A discreta gordura do fígado e esteatose hepática
Cristina Nabuco
Nem culote nem pneuzinho.
A gordura mais terrível é a que sobrecarrega o órgão. Ela inflama e destrói
células, eleva o risco de câncer, pode ser fatal. Não dá sinais e prejudica até
quem está longe de ser obeso
A mulher vai ao médico para perder uns quilinhos e
reconquistar o espelho. Não apresenta nenhum sintoma nem está muito gorda. Tem
barriguinha saliente e suas roupas apertam, marcando curvas que preferia
ocultar. E só.
Mas ela toma um susto ao receber os resultados dos exames:
colesterol um pouco alto, açúcar no sangue quase ultrapassando o limite normal,
insulina elevada e, pior, fígado gorduroso.
O nome técnico é esteatose
hepática. Significa que há acúmulo excessivo de gordura nas células do fígado.
Esse mal, cada vez mais frequente, foi destaque do Congresso Brasileiro de
Hepatologia, realizado no Rio de Janeiro em outubro.
Em um grupo de 25% a 50%
dos atingidos, o problema evolui para uma inflamação no órgão, o que
gradualmente destrói as células hepáticas, formando cicatrizes que comprometem
seu funcionamento - quadro conhecido como cirrose.
O tecido, que era macio e
esponjoso, vai ficando rígido, o que dificulta a circulação do sangue. Nos
estágios avançados, há retenção de líquidos, perda de massa muscular,
sangramento intestinal, colapso hepático e morte.
"Antes, a principal
causa da cirrose era o consumo exagerado de álcool. Hoje, uma pessoa pode ter
cirrose mesmo sem beber uma gota", explica a endocrinologista Cintia
Cercato, diretora da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da
Síndrome Metabólica (Abeso).
Os especialistas esperam um crescimento disparado na
incidência de fígado gorduroso diante da escalada da obesidade. De 2006 para
2012, o índice de obesos no país subiu de 11,4% para 17,4% e o de pessoas que
ainda não chegaram lá mas já estão com sobrepeso pulou de 43% para 51%, segundo
dados da Vigitel, pesquisa do Ministério da Saúde realizada nas capitais
brasileiras.
Outra preocupação: a doença hepática gordurosa não alcoólica pode
evoluir para câncer, aumenta o risco de diabetes (por prejudicar a ação da
insulina) e anda de braços dados com distúrbios que ameaçam o coração.
A
gordura mais lesiva para o fígado - a visceral - é justamente a que oferece
maior risco de infarto de miocárdio. Ela tem ligação direta com a síndrome
metabólica, transtorno em que se associam perigos para o músculo cardíaco.
Entre eles, resistência à insulina, fração ruim do colesterol (LDL) nas
alturas, fração boa (HDL) baixa, triglicérides alto e hipertensão arterial.
"Por se concentrar no abdome, muito próxima do fígado, a gordura pode ser
drenada facilmente para lá", diz Cintia.
"Também contribuem para o
quadro a predisposição genética e o uso prolongado de corticoides (receitados
para inflamações em várias partes do corpo) e de tamoxifeno (que ajuda a
enfrentar o câncer de mama).
Em um estudo comandado pela equipe do hepatologista
Edison Parise, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mais de 9 mil
pessoas - que, juntas, compõem uma amostra da população em geral - foram
submetidas a exames de ultrassom e quase 20% apresentavam fígado gorduroso.
"Se o grupo fosse de obesos mórbidos, o índice subiria para 90%",
estima o professor. Pessoas com sobrepeso tem três vezes mais probabilidade de
manifestar a doença quando comparadas às de peso normal.
Mas nem os magros
estão imunes se tiverem barriguinha. "É gente que passou dos 30 anos,
ganhou peso progressivamente, vive sob estresse, trabalha muito, tem horários
irregulares para se alimentar e não encontra tempo para fazer exercícios
físicos", descreve a endocrinologista Zuleika Halpern, de São Paulo.
"A situação piora na menopausa, pois, com a falta de estrogênio, o
colesterol tende a subir, assim como aumenta o risco de engordar e adquirir a
odiada barriga de choque. E, ainda que o peso se mantenha, a distribuição de
gordura corporal pode mudar, migrando dos quadris para o abdome."
Como descobrir?
Durante o exame físico, o médico pode notar um aumento
do fígado. O mais comum, porém, é o quadro ser descoberto por exames complementares, como o ultrassom do abdome, se realizados por um profissional
familiarizado com a esteatose hepática.
A confirmação é feita por meio de
biópsia, em que se colhe, usando-se uma agulha, amostra de tecido do fígado
para análise ao microscópio. Como requer anestesia e internação, o método é
substituído por um novo exame de imagem, ainda não disponível na rede pública:
a elastografia hepática, na qual ondas de baixa frequência são associadas ao
ultrassom para estimar danos. Quanto mais rapidamente as ondas se propagam,
mais endurecido está o tecido.
A avaliação de duas enzimas hepáticas, AST
(aspartato aminotransferase) e ALT (alanino aminotransferase), também indica a
presença de inflamação. Pacientes mais vulneráveis, com mais de 45 anos,
costumam ter níveis aumentados desses enzimas, além de diabetes e obesidade.
Mas a doença não perdoa nem os adolescentes. Metade dos 300 pacientes de 15 a
19 anos, com excesso de peso, analisados em 2009 pelo Grupo de Estudos da
Obesidade da Unifesp tinha esteatose.
Em trabalhado divulgado em março deste
ano, pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade Emory, nos Estados
Unidos, calcularam que a incidência da doença na adolescência duplicou em 20
anos.
Forças aliadas
"Para evitar lesões permanentes, é preciso
corrigir os maus hábitos e reduzir o peso", alerta Zuleika Halpern.
Segundo a Associação Americana para o Estudo das Doenças do Fígado, perdas de
10% do peso corporal já podem trazer bons resultados.
Mas o emagrecimento deve
ser gradual, sob pena de sobrecarregar o fígado fragilizado. Vale restringir
gorduras saturadas (carnes gordas, frituras) e não abusar dos carboidratos.
Pesquisas da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, mostrou que açúcar em
excesso no sangue se converte em gordura no fígado.
O álcool também deve ficar
fora da mesa: como é tóxico par as células hepáticas, prejudica ainda mais o
órgão. Outra medida essencial é praticar exercícios físicos.
"Eles
estimulam a queima da gordura abdominal e melhoram a ação da insulina",
diz a endocrinologista. Cientistas da Universidade de Missouri, também nos Estados
Unidos, demonstraram o benefício de atividades aeróbicas regulares, como a
corrida.
A vitamina E é outro bom aliado. Em um artigo publicado em 2010 noNew
England Journal of Medicine, uma equipe da universidade americana Virginia
Commonwealth observou que a inflamação resulta de estresse oxidativo (presença
de lixo nas células) e que suplementação com vitamina E, famoso antioxidante,
melhora o quadro.
Medicamentos contra obesidade, diabetes ou depressão
(para reduzir a compulsão, que leva a pessoa a comer além da conta) podem ser
úteis. Neste ano, gastroenterologistas da Universidade de Buffalo, nos Estados
Unidos, verificaram que as bactérias do intestino exercem um papel no
aparecimento da esteatose.
Portanto, iogurtes com lactobacilos e até antibióticos
talvez auxiliem no tratamento. Já na Universidade de Duke, testes com ratinhos
sugerem que 4 xícaras diárias de café ou de chá rico em cafeína - caso do
chá-preto, mate e chá-verde - previnem e reduzem a gordura no fígado. Falta
comprovar o efeito em humanos.
A cintura denuncia
O fígado é uma usina encarregada de processar
compostos químicos. Fabrica a bílis, que dissolve gorduras, degrada toxinas,
sintetiza proteínas que zelam pela coagulação do sangue e mantém uma reserva de
glicose para necessidades eventuais.
Mas não foi projetado para estocar muita
gordura. Quando o volume excede sua capacidade de transformá-la em energia
(mais de 10% do seu peso), o fígado pode aumentar e adquirir coloração
amarelada.
Em geral, o quadro é assintomático. Se aparecem sintomas, como
fadiga, mal-estar, náusea, dor ou desconforto no lado superior direito do
abdome, é provável que o órgão já esteja seriamente agredido. Assim, o melhor é
buscar diagnóstico precoce.
Vigie o peso e a medida da cintura - em mulheres, o
desejável é até 80 centímetros; em homens, 94. Ultrapassar esses valores pode
ser sinal da doença.
(texto publicado na revista Claudia nº 11 - ano 52 -
novembro de 2013)
Pesquisado por Dharmadhannya
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Como faço para proteger meu fígado, já que uso o Tamoxifeno e terei que usá-lo por 5 anos?
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