segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Quando os Pensamentos Viram Matéria







É possível um pensamento ser tão fortemente
 vitalizado a ponto de se tornar visível e até palpável? 

Budistas tibetanos/ místicos e mágicos acreditam que sim.
Tanto que muitos deles se dedicam à arte mágica de criar tulpas - formas-pensamento extremamente poderosas, produzidas por um ato deliberado da vontade.

Certa vez, a ocultista Dion Fortune viveu uma expe­riência inusitada. Há algum tempo, ela andava alimentando res­sentimentos contra alguém que a ha­via magoado. Deitada na cama, es­tava pensando no terrível monstro-lobo da mitologia escandinava, Fenrir, quando subitamente viu um grande lobo cinza materializar-se à sua frente e sentiu seu corpo pressio­nar o dela.

Por tudo o que lera a respeito do assunto, ela sabia que precisava do­minar a fera imediatamente. Então, enfiou o cotovelo entre as peludas costelas da criatura, jogando-a para fora da cama. O animal desapare­ceu através da parede.

A história não estava, contudo, terminada. Logo depois, outro membro da família disse ter visto os olhos de um lobo no canto de seu quarto. Dion percebeu que devia destruir a criatura. 

Invocando-a, viu um fino fio costurar-se diante dela e começou a imaginar que estava tirando a vida da besta puxando aquele fio. O lobo transformou-se gradualmente numa massa cinzenta sem forma até deixar de existir.

Este relato, encontrado no livro Psychic SelfDefence (“Autodefesa Psíquica”), de au­toria da própria Dion Fortune, não é único na literatura mística do Ocidente.

 Em meados da década de 20, Alexandra David-Neel, uma francesa que 30 anos antes alcançara a fama como cantora de ópera, tinha histó­rias semelhantes para contar. Já con­sagrada como soprano, Alexandra viajou para muitos lugares estra­nhos, onde vivenciou experiências mais bizarras ainda.

 Entre elas, o en­contro com um mágico que lança­va encantamentos atingindo seus inimigos com bolos de arroz voa­dores e o aprendizado das técnicas do tumo - uma arte oculta que ca­pacita seus adeptos a sentarem-se nus sobre as neves do Himalaia. 

A mais extraordinária de todas, con­tudo, foi a que envolveu a criação, através de exercícios mentais e psí­quicos, de uma tulpa - forma espec­tral nascida unicamente da imagi­nação e tão fortemente vitalizada pela vontade que chega a se tomar visível para outras pessoas. Em pou­cas palavras, a tulpa é um exemplo extremamente poderoso do que os ocultistas denominam forma-pensamento.




Para entender a natureza da tul­pa, é preciso considerar o pensamento - como fazem os budistas tibetanos e a maioria dos ocultistas ocidentais - mais do que uma fun­ção intelectual.

 Todo pensamento, acreditam eles, afeta a “mente material” que permeia o mundo físico, da mesma forma que uma pe­dra atirada num lago produz ondulações na superfície da água.

Normalmente, as ondulações geradas pelo pensamento têm vida curta, desaparecendo com a mesma rapidez com que foram cria­das e deixando impressão efêmera.

 Se, en­tretanto, o pensamento é muito intenso, pro­duto de uma paixão ou de um temor profun­do, ou de longa duração, objeto de preocupa­ção constante ou meditação, sua ondulação constrói uma forma-pensamento mais vivi­da e duradoura.

As tulpas e outras formas-pensamento não são consideradas '‘reais" pelos budistas tibetanos. Mas, de acordo com eles, tampouco o mundo da matéria que nos rodeia e nos pare­ce bastante sólido é “real".

 Ambos são ilusó­rios. Um budista clássico do século 5 disse: “Todos os fenômenos originam-se na mente e não têm realmente uma forma externa; por­tanto, como não existem formas externas, é um erro pensar que existe qualquer coisa ex­ternamente. Todos os fenômenos provêm simplesmente de falsas noções da mente. Se a mente se libera dessas falsas idéias, todos os fenômenos desaparecem.”

Se as crenças a respeito das formas-pen­samento sustentadas pelos monges budistas, místicos e mágicos são verdadeiras, muitos acontecimentos fantasmagóricos, aparições e lugares envoltos em forte “atmosfera psí­quica” podem ser facilmente explicados.

 Pa­rece plausível, por exemplo, que as formas-pensamento criadas pelos violentos e passio­nais processos mentais de um assassino, su­plementados pelas emoções de terror de sua vítima, possam permanecer na cena do cri­me por meses, anos ou mesmo séculos.

 Essa permanência poderia produzir intensa depres­são e ansiedade naqueles que visitassem o lu­gar assombrado. E, se as formas-pensamen­to forem suficientemente poderosas, apari­ções, como a reencenação do crime,-poderão ser testemunhadas por pessoas dotadas de sensitividade psíquica.


Discípulos do ocultismo afirmam que, al­gumas vezes, os “espíritos” que assombram determinado lugar são, na realidade, formas-pensamento deliberadamente criadas por al­gum feiticeiro para servir a seus propósitos.

A existência de formas-pensamento for­tes o bastante para reencenar o passado po­deria também explicar os relatos, dissemina­dos em todo o mundo, de visitantes de ve­lhos campos de batalhas que assistiram a em­ combates militares ocorridos muito tempo atrás.

A tulpa não é mais que uma forma-pensa­mento extremamente poderosa, não diferen­te em sua natureza essencial de muitas ou­tras aparições. O que a distingue de uma for­ma-pensamento qualquer é o fato de adquirir vida não por acidente - como efeito colateral de um processo mental -, mas por um ato de­liberado da vontade.

Embora a palavra tulpa seja de origem tibetana, há místicos e iniciados em quase to­das as partes do planeta que asseguram ser capazes de construí-la, primeiramente con­traindo e coagulando parte da mente mate­rial do universo e depois transferindo para ela algo de sua própria vitalidade.

Na região de Bengala, pátria por excelên­cia do ocultismo indiano, essa técnica, deno­minada kriya shakti (“poder criativo”), é es­tudada e praticada pelos adeptos do tantrismo - um sistema mágico-religioso que incor­pora os aspectos espirituais da sexualidade e reúne tanto hindus quanto budistas entre seus devotos.

 Iniciados dos chamados cultos tântricos de “esquerda”, nos quais homens e mulheres entregam-se a rituais sexuais com fi­nalidades místicas e mágicas, seriam espe­cialmente habilitados em kriya shakti. Isto porque a intensa excitação física e cerebral produzida durante o orgasmo engendraria for­mas-pensamento excepcionalmente vigo­rosas.


Muitas das técnicas místicas tibetanas ori­ginaram-se em Bengala, mais particularmen­te no tantrismo bengali. Há uma semelhança muito grande entre os exercícios físicos, men­tais e espirituais praticados pelos iogues tântricos de Bengala e as disciplinas secretas do budismo do Tibete. 

Parece também que os tibetanos extraíram suas teorias sobre as tul­pas, bem como seus métodos de criar essas  estranhas entidades, dos praticantes bengalis do kriya shakti.

- Os novatos começam seu treinamento na arte mágica de criar tulpas adotando um dos muitos deuses do panteão tibetano como “deidade tutelar” - uma espécie de santo pa­droeiro.

 Mas, ao mesmo tempo em que enca­ram os deuses respeitosamente, os iniciados tibetanos não lhes devotam grande admira­ção. Isso porque, de acordo com a crença bu­dista, apesar de terem fabulosos poderes so­brenaturais, os deuses não passam de escra­vos da ilusão, tão presos à roda do nascimen­to, morte e renascimento como o mais hu­milde dos camponeses.

0 discípulo retira-se para uma ermida ou outro lugar recluso e medita sobre sua deidade tutelar, conhecida como yidam, por muitas horas. 

Aqui, ele combina a contemplação dos atributos espirituais tradicionalmente associados ao yidam com exercícios de visualização, destina­dos a construir no olho da mente uma ima­gem da deidade como retratada em pin­turas e esculturas. 

E, para assegurar que cada instante de sua vigília seja dedicado à concentração no yidam, continuamen­te entoa frases místicas relacionadas à deidade.

O iniciado também constrói o kyil- khors - literalmente, círculos, mas, na verdade, diagramas simbólicos que po­dem ter qualquer formato -, considerado sa­grado para seu patrono. 

Algumas vezes, de­senhará esses diagramas com tintas colori­das no papel ou na madeira. Outras vezes, gravará as figuras em cobre ou prata. Ou ain­da traçará seu contorno no chão com pós co­loridos.


A preparação dos kyilkhors deve ser feita com o máximo cuidado, pois o mais leve des­vio do padrão tradicional associado a um de­terminado yidam pode ser extremamente pe­rigoso, colocando o imprevidente discípulo em risco de obsessão, loucura, morte ou de estagiar milhares de anos em um dos infernos da cosmologia tibetana.

É interessante comparar essa crença com a idéia amplamente dis­seminada por ocultistas ocidentais de que, se um mago, ao convocar um espírito para que se tome visível, de­senhar de maneira incorreta seu cír­culo mágico de proteção, será feito em pedaços.

Se o discípulo persiste nos exer­cícios prescritos, vê seu yidam, pri­meiro nebulosamente e em seguida com persistência e completa - e por vezes terrificante - nitidez.

Mas esse é apenas o estágio ini­cial do processo. A meditação, a vi­sualização da deidade, a repetição das frases e a contemplação dos dia­gramas místicos deve ser ininterrupta até que a tulpa, na forma do yidam, realmente se materialize.

 Nesse mo­mento, o devoto pode sentir os pés da tulpa ao pôr a cabeça sobre eles, ver seus olhos seguindo-o enquanto se move ou até conversar com ela.


Por fim, a tulpa pode ser preparada para deixar as vizinhanças do kyilkhors e acom­panhar o devoto em suas jornadas.

Alexandra David-Neel conta como “viu” um desses fantasmas, curiosamente, antes mesmo que ele se fizesse visível para seu cria­dor. 
Na ocasião, interessada na arte budista, ela recebeu a visita de um pintor tibetano, es­pecializado em retratar deidades enfurecidas.
 Quando o artista se aproximou, ela ficou pas­ma ao perceber, atrás dele, um daqueles rai­vosos e desagradáveis seres. Chegando-se mais perto do fantasma, ela estendeu um dos braços em sua direção e sentiu como se estivesse tocando um objeto macio, cuja substância cedeu sob seu contato.

O pintor contou-lhe, então, que havia algumas semanas estava envolvido em ri­tos mágicos, invocando o deus cuja for­ma ela vira. Acrescentou ainda que ha­via gasto a manhã toda pintando seu re­trato.

Intrigada com a experiência, Alexan­dra decidiu criar sua própria tulpa. Para evitar a influência das inúmeras pinturas e imagens tibetanas que havia conhecido em suas viagens, decidiu criar não um deus, mas um gordo e bem-humorado monge que poderia visualizar com clare­za. 

Retirou-se para uma ermida e por al­guns meses devotou cada minuto desperto a exercícios de concentração e visualização. Logo, o monge começou a aparecer em bre­ves relances, que ela captava pelo canto dos olhos. 

Em seguida, tomou-se mais sólido e vivido. Finalmente, quando ela deixou a er­mida para iniciar uma jornada, o monge, ago­ra claramente visível, engajou-se na carava­na, praticando ações que ela não comandava nem esperava conscientemente que ele pra­ticasse. 

Por exemplo, ele andava e parava para olhar ao seu redor como um viajante costu­ma fazer. Em determinadas ocasiões, ela che­gou a sentir o manto dele roçar em sua pele, e, certa vez, teve a impres­são de que uma mão tocava seu om­bro.


A tulpa de Alexandra David-Neel passou, então, a tomar atitudes ines­peradas e indesejáveis. Assumiu uma expressão maligna e tomou-se “pro­blemático e impertinente”. Um dia, um pastor que havia dado a ela um pouco de manteiga de presente viu a tulpa em sua tenda, e pensou que fosse um monge de verdade. 

A criatura estava definitivamente fora do con­trole de sua criadora, transforman­do-se no que ela classificou de “pe­sadelo diário”. Resolveu, por isso, li­vrar-se dela. Foram seis meses de es­forço concentrado e meditação.

Se esta e muitas outras histórias similares contadas no Tibete são ve­rídicas, a construção de tulpas não é assunto para ser tratado com levian­dade. É, pelo contrário, um fascinan­te exemplo dos notáveis poderes da mente humana.
Postado por Dharmadhannya




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