tarde
Agradeça o
presente. Segure a porta para alguém.
Ajude alguém
a carregar as compras.
Dê
boas-vindas a um novo colega de trabalho.
Divida boas
notícias. De um beijo.
Empreste um
livro. Dê uma boa risada. Ouça a história da sua avó. Elogie o outro. Ligue
para um amigo que você não vê há tempos
Não buzine. Agradeça a empacotadora do
supermercado.
Perdoe-se. Leia uma história para alguém. Plante uma árvore. Seja um ombro amigo para quem precisa. Segure a porta do elevador para os idosos
Ofereça
carona. Aceite um elogio.
Diga às
pessoas queridas o quanto você as ama. Aplauda um grande espetáculo.
Recicle o
lixo doméstico. Diga bom-dia as pessoas ao redor.
Cuide de um
bichinho abandonado. Ajude quem está
perdido a encontrar o caminho.
Dê um presente
feito por você mesmo. Abra a sua casa para amigos e parentes. Faça uma canja
para alguém que está doente. Dê passagem no trânsito. Brigou? Depois faça as
pazes. Admita quando o outro tem razão.
Mande um
e-mail para alguém especial.
Cumprimente
quem executou algo bem feito. Doe seus livros e roupas antigas. Não julgue quem pede dinheiro na rua.
Abrace um
amigo. Prepare uma festa-surpresa para um amigo.
“Se queres
receber, deves primeiro dar: eis o inicio da inteligência. Pensamento taoísta.
Qual o melhor
presente de aniversário que você já ganhou? Fizemos essa pergunta a alguns
leitores...
“Aos 15 anos,
ganhei do meu pai, metido a comunista, O Capital, livro de Karl Marx. Não
consegui esconder a decepção, pois o que queria era uma viagem pra Disney.
Porém dentro do livro estavam as passagens da excursão e uma carta linda,
falando sobre valores e prêmios. Inesquecível!”
“Com certeza
uma agenda que, em cada dia, tinha uma foto diferente minha e dos meus amigos.”
“Uma amiga
não sabia o que dar e resolveu me dar o mundo. Qual não foi minha surpresa ao
abrir uma singela caixinha de pedra-sabão e encontrar uma pena, representando o
céu, uma concha, o mar, uma semente, a terra, e um pingente em forma de coração
representando seu amor.”
“Foi de uma
funcionária da prefeitura de Ituberá (BA), uma senhora querida que recebia seus
proventos no Banco do Brasil, e eu na ocasião era caixa. No dia 20 de maio de
1986, ela chegou com uma sacola de chuchus, chorando e dizendo que gostaria de
me dar algo maior e melhor.”
A MEDIDA DAS COISAS
Se existe um
dado que caracteriza a sociedade desde a Revolução Industrial, é a mania de
mensurar tudo. Inclui-se aí a tendência que temos de querer colocar na balança
até o afeto.
O quanto o
outro me dá e em qual medida eu retribuo. Essa é a questão. Lembre-se das
frases 'Você não está me dando atenção suficiente’ e ‘Será que você me dá o
tanto de amor que recebe?’.
Bom, a primeira coisa a saber é que estamos
numa tremenda armadilha. Não existe um medidor de sentimento, prazer, amor que
sirva como referência do que eu recebo e dou em troca.
E um erro
comum oferecer gestos de generosidade calculando qual será a contrapartida. “A
espontaneidade revela o amor e o cuidado que você tem pelo outro.
“Não dá para
forçar e enquadrar a emoção ”, diz o psicólogo Bernardo Jablonski. Se a
relação é desequilibrada, pelo menos diante de seu olhar vale a pena se
perguntar por que não está havendo reciprocidade - sim, porque é inegável que
todos queremos receber amor.
Mas não é
necessário medir cada ato ou colocar o outro contra a parede para saber quem
está sendo mais ou menos amoroso. “O caminho para o equilíbrio entre dar e
receber está dentro de você, e é só olhando para si, com respeito e paciência,
que surgirão as respostas", ensina a monja Coen.
Só é possível dar o que se tem - o amor não brota por si só. Ele precisa de um solo fértil, o que nem sempre acontece: alguns recebem muito cuidado e calor na infância, quando se formam a personalidade e os sentimentos, e outros, nem tanto. Ou seja, antes de impor medidas, perceba que só é possível entregar o que se tem.
“Alguns de nós têm dificuldade de amar, o que compromete a capacidade de se doar”, explica a psicoterapeuta Teresa Creusa de Góes Monteiro, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Sobre isso, a monja Coen complementa: “Se precisamos ser lembrados de fazer alguma coisa é porque esse não é um comportamento tão espontâneo".
E claro que
tudo pode ser transformado e cultivado. E é possível, sim, mudar o panorama do
desamor porque ninguém está condenado a se sentir devedor para o resto da
vida. A psicanálise é uma das técnicas criadas para possibilitar uma revisão
do passado e, com base nela, criar as bases para uma nova vida. “A terapia
certamente é um dos caminhos para aprender a dar e, assim, ter uma existência
mais satisfatória”, diz a psicoterapeuta Teresa Monteiro.
Texto: Carla
Aranha.
Postado por Dharmadhannya
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