Educação Infantil - oriental e ocidental - socialização
As crianças asiáticas são menos prejudicadas pelo que o psicólogo Guntrip considera a praga emocional da civilização moderna: um ego fraco, que não tem confiança em si mesmo nem na própria capacidade.
Os povoados e
famílias estendidas da Índia ou do Tibete tradicionais parecem haver criado
egos mais fortes, não engendrou a grande cisão entre o corpo e a mente que nós,
ocidentais, conhecemos tão bem; menos debilitados por divisões internas — entre
corpo e mente, individual e social, pais e filhos, ego fraco e superego
punitivo —, características do indivíduo moderno.
Na cultura asiática, os “andares superiores”
do desenvolvimento espiritual podiam ser construídos sobre um “térreo” mais
estável e coeso.
Os métodos de
criação de filhos nas culturas asiáticas em geral estão longe de serem ideais,
mas acabaram se revelando de certa forma mais saudáveis do que no Ocidente
moderno.
De forma geral, as mães asiáticas oferecem a
seus filhos um vínculo forte e precoce. As crianças indianas e tibetanas, por
exemplo, permanecem continuamente no colo, e muitas vezes compartilham da cama
dos pais durante os primeiros dois ou três anos.
Alan Roland, psicanalista que passou muitos
anos estudando as diferenças culturais entre Oriente e Ocidente no que toca ao
desenvolvimento do eu, descreve os métodos indianos de criar filhos:
Ocorre um
intenso e prolongado envolvimento com a criança durante os primeiros quatro ou
cinco anos de vida, inclusive uma espécie de adoração pela criança, até o ponto
de tratá-la como se fosse divina, o que
desenvolve uma profunda sensação de bem-estar nesta criança.
As mães, avós, tias, empregadas, irmãs mais
velhas e primas tomam parte neste espelhamento prolongado, que incorpora
sentimentos intensos de auto-estima.
O método de
criação dos filhos utilizado na Índia, juntamente com a estruturação interior
de uma grande auto-estima, são psicologicamente congruentes com o conceito
hindu de que a Alma individual é um pedaço de Deus (atman-brahman).
A profunda sensação de auto-estima e a
premissa de que a pessoa pode se esforçar para se tornar semelhante a Deus
estão interligados. Isto se opõe à premissa cristã ocidental do pecado
original.
De acordo com
Roland, esta qualidade nutritiva da família estendida indiana ajuda a criança a
desenvolver uma estrutura de ego cujos limites são “em geral mais flexíveis e
mais permeáveis do que os da maioria dos ocidentais” e “menos claramente
demarcados”.
Ao crescer em
famílias estendidas, as crianças asiáticas também são expostas a uma variedade
de modelos e fontes de nutrição, mesmo que o pai e a mãe não estejam sempre
disponíveis. Os povoados rurais tibetanos, por exemplo, costumavam considerar
as crianças como pertencendo a todos e sendo de responsabilidade dc todos.
As famílias estendidas amenizam a tendência
dos pais de dominarem psicologicamente os filhos. Contrariamente, os pais de
famílias individualizadas fazem um investimento muito maior em seus filhos:
“Este é meu
filho, meu filho é uma extensão de mim”, o que contribui para a ferida
narcisista e uma fixação intensa nos pais, o que no caso de muitos ocidentais
dura a vida inteira.
Certos
psicólogos desenvolvimentistas argumentam que crianças que receberam menos
cuidados na infância se apegam mais rigidamente aos traços internalizados dos
pais. Isso explicaria porque os tibetanos que conheço não parecem sofrer
pesadas fixações cm pai e mãe como os ocidentais.
Seus complexos de eu/outro (objeto relacional)
não são tão fortes nem tão conflituosos como os dos ocidentais, que não
passaram pela união intensa da primeira infância; e que vivem os primeiros
dezoito anos de sua vida em uma família nuclear isolada, com apenas um ou dois
adultos, os quais por sua vez são totalmente alienados da sabedoria comunitária
e da compreensão espiritual.
Além de
facilitar a intensa união entre mãe e filho e contar com famílias estendidas e
com uma vida cotidiana harmonizada com os ritmos do mundo natural, as
sociedades asiáticas tradicionais também mantêm o sagrado como centro da vida
social.
Uma cultura
que fornece a seus membros mitos, significados, valores religiosos e rituais
compartilhados por todos proporciona um apoio e uma orientação que ajudam as
pessoas a encontrarem sentido em suas vidas.
Desta forma, a criança asiática de cultura
tradicional cresce mais bem-nutrida por aquilo que o pediatra e psicanalista D.
W. Winnicott chama de “ambiente ao redor” - um contexto de amor, apoio,
significado e a sensação de pertencer, o que gera uma autoconfiança básica e um
desenvolvimento saudável de forma geral.
Eu penso que as crianças ocidentais, por
seu lado, crescem em famílias fragmentadas, coladas na televisão, que só lhes
transmite imagens que provocam medo, insegurança, separação, de um mundo
narcisista, fragmentado, competitivo, sem ética, sem valores, agressivo,
corrompido, degradado, e espiritualmente
perdido, não têm ao seu dispor um contexto que faça sentido para situar suas
vidas.
Uma das formas
pelas quais estas diferenças se manifestam é o modo como as pessoas usam seus
corpos. Ao observar os tibetanos, sempre me espanto ao constatar como são
centrados na metade inferior do corpo e como se conectam fortemente ao chão sob
seus pés.
Os tibetanos parecem possuir naturalmente
muito hara presença centrada na barriga —, que sem dúvida é o resultado dos
fatores enumerados acima. Os ocidentais, ao contrário, costumam ser mais
centrados na parte superior do corpo e têm uma ligação fraca com sua parte
inferior.
O hara, que
Karlfried Graf Dürckheim chamou de centro vital ou centro da terra, está ligado
a questões de autoconfiança, poder, vontade, pé no chão, capacidade de confiar,
de lidar com a realidade, maturidade
emocional, apoio e equanimidade.
As
deficiências de criação durante a infância, a falta de conexão com a terra e a
ênfase exagerada conferida ao intelecto pela cultura ocidental contribuem para
a perda do hara.
Para compensar esta falta de apoio e
confiança, que se localiza na barriga, os ocidentais buscam obter segurança e
controle “no andar de cima” — tentando controlar a vida pela mente. Mas se
olharmos com atenção, atrás das tentativas do ego de controlar a realidade com
a mente encontraremos medo, ansiedade e insegurança.
Uma outra
diferença com consequências importantes para o desenvolvimento psicoespiritual
é o valor que as culturas asiáticas dão a ser, em oposição ao Ocidente que
valoriza o fazer, o ter.
O próprio Winnicott enfatizou a importância de
permitir que as crianças permaneçam nos estados não estruturados do ser: “A
presença da mãe, que não exige nada, possibilita a experiência da ausência de
forma e de uma solidão confortável, e essa capacidade acaba se tornando uma
característica central para o desenvolvimento de um ‘eu’ estável....
A
criança pode viver no silêncio, na liberdade de brincar momentos de
contemplação, de interiorização, de contato com sua Alma.
Isto toma possível à criança pequena experimentar...
um estado de ‘apenas ser’ do qual ... emergem gestos espontâneos.” Winnicott
usa o termo invasão para descrever a tendência dos pais a interromper de
repente estes momentos informes, forçando a criança a se separar abruptamente
do “apenas ser”.
A criança é
“arrancada de seu estado de aquiescência e forçada a reagir... e a se moldar
àquilo que lhe está sendo oferecido. A principal consequência destas invasões
prolongadas é a fragmentação da experiência da criança.
Por uma questão de necessidade, ela fica
prematura e compulsivamente sintonizada às exigências dos outros... perdendo
contato com suas próprias necessidades espontâneas e seus gestos... [e
desenvolvendo] um falso ‘eu’ para poder se conformar, se adaptar”
As famílias
asiáticas tradicionais costumam dar à criança pequena muito espaço e ampla
permissão para simplesmente existir de forma não estruturada, livre de pressões
para se comportar desta ou daquela maneira, como fazem os pais ocidentais.
Com toda esta permissão para ser, estas
crianças provavelmente se sentirão confortáveis com o vazio, definido aqui como
um existir não estruturado, criativo, livre, espontâneo.
Entretanto, em nossa cultura, que dá muita
importância a fazer, ter e obter, em prejuízo do simples existir, o vazio
parece ameaçador, estranho e apavorante.
Em famílias ou
sociedades que não reconhecem o valor do existir, as crianças têm maiores
probabilidades de interpretar seu próprio ser não estruturado como uma
deficiência, um fracasso, uma falha em estar à altura das expectativas, uma
inadequação.
Assim sendo, a estrutura do ego ocidental se
torna mais rígida e mais defendida, em parte para se defender da terrível
sensação de deficiência que vem do medo da natureza aberta e não estruturada do
nosso ser.
O resultado é
que este ego frágil tem que trabalhar dobrado para compensar a falta de
confiança interior, e com isso muitos buscadores ocidentais percebem que não
estão prontos, capazes ou dispostos a abandonar suas defesas, não obstante toda
a prática espiritual já realizada.
A nível subconsciente, seria muito ameaçador
abandonar a pequena segurança que seu frágil ego oferece. Esta é a razão pela
qual acho que seria útil aos ocidentais trabalhar um pouco no desmantelamento
deliberado e gradual da estrutura defensiva da personalidade; utilizando a
investigação psicológica — examinar, entender e dissolver as falsas
auto-imagens, as ilusões, as projeções distorcidas e as reações emocionais, uma
após a outra — com o consequente desenvolvimento de uma conexão mais completa e
mais rica consigo mesmo.
Em resumo, se
as crianças asiáticas de famílias tradicionais crescem apoiadas por um ambiente
que as nutre, elas provavelmente recebem muito mais daquilo que Winnicott
definiu como os dois elementos essenciais para a criação de filhos: um vínculo
emocional contínuo e espaço para existir como um ser “não estruturado” ou
conformado para se adaptar às exigências sociais e familiares.
O resultado é que estas crianças crescem com
uma maior sensação de confiança e bem-estar — aquilo que chamamos no Ocidente
de ego forte —, em contraste com versão por si mesmo, a insegurança e o eu
frágil tão comuns no Ocidente.
Aquele que não consegue “aprovação”,
acolhimento, na escola, na família, pode sentir um sentimento de inferioridade,
de incompetência, de exclusão por ser diferente..
Quando falo
sobre desenvolvimento infantil na Ásia, quero me referir às influências
recebidas durante os primeiros anos da infância, quando a estrutura do ego
começa a se formar. Mais tarde, muitos pais asiáticos vêm a se tornar bastante
controladores, exercendo forte pressão sobre os filhos para que se conformem e
subordinem sua individualidade aos papéis sociais e às normas coletivas.
Roland diz que a maioria dos conflitos
neuróticos entre os asiáticos modernos está na área familiar e nas dificuldades
de auto diferenciação. Na verdade, a cultura oriental entende melhor e valoriza
mais o existir, o vazio e a interconexão, enquanto que o Ocidente aprecia mais
a individuação.
Cultivar nossa
própria visão, qualidades e potencial é considerado muito mais importante no
Ocidente do que na Ásia tradicional, onde o desenvolvimento espiritual pode
coexistir facilmente com um baixo nível de individuação.
Aqui, o trabalho psicológico pode desempenhar
funções importantes para os ocidentais, ajudando-os a individuar, ou seja, a
prestar atenção e a confiar em suas próprias experiências, a desenvolver uma
visão pessoal autêntica e um senso de direção, e a esclarecer os conflitos
psicológicos que estão impedindo a pessoa de ser ela mesma.5
O erudito
budista Robert Thurman argumentou que por ser o budismo um caminho de
individuação, não seria apropriado dizer que esta tradição não promove o
desenvolvimento individual.
Certamente o Buda introduziu uma nova visão
que encoraja os indivíduos a buscar seu próprio desenvolvimento espiritual em
vez de depender de rituais religiosos convencionais.
Neste sentido amplo, o budismo pode ser
considerado como um caminho de individuação. Mas é um modelo diferente de
individuação daquele que conhecemos no Ocidente. Como diz Roland, a
individuação nas culturas asiáticas geralmente se limita ao terreno da prática
espiritual e nunca foi uma norma geral.
O conceito
ocidental de individuação envolve encontrar nossa vocação, visão ou caminho,
tornando-o parte de nossa vida. Neste sentido, a inovação, a experimentação e o
questionamento do conhecimento recebido também fazem parte da individuação.
Como diz a erudita budista Anne Klein: “Os tibetanos, tal como muitos asiáticos
que cresceram fora da influência ocidental, não cultivam a sensação de
individualidade.”
Na Ásia tradicional, os ensinamentos sobre a liberação
eram dirigidos para aqueles voltados demais para a terra, excessivamente
envolvidos com obrigações familiares e sociais.
Os ensinamentos elevados e não dualistas do
budismo e do hinduísmo — que mostram que aquilo que você realmente é consiste
na realidade absoluta, que fica além de você - oferecem uma saída para o
envolvimento social excessivo, ajudando as pessoas a descobrirem o absoluto
trans-humano que está além de todas as preocupações mundanas.
Mas estes
ensinamentos dependem da existência de uma comunidade humana repleta de
costumes religiosos e valores morais, semelhante a uma montanha que se eleva
acima dos vales e colinas.
Os costumes
sociais e religiosos da Índia e do Tibete tradicionais forneciam uma rica base
humana onde as aspirações espirituais pelo absoluto, ou por aquilo que está
além dos relacionamentos e da sociedade dos homens, podiam emergir.
Como a
identidade asiática tradicional está imersa em uma rica cultura cheia de
tradições, rituais, fortes laços familiares e intensa vida comunitária, os
integrantes destas culturas não se perdiam nem se tornavam alienados de sua
própria humanidade, como fazem os ocidentais.
E a alma,
composta pelas qualidades exuberantes e coloridas de nossa humanidade, permeava
toda a cultura. Assim sendo, a necessidade de desenvolver uma alma individual
nunca se colocou na Ásia. Os asiáticos nunca perderam sua alma, por isso não
precisaram desenvolver uma forma de resgatá-la, ou seja, nunca tiveram que
descobrir a individuação pessoal.
No Ocidente
moderno, é comum sentir-se alienado da sociedade como um todo — onde os espaços
públicos, a arquitetura, as — festividades, as instituições, a vida familiar e
até mesmo a comida não têm qualidades suficientes para nutrir a alma e fazer
com que as pessoas se sintam ligadas entre si e a estes aspectos da vida.
A boa nova, entretanto, é que a falta de alma
de nossa cultura está nos forçando a desenvolver uma nova consciência a
respeito da criação da alma individuada — uma fonte interior de visão,
significado e propósito pessoais.
Um resultado
importante disso é nossa refinada e sofisticada capacidade para reconhecer
nuances na área da presença, da sensibilidade e da percepção individuais.
Isso não é
algo que as tradições asiáticas possam nos ensinar. Se o grande dom do Oriente
é seu foco em nossa natureza verdadeira e absoluta — que é impessoal e
compartilhada por todos —, o dom ocidental consiste no ímpeto para desenvolver
uma expressão individuada desta natureza — que poderíamos chamar de alma ou de
presença pessoal.6
A verdadeira
natureza individuada é a única forma pela qual cada um de nós pode servir de
veículo para corporificar a sabedoria, a compaixão e a verdade suprapessoais,
que são parte da natureza absoluta.
E evidente que
nós, ocidentais, temos muito a aprender com os ensinamentos contemplativos do
Oriente. Mas se tentarmos apenas seguir o foco oriental no trans-humano ou supra
pessoal, sem ao mesmo tempo desenvolver uma forma aterrada e pessoal de
relacionamento com a vida, será muito difícil integrar nossa natureza maior ao
nosso modo de vida.
Jon welood.
e
Belo texto, querido. Uma boa reflexão, parabéns!
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