O Poder da Vontade Espiritual
Carlos Cardoso Aveline
“Tanto o desejo como a vontade são
absolutamente criadores, formando o próprio homem e o meio ambiente em que ele
deve viver. Mas a vontade cria inteligentemente, enquanto o desejo cria cega e
inconscientemente. O homem, portanto, constrói a si mesmo à imagem dos seus
desejos — a menos que se construa segundo a imagem do Divino, através da sua
vontade, que é filha da luz.” Helena Blavatsky
A vontade espiritual universal que
mantém em movimento as galáxias e alimenta a evolução de tudo o que existe.
Esta vontade desperta em nós quando estamos livres de desejos pessoais e de
curto prazo. Mas parece haver pouco espaço para ela na vida diária do cidadão
moderno, tumultuada pelo jogo das aparências e por obstáculos que ele cria com
sua própria imaginação.
Usar nossa vontade é como voar. Quando
você voa baixo precisa enfrentar turbulências, é ameaçado por obstáculos e se
arrisca a cair. Quando voa no alto, o ar é menos denso. Não há turbulência.
Você gasta menos energia, tem uma visão mais ampla do mundo e não corre o risco
de bater em obstáculos ou desabar no chão.
Erguendo o nível do nosso vôo, podemos definir
objetivos duráveis e valiosos. Entre as recomendações dadas pelo místico
cristão São João da Cruz para o pássaro solitário — símbolo da vontade da alma
— estão as de que ele voe ao ponto mais alto e não anseie por companhia, mas
mantenha seu bico voltado para os céus.
Como manter o bico da nossa vontade
voltado para o céu? Primeiro, não pode haver força de vontade sem paz interior.
E preciso acalmar os desejos contraditórios — que tendem a anular-se uns aos
outros — para que depois surja a vontade ativa que traz a serenidade e faz os
supostos obstáculos desaparecerem às vezes inesperadamente.
Segundo, não basta ter vontade. Se o
nosso objetivo não for formulado corretamente, ou se for nocivo, é melhor mesmo
não ter vontade forte. Quando voamos baixo, é preferível que tenhamos pouca
força, porque o desastre da queda será menor.
“Escolhe bem teus desejos, porque há o perigo
de eles serem atendidos”, disse um sábio. A natureza nos protege contra nossa
própria ignorância, permitindo o surgimento de uma vontade forte somente quando
ela já é, também, elevada. Deste modo, vontade forte nada tem a ver com
idéia-fixa, teimosia ou obstinação cega — três formas perigosas de voar baixo
mentalmente.
Para voar alto, é preciso estar livre do
passado e levar pouca bagagem pessoal. A multa por excesso de peso das
expectativas e ansiedades é terrível. Quase todas as dificuldades que enfrentamos
em nossa viagem pela vida ocorrem devido a apegos ao passado e ansiedades em
relação ao futuro.
O desenvolvimento da vontade nos beneficia
de vários modos: primeiro, livra-nos das coisas que não interessam; em segundo
lugar, eleva-nos até o nível em que há poucos obstáculos ou turbulências; e,
finalmente permite-nos enfrentar melhor os obstáculos que forem realmente
inevitáveis em nossa vida.
“Nunca é o obstáculo em si que nos
atrapalha, mas o nosso desejo de que ele não estivesse lá”, escrevi, há tempos,
em um caderno de anotações.
A percepção exagerada de obstáculos é
produto da nossa ignorância. O bom estrategista não vê obstáculos, apenas
estuda as condições do terreno. O sábio que conhece as circunstâncias pode
mover-se nelas sem irritar-se ou ficar contrariado. Não há barreiras contra a
ação de quem sabe o que quer e, além disso, formulou corretamente a sua meta.
Guiado por uma vontade impessoal, o sábio
avança, recua ou espera, sem perder a paz por um segundo. Ele olha para o céu e
fica satisfeito com quaisquer condições meteorológicas. Pode fluir, como o
vento; lavar, como a chuva; dominar, como o relâmpago, ou aguardar,
imperturbável como uma rocha.
Na maior parte dos casos em que temos
pressa ou nos sentimos frustrados, estamos exagerando a importância do mundo
externo. No mundo interior não há pressa. Lutar contra o ritmo da vida é
inútil, e cada vez que uma situação nos decepciona temos a oportunidade de
aprender mais uma lição de desapego, aprendendo a enxergar a realidade dos
fatos.
Isto
inclui a habilidade de não deixar espaço algum para a auto-lamentação ou a pena
de si mesmo. O mapa das dificuldades ao nosso redor é também o mapa do caminho
que leva até o território da paz, do êxito e da felicidade. Todos querem chegar
lá, mas nem todos têm a vontade necessária para trilhar o caminho. Normalmente,
a força de vontade está esparramada e dividida entre muitos objetivos pequenos
e sem importância. Renunciar à dispersão permite reunir nossas energias em
torno de um só objetivo fundamental e aumenta radicalmente as nossas chances de
vitória. Especialmente se, além disso, soubermos esperar.
A esta altura, duas perguntas se impõem.
Em primeiro lugar, estamos dispostos a eliminar a dispersão? A resposta em
termos gerais é afirmativa. A própria experiência da vida nos leva a substituir
gradualmente objetivos mais ilusórios por objetivos menos ilusórios. A busca
consciente de uma vida sábia apenas acelera e facilita este processo natural
que nos leva do falso para o verdadeiro.
Em segundo lugar, como garantir que o
objetivo não é ilusório? Para responder esta questão é preciso mais tempo. Este
ponto é fundamental porque, se o objetivo for ilusório, grande parte dos
esforços serão mal aplicados, embora não haja esforço totalmente perdido na vida:
sempre se aproveita alguma coisa da experiência.
Para garantir que a sua meta não é ilusória
você deve chegar cabalmente à conclusão de que aquilo que pretende fazer é bom,
ao mesmo tempo, para você e para os outros; não a curto, mas a longo prazo. A sua
meta deve ser capaz de despertar-lhe orgulho e satisfação quando, com 90 ou 100
anos de idade, você fizer o balanço final da sua vida física antes de voar como
um pássaro para níveis superiores de existência.
A definição da meta da nossa vida faz
com que surja uma vontade correspondente. Metas egoístas tendem a criar
vontades egoístas. Objetivos altruístas inspiram vontades mais puras, que
produzem resultados positivos e duradouros.
Há uma passagem de um texto budista que
recorda certas verdades básicas, das quais alguns preferem fugir, consciente ou
inconscientemente. Estaríamos em grande parte livres da auto-ilusão se
definíssemos metas claras para a nossa vida levando em conta os seguintes
fatos:
“Primeiro, a velhice virá algum dia e
não poderei evitá-lo, Segundo, é possível que eu adoeça e não posso evitar esta
possibilidade. Terceiro, a morte física virá até mim algum dia e eu não posso
evitá-lo. Quarto, todas as coisas que amo e de que gosto estão sujeitas à
mudança, à decadência e à separação, e não posso evitá-lo.
Quinto, eu sou o resultado das minhas
próprias ações, e sejam quais forem os meus atos, bons ou maus, serei o herdeiro
deles.”
Quando aceitamos estes cinco fatos surge
um contentamento incondicional de viver que tem como base indestrutível o
desapego. Percebemos a eternidade potencial de cada momento. Abandonamos as
bagagens pessoais e nossa mente se ergue solta acima do jogo miúdo e da luta de
pequenas vontades contraditórias. Aceitando a fragilidade da nossa existência
no plano físico, podemos usar toda a força da nossa vontade interior.
Nos primeiros anos da nossa vida,
desperdiçamos grande quantidade de energia, mas aos poucos vamos selecionando
as metas que realmente interessam. Sabemos que não podemos fazer tudo ao mesmo
tempo. Aceitamos que nosso tempo e nossa energia são limitados, e aprendemos a
usá-los com sabedoria.
Quando desenvolvemos o poder da vontade,
começamos a reorganizar cada aspecto da nossa vida em função da nossa
estratégia central. Que tipo de alimentação é saudável, melhora minha saúde e
aumenta as possibilidades de uma vida longa e produtiva? Mas não basta saber o
que comer. E preciso comer moderadamente.
Há também um certo tipo de emoções que
aumenta a força interna, e outras que levam à dispersão das energias. Pela
observação, podemos ir identificando e afastando aos poucos da nossa vida as
situações em que nossa paz interna é destruída.
As emoções são inseparáveis do pensamento e,
quando estas duas correntes energéticas são unificadas por uma vontade maior, a
paz, a coerência e o êxito vêm para ficar em nossas vidas.
Definir um objetivo e um plano de ação
coerentes em todos os níveis não é complicado. Sem dúvida, é bem mais simples
do que viver dividido entre pequenas metas inconsistentes de curto prazo.
“Todos nós temos objetivos, mesmo
que não saibamos disso”, escreve Anthony Robbins [2] . Sejam quais
forem, eles têm um efeito profundo sobre nossas vidas”. Alguns destes objetivos
são pouco inspirados. Precisamos garantir a nossa sobrevivência material, por
exemplo. Quem pode ficar entusiasmado com uma perspectiva de vida tão limitada
como a de pagar as contas no fim do mês?
Para Robbins, “o segredo que permite libertar
seu verdadeiro poder é estabelecer objetivos suficientemente empolgantes para
inspirar sua criatividade e acender sua paixão”. É preciso formular desafios.
Assim como uma meta altruísta liberta o nosso pensamento do egoísmo, uma meta
que seja simultaneamente elevada, desafiadora e realista faz surgir uma vontade
poderosa e capaz de vitórias duráveis.
Esta meta geral, no entanto, deve
traduzir-se em pequenos passos cotidianos. Ninguém consegue vencer um grande
desafio se não houver antes um processo preparatório. Uma viagem de mil
quilômetros começa com o primeiro metro, e é preciso criatividade e
determinação para colocar cada pequeno momento das nossas vidas em função da grande
meta da sabedoria.
Renunciando a pequenos confortos e a várias
formas de dispersão mental ou emocional aparentemente inocentes, vamos reunindo
mais força magnética em torno do pólo consciente do nosso ser. Vivendo cada
momento como um desafio, podemos usar nele toda nossa força interior
disponível. Como a força espiritual não está no plano físico, o seu uso não
provoca cansaço e é potencialmente inesgotável.
À medida que passa o tempo, vamos
percebendo que a principal tarefa da vontade espiritual – e a mais difícil –
consiste em libertar-nos de objetivos ilusórios. Quando estamos livres de
ilusões, a verdade pode aparecer naturalmente diante dos nossos olhos, e nossa
vontade avança por si mesma em direção ao que é bom e correto.
Para desenvolver a vontade espiritual é
preciso usá-la constantemente e renunciar ao desejo de viver em circunstâncias
cômodas e agradáveis. E quando os primeiros frutos do uso correto da força de
vontade já puderem ser colhidos, o que deveremos fazer é aumentar ainda mais o
esforço, para que a colheita, no futuro, seja maior.
NOTAS:
1,“The Mind and Its Control”, Swami
Budhananda, Advaita Ashrama, Calcutá, Índia, 1992, pp. 33-34.
2 “Passos de Gigante”, Anthony
Robbins, Record, 1995.
Ação Prática:
1. Reunindo Força Magnética.
De pé ou sentado, coluna ereta, erga o
braço esquerdo estendido lateralmente, ao longo do corpo, até a altura do
ombro. Vire a cabeça o suficiente para poder olhar a ponta dos dedos
estendidos. Fique assim um minuto exato, imóvel, sem desviar o olhar nem por um
momento. Tente não piscar os olhos. Depois complete o exercício fazendo o mesmo
com o braço direito. Faça o exercício completo mais duas vezes, sentindo o
acréscimo da sua força interna. O efeito desta prática será percebido com mais
força depois do décimo dia consecutivo.
2. Parando Tudo
Em qualquer momento do dia, seja qual
for a posição física em que estiver, imobilize-se no momento em que lembrar da
prática. Fique como se fizesse parte de uma imagem congelada de televisão, relaxado,
alerta, durante alguns instantes. Você estocará a força magnética que o seu
corpo está acostumado a desperdiçar e aumentará seu comando sobre suas emoções
e pensamentos.
3. Usando o Poder do Pensamento
Escolha um pensamento elevado e
importante para você. Cada vez que sua mente apresentar a tendência a ficar
dispersiva durante o dia, enquanto tem que esperar ao telefone, numa fila ou em
um sinal vermelho do trânsito, repita para si mesmo a frase e concentre nela
seu pensamento. Sua mente não cansará com este exercício. A dispersão é mais
cansativa que a concentração. A concentração é que permite o repouso interior.
Substitua uma frase por outra a cada dois ou três dias.
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