quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Educação Infantil - oriental e ocidental - socialização






Educação  Infantil - oriental e ocidental  -  socialização

As crianças asiáticas são menos prejudicadas pelo que o psicólogo Guntrip considera a praga emocional da civilização moderna: um ego fraco, que não tem confiança em si mesmo nem na própria capacidade.

Os povoados e famílias estendidas da Índia ou do Tibete tradicionais parecem haver criado egos mais fortes, não engendrou a grande cisão entre o corpo e a mente que nós, ocidentais, conhecemos tão bem; menos debilitados por divisões internas — entre corpo e mente, individual e social, pais e filhos, ego fraco e superego punitivo —, características do indivíduo moderno.

 Na cultura asiática, os “andares superiores” do desenvolvimento espiritual podiam ser construídos sobre um “térreo” mais estável e coeso.

Os métodos de criação de filhos nas culturas asiáticas em geral estão longe de serem ideais, mas acabaram se revelando de certa forma mais saudáveis do que no Ocidente moderno.

 De forma geral, as mães asiáticas oferecem a seus filhos um vínculo forte e precoce. As crianças indianas e tibetanas, por exemplo, permanecem continuamente no colo, e muitas vezes compartilham da cama dos pais durante os primeiros dois ou três anos.

 Alan Roland, psicanalista que passou muitos anos estudando as diferenças culturais entre Oriente e Ocidente no que toca ao desenvolvimento do eu, descreve os métodos indianos de criar filhos:

Ocorre um intenso e prolongado envolvimento com a criança durante os primeiros quatro ou cinco anos de vida, inclusive uma espécie de adoração pela criança, até o ponto de tratá-la  como se fosse divina, o que desenvolve uma profunda sensação de bem-estar nesta criança.

 As mães, avós, tias, empregadas, irmãs mais velhas e primas tomam parte neste espelhamento prolongado, que incorpora sentimentos intensos de auto-estima.

O método de criação dos filhos utilizado na Índia, juntamente com a estruturação interior de uma grande auto-estima, são psicologicamente congruentes com o conceito hindu de que a Alma individual é um pedaço de Deus (atman-brahman).

 A profunda sensação de auto-estima e a premissa de que a pessoa pode se esforçar para se tornar semelhante a Deus estão interligados. Isto se opõe à premissa cristã ocidental do pecado original.

De acordo com Roland, esta qualidade nutritiva da família estendida indiana ajuda a criança a desenvolver uma estrutura de ego cujos limites são “em geral mais flexíveis e mais permeáveis do que os da maioria dos ocidentais” e “menos claramente demarcados”.

Ao crescer em famílias estendidas, as crianças asiáticas também são expostas a uma variedade de modelos e fontes de nutrição, mesmo que o pai e a mãe não estejam sempre disponíveis. Os povoados rurais tibetanos, por exemplo, costumavam considerar as crianças como pertencendo a todos e sendo de responsabilidade dc todos.


 As famílias estendidas amenizam a tendência dos pais de dominarem psicologicamente os filhos. Contrariamente, os pais de famílias individualizadas fazem um investimento muito maior em seus filhos:

“Este é meu filho, meu filho é uma extensão de mim”, o que contribui para a ferida narcisista e uma fixação intensa nos pais, o que no caso de muitos ocidentais dura a vida inteira.

Certos psicólogos desenvolvimentistas argumentam que crianças que receberam menos cuidados na infância se apegam mais rigidamente aos traços internalizados dos pais. Isso explicaria porque os tibetanos que conheço não parecem sofrer pesadas fixações cm pai e mãe como os ocidentais.

 Seus complexos de eu/outro (objeto relacional) não são tão fortes nem tão conflituosos como os dos ocidentais, que não passaram pela união intensa da primeira infância; e que vivem os primeiros dezoito anos de sua vida em uma família nuclear isolada, com apenas um ou dois adultos, os quais por sua vez são totalmente alienados da sabedoria comunitária e da compreensão espiritual.


Além de facilitar a intensa união entre mãe e filho e contar com famílias estendidas e com uma vida cotidiana harmonizada com os ritmos do mundo natural, as sociedades asiáticas tradicionais também mantêm o sagrado como centro da vida social.

Uma cultura que fornece a seus membros mitos, significados, valores religiosos e rituais compartilhados por todos proporciona um apoio e uma orientação que ajudam as pessoas a encontrarem sentido em suas vidas.

 Desta forma, a criança asiática de cultura tradicional cresce mais bem-nutrida por aquilo que o pediatra e psicanalista D. W. Winnicott chama de “ambiente ao redor” - um contexto de amor, apoio, significado e a sensação de pertencer, o que gera uma autoconfiança básica e um desenvolvimento saudável de forma geral.

Eu penso que as crianças ocidentais, por seu lado, crescem em famílias fragmentadas, coladas na televisão, que só lhes transmite imagens que provocam medo, insegurança, separação, de um mundo narcisista, fragmentado, competitivo, sem ética, sem valores, agressivo, corrompido, degradado,  e espiritualmente perdido, não têm ao seu dispor um contexto que faça sentido para situar suas vidas.

Uma das formas pelas quais estas diferenças se manifestam é o modo como as pessoas usam seus corpos. Ao observar os tibetanos, sempre me espanto ao constatar como são centrados na metade inferior do corpo e como se conectam fortemente ao chão sob seus pés.

 Os tibetanos parecem possuir naturalmente muito hara presença centrada na barriga —, que sem dúvida é o resultado dos fatores enumerados acima. Os ocidentais, ao contrário, costumam ser mais centrados na parte superior do corpo e têm uma ligação fraca com sua parte inferior.

O hara, que Karlfried Graf Dürckheim chamou de centro vital ou centro da terra, está ligado a questões de autoconfiança, poder, vontade, pé no chão, capacidade de confiar,  de lidar com a realidade, maturidade emocional, apoio e equanimidade.

As deficiências de criação durante a infância, a falta de conexão com a terra e a ênfase exagerada conferida ao intelecto pela cultura ocidental contribuem para a perda do hara.

 Para compensar esta falta de apoio e confiança, que se localiza na barriga, os ocidentais buscam obter segurança e controle “no andar de cima” — tentando controlar a vida pela mente. Mas se olharmos com atenção, atrás das tentativas do ego de controlar a realidade com a mente encontraremos medo, ansiedade e insegurança.

Uma outra diferença com consequências importantes para o desenvolvimento psicoespiritual é o valor que as culturas asiáticas dão a ser, em oposição ao Ocidente que valoriza o fazer, o ter.

 O próprio Winnicott enfatizou a importância de permitir que as crianças permaneçam nos estados não estruturados do ser: “A presença da mãe, que não exige nada, possibilita a experiência da ausência de forma e de uma solidão confortável, e essa capacidade acaba se tornando uma característica central para o desenvolvimento de um ‘eu’ estável....

A criança pode viver no silêncio, na liberdade de brincar momentos de contemplação, de interiorização, de contato com sua Alma.

 Isto toma possível à criança pequena experimentar... um estado de ‘apenas ser’ do qual ... emergem gestos espontâneos.” Winnicott usa o termo invasão para descrever a tendência dos pais a interromper de repente estes momentos informes, forçando a criança a se separar abruptamente do “apenas ser”.

A criança é “arrancada de seu estado de aquiescência e forçada a reagir... e a se moldar àquilo que lhe está sendo oferecido. A principal consequência destas invasões prolongadas é a fragmentação da experiência da criança.

 Por uma questão de necessidade, ela fica prematura e compulsivamente sintonizada às exigências dos outros... perdendo contato com suas próprias necessidades espontâneas e seus gestos... [e desenvolvendo] um falso ‘eu’ para poder se conformar, se adaptar”

As famílias asiáticas tradicionais costumam dar à criança pequena muito espaço e ampla permissão para simplesmente existir de forma não estruturada, livre de pressões para se comportar desta ou daquela maneira, como fazem os pais ocidentais.

 Com toda esta permissão para ser, estas crianças provavelmente se sentirão confortáveis com o vazio, definido aqui como um existir não estruturado, criativo, livre, espontâneo.

 Entretanto, em nossa cultura, que dá muita importância a fazer, ter e obter, em prejuízo do simples existir, o vazio parece ameaçador, estranho e apavorante.

Em famílias ou sociedades que não reconhecem o valor do existir, as crianças têm maiores probabilidades de interpretar seu próprio ser não estruturado como uma deficiência, um fracasso, uma falha em estar à altura das expectativas, uma inadequação.

 Assim sendo, a estrutura do ego ocidental se torna mais rígida e mais defendida, em parte para se defender da terrível sensação de deficiência que vem do medo da natureza aberta e não estruturada do nosso ser.

O resultado é que este ego frágil tem que trabalhar dobrado para compensar a falta de confiança interior, e com isso muitos buscadores ocidentais percebem que não estão prontos, capazes ou dispostos a abandonar suas defesas, não obstante toda a prática espiritual já realizada.

 A nível subconsciente, seria muito ameaçador abandonar a pequena segurança que seu frágil ego oferece. Esta é a razão pela qual acho que seria útil aos ocidentais trabalhar um pouco no desmantelamento deliberado e gradual da estrutura defensiva da personalidade; utilizando a investigação psicológica — examinar, entender e dissolver as falsas auto-imagens, as ilusões, as projeções distorcidas e as reações emocionais, uma após a outra — com o consequente desenvolvimento de uma conexão mais completa e mais rica consigo mesmo.

Em resumo, se as crianças asiáticas de famílias tradicionais crescem apoiadas por um ambiente que as nutre, elas provavelmente recebem muito mais daquilo que Winnicott definiu como os dois elementos essenciais para a criação de filhos: um vínculo emocional contínuo e espaço para existir como um ser “não estruturado” ou conformado para se adaptar às exigências sociais e familiares.

 O resultado é que estas crianças crescem com uma maior sensação de confiança e bem-estar — aquilo que chamamos no Ocidente de ego forte —, em contraste com versão por si mesmo, a insegurança e o eu frágil tão comuns no Ocidente.

Aquele que não consegue “aprovação”, acolhimento, na escola, na família, pode sentir um sentimento de inferioridade, de incompetência, de exclusão por ser diferente..

Quando falo sobre desenvolvimento infantil na Ásia, quero me referir às influências recebidas durante os primeiros anos da infância, quando a estrutura do ego começa a se formar. Mais tarde, muitos pais asiáticos vêm a se tornar bastante controladores, exercendo forte pressão sobre os filhos para que se conformem e subordinem sua individualidade aos papéis sociais e às normas coletivas.

 Roland diz que a maioria dos conflitos neuróticos entre os asiáticos modernos está na área familiar e nas dificuldades de auto diferenciação. Na verdade, a cultura oriental entende melhor e valoriza mais o existir, o vazio e a interconexão, enquanto que o Ocidente aprecia mais a individuação.

Cultivar nossa própria visão, qualidades e potencial é considerado muito mais importante no Ocidente do que na Ásia tradicional, onde o desenvolvimento espiritual pode coexistir facilmente com um baixo nível de individuação.

 Aqui, o trabalho psicológico pode desempenhar funções importantes para os ocidentais, ajudando-os a individuar, ou seja, a prestar atenção e a confiar em suas próprias experiências, a desenvolver uma visão pessoal autêntica e um senso de direção, e a esclarecer os conflitos psicológicos que estão impedindo a pessoa de ser ela mesma.5

O erudito budista Robert Thurman argumentou que por ser o budismo um caminho de individuação, não seria apropriado dizer que esta tradição não promove o desenvolvimento individual.

 Certamente o Buda introduziu uma nova visão que encoraja os indivíduos a buscar seu próprio desenvolvimento espiritual em vez de depender de rituais religiosos convencionais.

 Neste sentido amplo, o budismo pode ser considerado como um caminho de individuação. Mas é um modelo diferente de individuação daquele que conhecemos no Ocidente. Como diz Roland, a individuação nas culturas asiáticas geralmente se limita ao terreno da prática espiritual e nunca foi uma norma geral.

O conceito ocidental de individuação envolve encontrar nossa vocação, visão ou caminho, tornando-o parte de nossa vida. Neste sentido, a inovação, a experimentação e o questionamento do conhecimento recebido também fazem parte da individuação. Como diz a erudita budista Anne Klein: “Os tibetanos, tal como muitos asiáticos que cresceram fora da influência ocidental, não cultivam a sensação de individualidade.”

Na Ásia  tradicional, os ensinamentos sobre a liberação eram dirigidos para aqueles voltados demais para a terra, excessivamente envolvidos com obrigações familiares e sociais.

 Os ensinamentos elevados e não dualistas do budismo e do hinduísmo — que mostram que aquilo que você realmente é consiste na realidade absoluta, que fica além de você - oferecem uma saída para o envolvimento social excessivo, ajudando as pessoas a descobrirem o absoluto trans-humano que está além de todas as preocupações mundanas.

Mas estes ensinamentos dependem da existência de uma comunidade humana repleta de costumes religiosos e valores morais, semelhante a uma montanha que se eleva acima dos vales e colinas.

Os costumes sociais e religiosos da Índia e do Tibete tradicionais forneciam uma rica base humana onde as aspirações espirituais pelo absoluto, ou por aquilo que está além dos relacionamentos e da sociedade dos homens, podiam emergir.

Como a identidade asiática tradicional está imersa em uma rica cultura cheia de tradições, rituais, fortes laços familiares e intensa vida comunitária, os integrantes destas culturas não se perdiam nem se tornavam alienados de sua própria humanidade, como fazem os ocidentais.

E a alma, composta pelas qualidades exuberantes e coloridas de nossa humanidade, permeava toda a cultura. Assim sendo, a necessidade de desenvolver uma alma individual nunca se colocou na Ásia. Os asiáticos nunca perderam sua alma, por isso não precisaram desenvolver uma forma de resgatá-la, ou seja, nunca tiveram que descobrir a individuação pessoal.

No Ocidente moderno, é comum sentir-se alienado da sociedade como um todo — onde os espaços públicos, a arquitetura, as — festividades, as instituições, a vida familiar e até mesmo a comida não têm qualidades suficientes para nutrir a alma e fazer com que as pessoas se sintam ligadas entre si e a estes aspectos da vida.

 A boa nova, entretanto, é que a falta de alma de nossa cultura está nos forçando a desenvolver uma nova consciência a respeito da criação da alma individuada — uma fonte interior de visão, significado e propósito pessoais.

Um resultado importante disso é nossa refinada e sofisticada capacidade para reconhecer nuances na área da presença, da sensibilidade e da percepção individuais.

Isso não é algo que as tradições asiáticas possam nos ensinar. Se o grande dom do Oriente é seu foco em nossa natureza verdadeira e absoluta — que é impessoal e compartilhada por todos —, o dom ocidental consiste no ímpeto para desenvolver uma expressão individuada desta natureza — que poderíamos chamar de alma ou de presença pessoal.6

A verdadeira natureza individuada é a única forma pela qual cada um de nós pode servir de veículo para corporificar a sabedoria, a compaixão e a verdade suprapessoais, que são parte da natureza absoluta.

E evidente que nós, ocidentais, temos muito a aprender com os ensinamentos contemplativos do Oriente. Mas se tentarmos apenas seguir o foco oriental no trans-humano ou supra pessoal, sem ao mesmo tempo desenvolver uma forma aterrada e pessoal de relacionamento com a vida, será muito difícil integrar nossa natureza maior ao nosso modo de vida.

Jon welood. 
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