É possível
um pensamento ser tão fortemente
vitalizado a ponto de se tornar visível e até palpável?
Budistas tibetanos/ místicos e mágicos
acreditam que sim.
Tanto que muitos deles se dedicam à arte mágica de criar tulpas - formas-pensamento extremamente poderosas, produzidas por um ato deliberado da vontade.
Tanto que muitos deles se dedicam à arte mágica de criar tulpas - formas-pensamento extremamente poderosas, produzidas por um ato deliberado da vontade.
Certa
vez, a ocultista Dion Fortune viveu uma experiência inusitada. Há algum tempo,
ela andava alimentando ressentimentos contra alguém que a havia magoado.
Deitada na cama, estava pensando no terrível monstro-lobo da mitologia
escandinava, Fenrir, quando subitamente viu um grande lobo cinza
materializar-se à sua frente e sentiu seu corpo pressionar o dela.
Por
tudo o que lera a respeito do assunto, ela sabia que precisava dominar a fera
imediatamente. Então, enfiou o cotovelo entre as peludas costelas da criatura,
jogando-a para fora da cama. O animal desapareceu através da parede.
A
história não estava, contudo, terminada. Logo depois, outro membro da família
disse ter visto os olhos de um lobo no canto de seu quarto. Dion percebeu que
devia destruir a criatura.
Invocando-a, viu um fino fio costurar-se diante dela
e começou a imaginar que estava tirando a vida da besta puxando aquele fio. O
lobo transformou-se gradualmente numa massa cinzenta sem forma até deixar de
existir.
Este
relato, encontrado no livro Psychic SelfDefence (“Autodefesa
Psíquica”), de autoria da própria Dion Fortune, não é único na literatura
mística do Ocidente.
Em meados da década de 20, Alexandra David-Neel, uma
francesa que 30 anos antes alcançara a fama como cantora de ópera, tinha histórias semelhantes
para contar. Já consagrada como soprano, Alexandra viajou para muitos lugares
estranhos, onde vivenciou experiências mais bizarras ainda.
Entre elas, o encontro
com um mágico que lançava encantamentos atingindo seus inimigos com bolos de
arroz voadores e o aprendizado das técnicas do tumo - uma arte oculta
que capacita seus adeptos a sentarem-se nus sobre as neves do Himalaia.
A mais
extraordinária de todas, contudo, foi a que envolveu a criação, através de
exercícios mentais e psíquicos, de uma tulpa - forma espectral nascida
unicamente da imaginação e tão fortemente vitalizada pela vontade que chega a
se tomar visível para outras pessoas. Em poucas palavras, a tulpa é um exemplo
extremamente poderoso do que os ocultistas denominam forma-pensamento.
Para
entender a natureza da tulpa, é preciso considerar o pensamento - como fazem
os budistas tibetanos e a maioria dos ocultistas ocidentais - mais do que uma
função intelectual.
Todo pensamento, acreditam eles, afeta a “mente material”
que permeia o mundo
físico, da mesma forma que uma pedra atirada num lago produz ondulações na
superfície da água.
Normalmente,
as ondulações geradas pelo pensamento têm vida curta, desaparecendo com a mesma
rapidez com que foram criadas e deixando impressão efêmera.
Se, entretanto, o
pensamento é muito intenso, produto de uma paixão ou de um temor profundo, ou
de longa duração, objeto de preocupação constante ou meditação, sua ondulação
constrói uma forma-pensamento mais vivida e duradoura.
As
tulpas e outras formas-pensamento não são consideradas '‘reais" pelos
budistas tibetanos. Mas, de acordo com eles, tampouco o mundo da matéria que
nos rodeia e nos parece bastante sólido é “real".
Ambos são ilusórios.
Um budista clássico do século 5 disse: “Todos os fenômenos originam-se na mente
e não têm realmente uma forma externa; portanto, como não existem formas
externas, é um erro pensar que existe qualquer coisa externamente. Todos os
fenômenos provêm simplesmente de falsas noções da mente. Se a mente se libera
dessas falsas idéias, todos os fenômenos desaparecem.”
Se
as crenças a respeito das formas-pensamento sustentadas pelos monges budistas,
místicos e mágicos são verdadeiras, muitos acontecimentos fantasmagóricos,
aparições e lugares envoltos em forte “atmosfera psíquica” podem ser
facilmente explicados.
Parece plausível, por exemplo, que as formas-pensamento
criadas pelos violentos e passionais processos mentais de um assassino, suplementados
pelas emoções de terror de sua vítima, possam permanecer na cena do crime por
meses, anos ou mesmo séculos.
Essa permanência poderia produzir intensa depressão
e ansiedade naqueles que visitassem o lugar assombrado. E, se as
formas-pensamento forem suficientemente poderosas, aparições, como a
reencenação do crime,-poderão ser testemunhadas por pessoas dotadas de
sensitividade psíquica.
Discípulos
do ocultismo afirmam que, algumas vezes, os “espíritos” que assombram
determinado lugar são, na realidade, formas-pensamento deliberadamente criadas
por algum feiticeiro para servir a seus propósitos.
A
existência de formas-pensamento fortes o bastante para reencenar o passado poderia
também explicar os relatos, disseminados em todo o mundo, de visitantes de velhos
campos de batalhas que assistiram a em combates
militares ocorridos muito tempo atrás.
A
tulpa não é mais que uma forma-pensamento extremamente poderosa, não diferente
em sua natureza essencial de muitas outras aparições. O que a distingue de uma
forma-pensamento qualquer é o fato de adquirir vida não por acidente - como
efeito colateral de um processo mental -, mas por um ato deliberado da vontade.
Embora
a palavra tulpa seja de origem tibetana, há místicos e iniciados em quase todas
as partes do planeta que asseguram ser capazes de construí-la, primeiramente
contraindo e coagulando parte da mente material do universo e depois
transferindo para ela algo de sua própria vitalidade.
Na
região de Bengala, pátria por excelência do ocultismo indiano, essa técnica,
denominada kriya shakti (“poder criativo”), é estudada e praticada
pelos adeptos do tantrismo - um sistema mágico-religioso que incorpora os
aspectos espirituais da sexualidade e reúne tanto hindus quanto budistas entre
seus devotos.
Iniciados dos chamados cultos tântricos de “esquerda”, nos
quais homens e mulheres entregam-se a rituais sexuais com finalidades
místicas e mágicas, seriam especialmente habilitados em kriya shakti. Isto
porque a intensa excitação física e cerebral produzida durante o orgasmo
engendraria formas-pensamento excepcionalmente vigorosas.
Muitas
das técnicas místicas tibetanas originaram-se em Bengala, mais particularmente
no tantrismo bengali. Há uma semelhança muito grande entre os exercícios
físicos, mentais e espirituais praticados pelos iogues tântricos de Bengala
e as disciplinas secretas do budismo do Tibete.
Parece também que os tibetanos extraíram
suas teorias sobre as tulpas, bem como seus métodos de criar essas estranhas
entidades, dos praticantes bengalis do kriya shakti.
-
Os novatos começam seu treinamento na arte mágica de criar tulpas adotando um
dos muitos deuses do panteão tibetano como “deidade tutelar” - uma espécie de
santo padroeiro.
Mas, ao mesmo tempo em que encaram os deuses
respeitosamente, os iniciados tibetanos não lhes devotam grande admiração.
Isso porque, de acordo com a crença budista, apesar de terem fabulosos poderes
sobrenaturais, os deuses não passam de escravos da ilusão, tão presos à roda
do nascimento, morte e renascimento como o mais humilde dos camponeses.
0
discípulo retira-se para uma ermida ou outro lugar recluso e medita sobre sua
deidade tutelar, conhecida como yidam, por muitas horas.
Aqui, ele
combina a contemplação dos atributos espirituais tradicionalmente associados ao
yidam com exercícios de visualização, destinados a construir no olho da mente
uma imagem da deidade como retratada em pinturas e esculturas.
E, para
assegurar que cada instante de sua vigília seja dedicado à concentração no
yidam, continuamente entoa frases místicas relacionadas à deidade.
O
iniciado também constrói o kyil- khors - literalmente, círculos, mas, na
verdade, diagramas simbólicos que podem ter qualquer formato -, considerado sagrado
para seu patrono.
Algumas vezes, desenhará esses diagramas com tintas coloridas
no papel ou na madeira. Outras vezes, gravará as figuras em cobre ou prata. Ou
ainda traçará seu contorno no chão com pós coloridos.
A
preparação dos kyilkhors deve ser feita com o máximo cuidado, pois o mais leve
desvio do padrão tradicional associado a um determinado yidam pode ser
extremamente perigoso, colocando o imprevidente discípulo em risco de
obsessão, loucura, morte ou de estagiar milhares de anos em um dos infernos da
cosmologia tibetana.
É
interessante comparar essa crença com a idéia amplamente disseminada por
ocultistas ocidentais de que, se um mago, ao convocar um espírito para que se
tome visível, desenhar de maneira incorreta seu círculo mágico de proteção,
será feito em pedaços.
Se
o discípulo persiste nos exercícios prescritos, vê seu yidam, primeiro
nebulosamente e em seguida com persistência e completa - e por vezes
terrificante - nitidez.
Mas
esse é apenas o estágio inicial do processo. A meditação, a visualização da
deidade, a repetição das frases e a contemplação dos diagramas místicos deve
ser ininterrupta até que a tulpa, na forma do yidam, realmente se materialize.
Nesse momento, o devoto pode sentir os pés da tulpa ao pôr a cabeça sobre
eles, ver seus olhos seguindo-o enquanto se move ou até conversar com ela.
Por
fim, a tulpa pode ser preparada para deixar as vizinhanças do kyilkhors e acompanhar
o devoto em suas jornadas.
Alexandra
David-Neel conta como “viu” um desses fantasmas, curiosamente, antes mesmo que
ele se fizesse visível para seu criador.
Na ocasião, interessada na arte
budista, ela recebeu a visita de um pintor tibetano, especializado em retratar
deidades enfurecidas.
Quando o artista se aproximou, ela ficou pasma ao
perceber, atrás dele, um daqueles raivosos e desagradáveis seres. Chegando-se
mais perto do fantasma, ela estendeu um dos braços em sua direção e sentiu como
se estivesse tocando um objeto macio, cuja substância cedeu sob seu contato.
O
pintor contou-lhe, então, que havia algumas semanas estava envolvido em ritos
mágicos, invocando o deus cuja forma ela vira. Acrescentou ainda que havia
gasto a manhã toda pintando seu retrato.
Intrigada
com a experiência, Alexandra decidiu criar sua própria tulpa. Para evitar a
influência das inúmeras pinturas e imagens tibetanas que havia conhecido em
suas viagens, decidiu criar não um deus, mas um gordo e bem-humorado monge que
poderia visualizar com clareza.
Retirou-se para uma ermida e por alguns meses
devotou cada minuto desperto a exercícios de concentração e visualização. Logo,
o monge começou a aparecer em breves relances, que ela captava pelo canto dos
olhos.
Em seguida, tomou-se mais sólido e vivido. Finalmente, quando ela deixou
a ermida para iniciar uma jornada, o monge, agora claramente visível,
engajou-se na caravana, praticando ações que ela não comandava nem esperava
conscientemente que ele praticasse.
Por exemplo, ele andava e parava para
olhar ao seu redor como um viajante costuma fazer. Em determinadas ocasiões,
ela chegou a sentir o manto dele roçar em sua pele, e, certa vez, teve a
impressão de que uma mão tocava seu ombro.
A
tulpa de Alexandra David-Neel passou, então, a tomar atitudes inesperadas e
indesejáveis. Assumiu uma expressão maligna e tomou-se “problemático e
impertinente”. Um dia, um pastor que havia dado a ela um pouco de manteiga de
presente viu a tulpa em sua tenda, e pensou que fosse um monge de verdade.
A
criatura estava definitivamente fora do controle de sua criadora, transformando-se
no que ela classificou de “pesadelo diário”. Resolveu, por isso, livrar-se
dela. Foram seis meses de esforço concentrado e meditação.
Se
esta e muitas outras histórias similares contadas no Tibete são verídicas, a
construção de tulpas não é assunto para ser tratado com leviandade. É, pelo
contrário, um fascinante exemplo dos notáveis poderes da mente humana.
Postado por Dharmadhannya
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