"Os desanimados, os
boas-vidas e os entusiastas"
Gabriel chalita
Enquanto se vive é necessário aprender a
viver.
SÊNECA
O
pensador existencialista cristão francês Teilhard de Chardin, para fins de
estudo psicológico, dividiu os homens em três grandes categorias: os
desanimados, os boas-vidas e os entusiastas.
Os
desanimados, sem alma, não acreditam em si mesmos nem nos outros. Não amam a
vida e mal conseguem aturá-la. São as
criaturas em negativo: temerosas, insatisfeitas, refugiadas
no passado, para não ter de tomar atitudes
e decisões no presente.
Cultivam o nervosismo, a mágoa. Queixam-se da sociedade
em que vivem, porém não procuram se
comunicar. Tornam-se tímidos, à força
de fugir, e evidentemente não se sentem felizes. Se
alguém procura ajudá-los e os escora
para que fiquem eretos, nem bem são deixados
em pé, sozinhos, abatem-se no
chão.
Também
são preocupados. O futuro para eles esconde
em seu bojo inúmeros incidentes - trágicos, tristonhos alguns,
ridículos e deprimentes, outros. Como é inevitável
para esse tipo de temperamento, são ressentidos.
Desse grupo saem
os perdedores, os
invejosos, os melancólicos, os pessimistas, os doentes
do corpo e da alma. Acabam obtendo
a própria infelicidade e a infelicidade alheia
e se veem em lamentável estado de
desilusão. Como se na
vida
não houvesse a menor possibilidade de encontrar
a felicidade.
Entretanto,
não nasceram assim. Não foram destinados para a infelicidade. Por
isso é possível salvá-los. Para salvá-los,
basta fazê-los amar a vida.
Mas como? Quem sabe fazendo-os encontrar um
sentido para sua existência?
Às
vezes um simples ato de compreensão
descobre uma ponta do mistério e traz um sentido, uma
justificação e uma esperança para a
existência dessas pessoas.
Cabe
neste contexto a história de um homem revoltado contra
o destino de pobreza que ele achava ter-lhe
sido reservado.
Queixava-se de não ter sapatos,
levantava-se e se insurgia contra a vida, até
que um dia encontrou um homem sem os
pés subindo uma ladeira íngreme.
Os
problemas, quando comparados a outros,
podem
ser minimizados. As dificuldades não são
prerrogativas de alguns. As provações acontecem
com toda a gente em toda parte. Quem
consegue olhar o problema do outro,
estar atento para as
amarguras que há na vida alheia, começa
a refletir com mais serenidade
sobre as vicissitudes da própria vida.
Os
desanimados são resistentes às
mudanças. Acham tudo difícil. Às vezes até se interessam
por uma ou outra coisa - admiram
alguém que fale bem,
por exemplo -, mas não acreditam que possam
vir a ter esse dom nem encontram forças para lutar por
isso.
Geralmente vivem do
passado, apesar de,
no passado, terem vivido também do passado mais
remoto. Essas pessoas se iludem lembrando do tempo em
que foram felizes. Não há
o que lembrar, não foram felizes nunca.
Ficaram
sempre reclamando da vida e da sorte sem
a coragem necessária para seguir adiante.
A
segunda categoria, a dos boas-vidas, se constitui
de criaturas até muito simpáticas, pelo menos enquanto não precisamos
delas. Querem viver o presente, sem
preocupações a respeito do dia de amanhã
e sem apego ao passado.
De
certo modo, não estão erradas, porém sua
maneira de viver o dia de hoje é exterior e
materialista. Nada que diga respeito ao cultivo do espírito
lhes interessa: artes, música, literatura,
canto, meditação, preces, problemas da sociedade,
solidariedade.
Esse grupo se entrega aos prazeres sensuais e se
atordoa como num transe. Envolve-se em
turbilhões de satisfação material, mas,
quando a vertigem acaba, resta o vazio.
O egoísta
paga caro o extremado amor por si mesmo. Os prazeres
têm de ser aumentados em intensidade
para provocar o mesmo grau de satisfação, como as doses de veneno
que intoxicam e inebriam.
Quando não se consegue o
prazer almejado, decorrem a depressão
e a desilusão.
Pode-se
até fugir para o mundo das
drogas, do álcool, do amor comprado, da satisfação
de apetites carnais.
Os
boas-vidas tentam demonstrar uma alegria que não possuem;
promovem festas ruidosas
para espantar o silêncio
e a solidão - temem estar sós porque
temem a reflexão, temem a si
mesmos.
São
geralmente atrapalhados com a quantidade de
compromissos sociais que
agendam.
Suas
grandes preocupações giram em
torno do mundo falso das novelas, da
moda, dos convites para
festas que receberam ou
deixaram de receber, do
status financeiro das
pessoas.
Em seu
discurso superficial generalizam
tudo e suas preocupações são sempre materiais e efêmeras.
Os
entusiastas são os
que Teilhard de Chardin
chama de ardentes, porque queimam
como uma chama. Antes de
discorrer a respeito dessas criaturas de exceção,
consideremos a palavra "entusiasmo",
que tem sua origem na
Grécia e significa "estado
de ser inspirado por Deus".
Os que
têm entusiasmo têm
coragem e carregam
Deus dentro de si e o mundo nas
costas.
Estamos
falando de gente como Castro Alves, Madre Teresa
de Calcutá, da
baiana Ana Nery, de Vicente de
Carvalho, o poeta
do mar, e do grande Francisco
de Assis, o noivo da Dona
Pobreza.
Estamos falando de
Joana d'Arc e de Gandhi, de dom
Hélder Câmara e de Irmã Dulce. Estamos
falando de um Betinho, que
não esmoreceu. Pessoas que acreditaram que podiam
fazer história e fizeram.
E também lembramos uma legião de
anônimos que em sua humildade, em
sua pequena província, serviram
de modelo para as pessoas
com as quais conviveram.
Não chegaram à glória dos holofotes
nem se esforçaram
para isso, mas viveram uma vida de
entusiasmo e de felicidade enorme.
Os
entusiastas quebram os paradigmas, estão prontos para
qualquer batalha. Não têm medo de se
lançar; não cruzam
os braços nem desistem diante dos
obstáculos.
Não
reclamam da sorte nem se deixam levar por prazeres
efêmeros e vazios que
nada trazem de
proveitoso. Têm uma
dimensão maior da vida, têm
estofo, têm sonhos!
Têm
inspiração!
Quantas
pessoas perdem oportunidades porque
não descobriram a chama que há no
próprio interior; chama capaz de iluminar,
de incendiar. Quantas pessoas preferem
viver da vida de outras,
fazendo fofocas.
Na sabedoria
milenar do ensinamento de Sócrates, a tentativa
de fazer com que
as preocupações não se
concentrem na vida alheia, mas no
que é essencial,
originou a bela história dos
crivos.
Diz-se que um discípulo de Sócrates quis contar-lhe uns
mexericos que circulavam pela cidade.
-Posso contar-lhe, mestre, as novidades?
-Podes, se já passaste a notícia pelos três crivos.
-Não sei disso, mestre. Que três crivos são esses?
- O primeiro crivo é o da
VERDADE. Sabes de fonte limpa se se trata de verdade apurada, confirmada, sacramentada?
-Ora, mestre! Também nem tanto. Toda a gente fala por aí, e onde há fumaça, há fogo. Em três crivos, o senhor falou?
-
O segundo crivo é o da BONDADE.
- E
quer dizer o quê?
- Quer
dizer que é preciso verificar se o que se vai espalhar não é vexatório, humilhante, ridículo, mesquinho.
Se o conhecimento público de tal coisa não vai prejudicar alguém. Se ninguém perderá o bom
conceito em que é tido, caso se venha a espalhar
a notícia que estás tão ansioso por esparramar.
-Mas, mestre, dessa maneira ninguém vai poder contar nada. Nem
dará para conversar, porque o pratinho mais suculento da prosa
certamente é a vida alheia.
-
O terceiro crivo- continuou o filósofo, imperturbável -é o da NECESSIDADE. Tens alguma necessidade de contar isso que
trazes embaixo da língua e estás tão ansioso por divulgar?
-Ora, mestre, por favor! Necessidade nenhuma. Essas coisas nem me dizem respeito.
-E também não são concernentes ao bem público?
Como o discípulo se calasse, confundido, o mestre
concluiu por sua conta.
-Então deixa estar. Vamos às nossas digressões costumeiras.
Mestre e discípulo continuaram então o passeio, conversando sobre filosofia.
Esse
é um ensinamento que
leva a pensar sobre o essencial. E o essencial está
dentro de nós, na capacidade de olhar com interesse construtivo o que nos
rodeia.
O interesse inconsequente pela vida alheia, por
outro lado, é um dos maiores males do nosso tempo, alimentado
por alguns setores da imprensa
sensacionalista.
São
os desanimados e os boas-vidas que fazem
a si e aos outros grandes malefícios e nada
constroem para que o mundo seja melhor. É possível que não o façam
por maldade, mas sim por ignorância e, em muitos
casos, por ter-lhes faltado educação.
Viver
com intensidade. Viver cada momento. Amar. Amar ao
outro, amar a si mesmo. Demonstrar
esse amor com gestos de afeto, de entrega, de
partilha. A vida perde o sentido se não é
entusiasmada, animada por uma paixão.
Trigueirinho
diz que “Mesmo que a humanidade prossiga, até o fechamento desse ciclo, dependente
de recursos externos, as sementes que no futuro deverão germinar podem ser
lançadas, e as bases para uma nova construção iniciadas.
Sem
gratidão, o homem sequer enxerga as dádivas que a vida lhe traz; não compreende
a mensagem que os raios do sol buscam transmitir-lhe
quando douram o horizonte, tampouco entende o canto
dos pássaros, chamando-o a compartilhar da alegria que o universo concede a
todos os seres.
Sente o perfume de uma flor, mas não penetra
na essência do aroma oriundo dos jardins dos mundos internos.
Sem
gratidão, mesmo que ele viva internamente em um reino superior, vê apenas
elementos materiais à sua volta. Estando imerso na plenitude da existência,
limita-se à sua temporalidade.
Porém, como mostrar as cores àquele que não as
pode ver? O milagre da vida
interior é estar presente mesmo enquanto o mundo externo afoga-se em turbilhões
de conflitos.
Ela
prevalece e reafirma-se como infinita e inextinguível e, sem a sua chispa a
acalentar a matéria, nada existiria. Ainda que imperceptível, flameja no âmago de
todas as coisas.
A
ação desarmônica dos homens não faz desaparecer essa vida interior; nuvens
escuras não podem ocultá-la, nem a continua rejeição de sua presença pode
fazê-la desistir de doar-se, pois é a única verdade, o único porquê, o único
sentido.
É poder, quando os homens
fraquejam; é suavidade, quando lhes falta doçura; é sabedoria, quando ignoram como conduzir-se;
é amor, quando tendem a ceder à ira; é luz, quando se encontram nas trevas”.
A
grande possibilidade de se deixar de ser “boa-vida” ou
“desanimado” é ter consciência
dos próprios defeitos.
Quem
faz tudo errado, mas com boa intenção, não
deixa de cometer o erro. É preciso sair do
terreno da boa intenção e passar para o da ação. E a ação do entusiasta, do
ardente é uma ação viva e amorosa que marcas indeléveis nessa história que cada
um de nós constrói.
O
mais triste escravo é aquele que não percebe a situação
em que se encontra. E se aliena. O preso que está
encarcerado sabe que não pode sair, que é essa sua situação
permanente até o dia em que seja colocado em liberdade, ou
tente uma fuga.
Ninguém esconde dele que está
preso. Entretanto, não é dessa prisão que falo. É do
escravo da alienação, daquele que repete o que os outros dizem sem a menor
condição de entender o porquê.
Aceita
a droga porque não sabe dizer não, porque não
pode contrariar o grupo e precisa por ele ser aceito.
Entra
na briga, bate, agride, fere, mata sem a convicção do que fez, é escravo do
grupo, escravo do medo, escravo da covardia e da necessidade de se mostrar como
macho, como valente, necessita da aprovação do grupo.
Escravo
de si mesmo, de seus medos, de seus traumas, de sua insegurança, de sua
timidez. Teme o outro e por isso precisa se mostrar como temerário.
A escravidão
da acomodação. Os números sobre os analfabetos ou sobre os
miseráveis, sobre as crianças que passam fome
e morrem em consequência dela, que são milhões em todo o mundo, constituem
apenas dados estatísticos que não incomodam o escravo.
Ele está em outro universo. O problema não é
com ele, que não tem absolutamente nada com isso. É capaz
de ver a violência, a miséria sem se dar conta do que representam.
A
escravidão da alienação social e política é provocada muitas vezes pela escola
ou pela família que não querem "agredir" a
criança com assuntos polêmicos, para não lhe tirar o sono, não lhe dizer que o
mundo não é cor-de-rosa.
Não
há como construir muros, mas há como construir pontes unindo indivíduos que a
história separou. Pessoas que já nascem
escravas da própria sorte porque não têm acesso a alimentação, saúde, cuidados
básicos para seu desenvolvimento.
Padecem
de falta de afeto e de oportunidade, de falta de lazer, o que termina por
também fazer faltar o sorriso que deveria estar normalmente estampado no rosto
de cada criança: No Natal, olham as vitrines e sonham. Enquanto isso, em
casa, tomam água com açúcar para espantar a fome, porque comida não há. Como
continuar a sonhar?"
Pesquisado por Dharmadhannya
Este texto é um resumo, uma compilação do texto de Gabriel Chalita e de Trigueirinho.
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