segunda-feira, 31 de março de 2014

Os desanimados, os boas-vidas e os entusiastas




 "Os desanimados, os boas-vidas e os entusiastas"
 Gabriel chalita
Enquanto se vive é necessário aprender a viver.
SÊNECA

O pensador existencialista cristão francês Teilhard de Chardin, para fins de estudo psicológico, dividiu os homens em três grandes categorias: os desanimados, os boas-vidas e os entusiastas.

Os desanimados, sem alma, não acreditam em si mesmos nem nos outros. Não amam a vida e mal conseguem aturá-la. São as criaturas em negativo: temerosas, insatisfeitas, refugiadas no passado, para não ter de tomar atitudes e decisões no presente.

 Cultivam o nervosismo, a mágoa. Queixam-se da sociedade em que vivem, porém não procuram se comunicar. Tornam-se tímidos, à força de fugir, e evidentemente não se sentem felizes. Se alguém procura ajudá-los e os escora para que fiquem eretos, nem bem são deixados em pé, sozinhos, abatem-se no chão.


Também são preocupados. O futuro para eles esconde em seu bojo inúmeros incidentes - trágicos, tristonhos alguns, ridículos e deprimentes, outros. Como é inevitável para esse tipo de temperamento, são ressentidos.

 Desse grupo saem os perdedores, os invejosos, os melancólicos, os pessimistas, os doentes do corpo e da alma. Acabam obtendo a própria infelicidade e a infelicidade alheia e se veem em lamentável estado de desilusão. Como se na
vida não houvesse a menor possibilidade de encontrar a felicidade.

Entretanto, não nasceram assim. Não foram destinados para a infelicidade. Por isso é possível salvá-los. Para salvá-los, basta fazê-los amar a vida. Mas como? Quem sabe fazendo-os encontrar um sentido para sua existência?

Às vezes um simples ato de compreensão descobre uma ponta do mistério e traz um sentido, uma justificação e uma esperança para a existência dessas pessoas.

Cabe neste contexto a história de um homem revoltado contra o destino de pobreza que ele achava ter-lhe sido reservado.

 Queixava-se de não ter sapatos, levantava-se e se insurgia contra a vida, até que um dia encontrou um homem sem os pés subindo uma ladeira íngreme.

Os problemas, quando comparados a outros, podem ser minimizados. As dificuldades não são prerrogativas de alguns. As provações acontecem com toda a gente em toda parte. Quem consegue olhar o problema do outro, estar atento para as amarguras que há na vida alheia, começa a refletir com mais serenidade sobre as vicissitudes da própria vida.

Os desanimados são resistentes às mudanças. Acham tudo difícil. Às vezes até se interessam por uma ou outra coisa - admiram alguém que fale bem, por exemplo -, mas não acreditam que possam vir a ter esse dom nem encontram forças para lutar por isso.

 Geralmente vivem do passado, apesar de, no passado, terem vivido também do passado mais remoto. Essas pessoas se iludem lembrando do tempo em que foram felizes. Não há o que lembrar, não foram felizes nunca.

Ficaram sempre reclamando da vida e da sorte sem a coragem necessária para seguir adiante.

A segunda categoria, a dos boas-vidas, se constitui de criaturas até muito simpáticas, pelo menos enquanto não precisamos delas. Querem viver o presente, sem preocupações a respeito do dia de amanhã e sem apego ao passado.

De certo modo, não estão erradas, porém sua maneira de viver o dia de hoje é exterior e materialista. Nada que diga respeito ao cultivo do espírito lhes interessa: artes, música, literatura, canto, meditação, preces, problemas da sociedade, solidariedade.

 Esse grupo se entrega aos prazeres sensuais e se atordoa como num transe. Envolve-se em turbilhões de satisfação material, mas, quando a vertigem acaba, resta o vazio.

O egoísta paga caro o extremado amor por si mesmo. Os prazeres têm de ser aumentados em intensidade para provocar o mesmo grau de satisfação, como as doses de veneno que intoxicam e inebriam.

 Quando não se consegue o prazer almejado, decorrem a depressão e a desilusão.

Pode-se até fugir para o mundo das drogas, do álcool, do amor comprado, da satisfação de apetites carnais.

Os boas-vidas tentam demonstrar uma alegria que não possuem; promovem festas ruidosas para espantar o silêncio e a solidão - temem estar sós porque temem a reflexão, temem a si mesmos.

São geralmente atrapalhados com a quantidade de compromissos sociais que agendam.

Suas grandes preocupações giram em torno do mundo falso das novelas, da moda, dos convites para festas que receberam ou deixaram de receber, do status financeiro das pessoas.

 Em seu discurso superficial generalizam tudo e suas preocupações são sempre materiais e efêmeras.

Os entusiastas são os que Teilhard de Chardin chama de ardentes, porque queimam como uma chama. Antes de discorrer a respeito dessas criaturas de exceção, consideremos a palavra "entusiasmo", que tem sua origem na Grécia e significa "estado de ser inspirado por Deus".

 Os que têm entusiasmo têm coragem e carregam Deus dentro de si e o mundo nas costas.

Estamos falando de gente como Castro Alves, Madre Teresa de Calcutá, da baiana Ana Nery, de Vicente de Carvalho, o poeta do mar, e do grande Francisco de Assis, o noivo da Dona Pobreza.

 Estamos falando de Joana d'Arc e de Gandhi, de dom Hélder Câmara e de Irmã Dulce. Estamos falando de um Betinho, que não esmoreceu. Pessoas que acreditaram que podiam fazer história e fizeram.

 E também lembramos uma legião de anônimos que em sua humildade, em sua pequena província, serviram de modelo para as pessoas com as quais conviveram.

 Não chegaram à glória dos holofotes nem se esforçaram para isso, mas viveram uma vida de entusiasmo e de felicidade enorme.

Os entusiastas quebram os paradigmas, estão prontos para qualquer batalha. Não têm medo de se lançar; não cruzam os braços nem desistem diante dos obstáculos.

Não reclamam da sorte nem se deixam levar por prazeres efêmeros e vazios que nada trazem de proveitoso. Têm uma dimensão maior da vida, têm estofo, têm sonhos!
Têm inspiração!
Quantas pessoas perdem oportunidades porque não descobriram a chama que há no próprio interior; chama capaz de iluminar, de incendiar. Quantas pessoas preferem viver da vida de outras, fazendo fofocas.

 Na sabedoria milenar do ensinamento de Sócrates, a tentativa de fazer com que as preocupações não se concentrem na vida alheia, mas no que é essencial, originou a bela história dos crivos.

Diz-se que um discípulo de Sócrates quis contar-lhe uns mexericos que circulavam pela cidade.
-Posso contar-lhe, mestre, as novidades?
-Podes, se já passaste a notícia pelos três crivos.

-Não sei disso, mestre. Que três crivos são esses?
- O primeiro crivo é o da VERDADE. Sabes de fonte limpa se se trata de verdade apurada, confirmada, sacramentada?

-Ora, mestre! Também nem tanto. Toda a gente fala por aí, e onde há fumaça, há fogo. Em três crivos, o senhor falou?

- O segundo crivo é o da BONDADE.
- E quer dizer o quê?
- Quer dizer que é preciso verificar se o que se vai espalhar não é vexatório, humilhante, ridículo, mesquinho.

Se o conhecimento público de tal coisa não vai prejudicar alguém. Se ninguém perderá o bom conceito em que é tido, caso se venha a espalhar a notícia que estás tão ansioso por esparramar.

-Mas, mestre, dessa maneira ninguém vai poder contar nada. Nem dará para conversar, porque o pratinho mais suculento da prosa certamente é a vida alheia.

- O terceiro crivo- continuou o filósofo, imperturbável -é o da NECESSIDADE. Tens alguma necessidade de contar isso que trazes embaixo da língua e estás tão ansioso por divulgar?

-Ora, mestre, por favor! Necessidade nenhuma. Essas coisas nem me dizem respeito.

-E também não são concernentes ao bem público?
Como o discípulo se calasse, confundido, o mestre concluiu por sua conta.

-Então deixa estar. Vamos às nossas digressões costumeiras.
Mestre e discípulo continuaram então o passeio, conversando sobre filosofia.

Esse é um ensinamento que leva a pensar sobre o essencial. E o essencial está dentro de nós, na capacidade de olhar com interesse construtivo o que nos rodeia.

 O interesse inconsequente pela vida alheia, por outro lado, é um dos maiores males do nosso tempo, alimentado por alguns setores da imprensa sensacionalista.

São os desanimados e os boas-vidas que fazem a si e aos outros grandes malefícios e nada constroem para que o mundo seja melhor. É possível que não o façam por maldade, mas sim por ignorância e, em muitos casos, por ter-lhes faltado educação.

Viver com intensidade. Viver cada momento. Amar. Amar ao outro, amar a si mesmo. Demonstrar esse amor com gestos de afeto, de entrega, de partilha. A vida perde o sentido se não é entusiasmada, animada por uma paixão.

Trigueirinho diz que “Mesmo que a humanidade prossiga, até o fechamento desse ciclo, dependente de recursos externos, as sementes que no futuro deverão germinar podem ser lançadas, e as bases para uma nova construção iniciadas.

Sem gratidão, o homem sequer enxerga as dádivas que a vida lhe traz; não compreende a mensagem que os raios do sol buscam transmitir-lhe quando douram o horizonte, tampouco entende o canto dos pássaros, chamando-o a compartilhar da alegria que o universo concede a todos os seres.

 Sente o perfume de uma flor, mas não penetra na essência do aroma oriundo dos jardins dos mundos internos.
Sem gratidão, mesmo que ele viva internamente em um reino superior, vê apenas elementos materiais à sua volta. Estando imerso na plenitude da existência, limita-se à sua temporalidade.

 Porém, como mostrar as cores àquele que não as pode ver? O milagre da vida interior é estar presente mesmo enquanto o mundo externo afoga-se em turbilhões de conflitos.

Ela prevalece e reafirma-se como infinita e inextinguível e, sem a sua chispa a acalentar a matéria, nada existiria. Ainda que imperceptível, flameja no âmago de todas as coisas.

A ação desarmônica dos homens não faz desaparecer essa vida interior; nuvens escuras não podem ocultá-la, nem a continua rejeição de sua presença pode fazê-la desistir de doar-se, pois é a única verdade, o único porquê, o único sentido.

 É poder, quando os homens fraquejam; é suavidade, quando lhes falta doçura; é sabedoria, quando ignoram como conduzir-se; é amor, quando tendem a ceder à ira; é luz, quando se encontram nas trevas”.



A grande possibilidade de se deixar de ser “boa-vida” ou “desanimado” é ter consciência dos próprios defeitos.

Quem faz tudo errado, mas com boa intenção, não deixa de cometer o erro. É preciso sair do terreno da boa intenção e passar para o da ação. E a ação do entusiasta, do ardente é uma ação viva e amorosa que marcas indeléveis nessa história que cada um de nós constrói.

O mais triste escravo é aquele que não percebe a situação em que se encontra. E se aliena. O preso que está encarcerado sabe que não pode sair, que é essa sua situação permanente até o dia em que seja colocado em liberdade, ou tente uma fuga.

 Ninguém esconde dele que está preso. Entretanto, não é dessa prisão que falo. É do escravo da alienação, daquele que repete o que os outros dizem sem a menor condição de entender o porquê.

Aceita a droga porque não sabe dizer não, porque não pode contrariar o grupo e precisa por ele ser aceito.

Entra na briga, bate, agride, fere, mata sem a convicção do que fez, é escravo do grupo, escravo do medo, escravo da covardia e da necessidade de se mostrar como macho, como valente, necessita da aprovação do grupo.

Escravo de si mesmo, de seus medos, de seus traumas, de sua insegurança, de sua timidez. Teme o outro e por isso precisa se mostrar como temerário.

A escravidão da acomodação. Os números sobre os analfabetos ou sobre os miseráveis, sobre as crianças que passam fome e morrem em consequência dela, que são milhões em todo o mundo, constituem apenas dados estatísticos que não incomodam o escravo.

 Ele está em outro universo. O problema não é com ele, que não tem absolutamente nada com isso. É capaz de ver a violência, a miséria sem se dar conta do que representam.

A escravidão da alienação social e política é provocada muitas vezes pela escola ou pela família que não querem "agredir" a criança com assuntos polêmicos, para não lhe tirar o sono, não lhe dizer que o mundo não é cor-de-rosa.

Não há como construir muros, mas há como construir pontes unindo indivíduos que a história separou. Pessoas que já nascem escravas da própria sorte porque não têm acesso a alimentação, saúde, cuidados básicos para seu desenvolvimento.


Padecem de falta de afeto e de oportunidade, de falta de lazer, o que termina por também fazer faltar o sorriso que deveria estar normalmente estampado no rosto de cada criança: No Natal, olham as vitrines e sonham. Enquanto isso, em casa, tomam água com açúcar para espantar a fome, porque comida não há. Como continuar a sonhar?"
Pesquisado por Dharmadhannya

Este texto é um resumo, uma compilação do texto de Gabriel Chalita e de Trigueirinho.

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