Discipline-se
Professor
Margot Cardoso – Revista Vencer. Abril de 2003
“(...) A
disciplina do sofrer, do grande sofrer - não sabem você que até agora foi essa
disciplina que criou toda excelência humana?
A tensão da alma na infelicidade, que lhe
cultiva a força, seu tremor ao contemplar a grande ruína, sua inventividade e
valentia no suportar, persistir, interpretar, utilizar a desventura, e o que só
então lhe foi dado de mistério, profundidade, e espírito, máscara, astúcia,
grandeza - não lhe foi dado em meio ao sofrimento, sob a disciplina do grande sofrimento?
No homem estão
unidos criador e criatura: no homem há matéria, fragmento, abundância, lodo,
argila, absurdo, caos; mas no homem há também criador, escultor, dureza de
martelo, deus-espectador e sétimo dia - vocês entendem essa oposição?”
Friedrich Nietzsche, filósofo
Disciplene-se.
A Falta de
fogo no trabalho.
A vida como uma nau sem norte.
Dias sem
sentido.
Muitas idéias
e nenhuma ação.
Incapacidade
para implementar decisões (desde a mais primária, como acordar cedo, até
grandes passos como cursar uma pós-graduação.
Fique atento!
Estes e outros tantos problemas podem ter uma única origem: falta de
disciplina.
“É uma torça
moral que leva o indivíduo a fazer o que tem de ser feito, independentemente da
própria vontade e da emoção. Você tem uma visão sobre o que pretende realizar, define
o que precisa fazer para conseguir seu objetivo, assume o compromisso com sua causa
e simplesmente faz. Isso agir com disciplina”. Tom Chung
A infância é
uma maravilha. Nossos pais seguem a cartilha que diz que para uma educação
saudável os dois pilares fundamentais são o amor e a disciplina.
Zelosos, partem para o ensino dos limites e
das regras. E, como somos lentos na aprendizagem, eles recordam-nos dia a dia
todos os ensinamentos de forma repetida e consistente. Estão sempre reavivando
regras para evitar que corramos perigo ou que nos machuquemos.
Com o tempo,
passamos o entender qual é o território permitido e com isto ganhamos
experiência, segurança psicológica, aprendemos a organizar a mente, a nos
estruturar, a conviver em sociedade. Enfim, começamos a trilhar os caminhos do
bom desenvolvimento. Uma perfeição!
Porém - se
você está lendo este texto - este tempo glorioso acabou. Agora tempos duros -
você é adulto. Portanto, no seu cotidiano, as regras e os limites devem ser
descobertos e estabelecidos por você. A repetição consistente também está a seu
cargo. A vigilância diária dos limites também é com você.
Se as coisas
não vão bem, por exemplo: você não sabe qual é o território permitido, não está
conseguindo organizar a sua mente, não está dando conta da sua estrutura... o
assunto também é com você. E com uma agravante: os perigos e os ferimentos do
adulto são piores, maiores e muito mais complexos.
Uma vida
adulta sem disciplina é um verdadeiro caos. Imagine: problemas com o fisco
(aliás, lembrança oportuna, pois o prazo para entrega da declaração do Imposto
de Renda é 30 de abril), com o banco, com a empresa, com clientes, com amigos e
em última instância com você mesmo. Aliás, com tanta negligência a sua
auto-estima é a primeira a ruir.
Já sei o que
você pensou. Em situação de caos desgovernado, você voltará aos tempos
dourados, correrá até o seu pai e sua mãe e pedirá ajuda? Não parece boa idéia.
Vamos às possíveis saídas: você poderá aconselhar-se com alguém que admira;
poderá
procurar a ajuda profissional de um terapeuta (se você dispuser de dinheiro e
de coragem) e, por último, mas não menos importante, você poderá buscar
ferramentas, arregaçar as mangas e partir para o empreendimento solo: resolver
a questão com as suas próprias mãos.
É com você!
Desnecessário
dizer que a primeira saída recomendada - e esperada - é a da via autônoma. Vá à
luta! A primeira fase é buscar todas as informações possíveis sobre disciplina.
Devore tudo que estiver ligado ao tema (livros, revistas, filmes), monte um
plano e vire o jogo.
Nesta etapa, a VENCER! dá uma contribuição
informando o que pensam e o que sugerem alguns especialistas no assunto.
Primeiro uma
questão conceitual. Se a disciplina é elemento de primeira necessidade na
infância (na verdade é mais do que isso: é direito garantido por lei.
Se você, vanguardista e revolucionário,
resolver educar seu filho sem disciplina, saiba que poderá ser preso sob a
acusação de maus- tratos), ela é igualmente fundamental na vida adulta.
O que a sociedade espera hoje de um grande ser
humano? Espera que ele seja íntegro, consciente, autêntico, honesto, auto controlado,
responsável pela sua vida... Você imagina algum destes itens sem disciplina?
Ser
disciplinado é ser senhor do seu destino, é ser seu próprio mestre, é estar no
controle dos seus atos. Filósofos de todas as épocas já identificaram a
disciplina como a base de todas as virtudes humanas. Mas, porque é tão difícil
ser disciplinado? Primeiro (e aqui seguindo uma vocação da VENCER!: lembrar
sempre a nossa origem animal), a explicação biológica merece ser citada.
Temos de lutar
contra uma poderosa herança ancestral que está entrincheirada em nosso cérebro.
Aumente o poder do seu cérebro. A nossa
porção cerebral reptilínea (cuja função é a sobrevivência e as únicas
preocupações são procriar, comer e
dormir) e o sistema límbico, onde só o
que importa é buscar o prazer e fugir da dor.
E haja disciplina para lidar com o nosso lado
réptil... Acordar cedo, fazer ginástica, vencer a inércia da preguiça, sacudir
o sedentarismo. O embate com o sistema límbico também não fica por menos. A
tarefa é vencer o nosso lado que busca só o prazer, só pensa em delícias, em
facilidades.
Mas só há
adversidade na nossa herança biológica? Claro que não. Na conquista
evolucionista do homem, o cérebro ganhou mais uma porção: o córtex, responsável
pelo pensamento, dotado de raciocínio e com poder para negociar com as outras
porções mais primitivas. Mas, voltemos a elas.
A primeira é
mais fácil de ser domesticada. Bastam algumas semanas de sacrifício e pronto. O
corpo habitua-se e até gosta. O difícil é driblar a eterna busca do prazer.
Este último, de tão persistente, revolve os miolos de pensadores de todas as
épocas - desde Epicuro (que viveu no século IV a.C, na Grécia antiga) até
Sponville (que vive atualmente em Paris, França). Quem nunca sucumbiu a um
prazer nocivo que atire o primeiro copo.
E para
convencer os mortais a tarefa é árdua. Epicuro, por exemplo, explicava que era
conveniente primeiro questionar o prazer (já que dizer não de cara é
praticamente impossível). De acordo com ele, todo prazer constitui um bem por
sua própria natureza; entretanto, nem todos devem ser escolhidos. Do mesmo
modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser evitadas.
Um raciocínio
pragmático que busca chamar atenção para o custo e o benefício de determinados
prazeres e dores. O prazer deve ser evitado quando dele resultarem efeitos
desagradáveis, e o sofrimento acolhido se, após a dor, advier um prazer maior.
Aqui um ponto a ser esclarecido. Não se trata apenas de prazer físico ou uma
experiência sensorial.
Epicuro considera como prazer também a
ausência de sofrimentos físicos e de perturbações da alma, portanto, o conceito
é mais global e abarca todas as porções do cérebro humano.
Resumo da ópera: se as coisas correrem mal,
sobra frustração para todos (córtex, sistema límbico e reptilíneo). Sem contar
que é uma bola de neve. Começa com uma avalancha interna, depois atinge as
pessoas que convivem com você, sua família, seu trabalho, depois a sociedade.
Mas, afinal, o
que é?
Para o lama
Kalden, o primeiro ocidental a ser ordenado no Tibete, responsável pelo Centro
Budista Djampel Pawo em São Paulo, a disciplina é um método que se desenvolve
para alguns fins, utilizando as condições e seus meios. “Todo mundo tem
disciplina. Se você quer ir ao cinema, compra o jornal para ver o horário, pega
o carro, vai até o endereço, estaciona. Isto é disciplina: uma série de passos
que leva ao seu objetivo.
E isto se desenvolve com naturalidade, para
pacificar a mente, que se distrai como uma criança em uma loja de doces. É
preciso ter claro o que se quer e como conseguir”, ensina ele.
Porém, a
disciplina não se resume apenas à execução de tarefas. É uma postura, uma forma
de estar no mundo. O psiquiatra e consultor Tom Chung afirma que a disciplina
tem a ver com caráter, cujos valores incluem integridade, responsabilidade,
visão, capacidade de definir e realizar objetivos.
É uma força
moral que leva o indivíduo a fazer o que tem de ser feito, independentemente da
própria vontade e da emoção. Você tem uma visão sobre o que pretende realizar,
define o que precisa fazer para conseguir seu objetivo, assume o compromisso
com sua causa e simplesmente faz. Isso é agir com disciplina.
Muito além das
tarefas
Pensadores de
todas as épocas debruçaram-se sobre o assunto. O filósofo inglês John Locke,
considerado o pai da disciplina, afirmava que ela é um conjunto de leis a que o
homem deve se submeter.
Porém, Locke
falava em corpo em forma e espírito disciplinado. Portanto, a disciplina como
uma atitude diante do mundo. De acordo com ele, a mente deve ser obediente à
disciplina e aberta à razão.
A disciplina
proposta por Locke era uma espécie de alicerce interior e não apenas um
processo instrutivo e punitivo. Para ele, a disciplina era uma ferramenta de
crescimento, pois a mente só é capaz de crescer, de se aprimorar, quando
disciplinada para esse objetivo.
Ela não tem a
rigidez de um fim em si mesma. É uma ferramenta de crescimento e deve
ajustar.se continuamente às suas necessidades, evoluindo com você, trabalhando
a seu favor.
Sem massacres
Se você, a
partir de hoje, vai estabelecer para si uma rotina militar ou de monge, como se
costuma dizer, saiba que a verdade está longe disto.
Tom Chung
alerta para os excessos e afirma que tentar impor regras e limites para tudo é
um exagero que pode trazer rigidez burocrata e até tirania. De acordo com o
psiquiatra, a disciplina está diretamente associada à responsabilidade, motivo
por que exige bom senso para compreender quando ela é essencial, quando é
efetiva e quando é inconveniente.
O próprio lama
Kalden admite ter uma mente que, por natureza, se distrai e, por isso, precisa
ser disciplinada. Mas desenvolveu uma disciplina sem rotina, sem ser maçante. À
parte os seus compromissos de estudo e discipulado no templo e suas horas de
meditação, o lama não tem horário certo para acordar ou dormir.
“A vida não
tem ensaio e torná-la dura não é um objetivo que traga felicidade. É preciso
ser flexível. Métodos disciplinares duros frustram e desestimulam. Se for
preciso ler um livro, pare tudo, desligue o telefone eleja”, explica ele.
Mente sã
0k. A
disciplina para tarefas até que é fácil de ser implementada. Algumas tarefas
requerem isolamento, outras vigilância constante na agenda, outras apenas
vencer a inércia, os primeiros passos. Mas, e a disciplina de espírito? Como
descongestionar a mente, colocá-la no eixo? Uma estratégia recomendada pelo
lama para disciplinar a mente é a meditação.
Porém, o lama
Kalden chama atenção para alguns conceitos errôneos da meditação. “A idéia que
se tem de pensar em um campo com flores e borboletas como meditação é errada.
Isso é relaxamento. Meditar é entrar em contato consigo mesmo. Separar o bom do
nefasto. Trazer a mente mais clara para o cotidiano. Levar à transformação, à
calma. Nós temos venenos mentais. É preciso olhar para si mesmo com carinho,
como se cuida de uma planta”, diz.
Como se faz
isso? O lama Kalden ensina o seguinte exercício: na hora de dormir, sente-se na
cama e traga presente tudo o que fez durante o dia com sinceridade. Tudo mesmo.
E avalie.
No final, traga à sua mente a grande amiga, a
morte (“A mente pensa que é imortal e pode perder tempo com coisas sem importância,
em vez de saborear laços de amor e amizade, que são o que importa”, detalhou
lama).
“Segundo Buda, a vida tem o mesmo significado
de uma bolha de água. Se uma situação o aflige ou o irrita, pense: se eu morrer
agora, isso tem importância?”, questiona. “Esse tipo de meditação leva à
disciplina, a uma mente mais ativa. Todos os males que afligem a sociedade hoje
- obesidade, estresse, depressão - existem porque as pessoas estão ausentes de
si mesmas, desconectadas. Falta prestar atenção em si mesmas. Sem objetivo não
há disciplina”, complementa.
Fuja do
superficial
O lama chama
atenção para a frivolidade dos tempos modernos. “A verdadeira disciplina é
interna. Há situações em que é preciso seguir uma rotina, mas a verdadeira
disciplina é interna, independe de rituais. A disciplina rígida pode se
mecanizar e se tornar vazia. As pessoas tentam viver uma vida emprestada. Andam
em bloco, sem sentido. É preciso ser um samurai interno. Manter a mente clara
em todos os momentos. Tudo para nós é um problema e a culpa é sempre dos
outros. Todo mundo acha que não merece as
Você tem
capacidade para manter a disciplina?
Veja o que
acontece ao seu redor.
Entrar em
forma :
54% dos novos
atletas só treinam regularmente no primeiro mês.
45% desistem
antes do fim do primeiro mês.
2% dos recém-inscritos continuam a treinar regularmente
Perder peso
35% aguentam seis
meses de regime e depois desistem
27% desistem
no primeiro mês
2% conseguem
ultrapassar o primeiro ano e manter os novos hábitos saudáveis de - alimentação
Parar de
fumar.
5% conseguem
parar com ajuda especializada
1%consegue
parar apenas com sua força de vontade.
30% fracassam
antes de completar um ano
35% desistem
no Primeiro mês.
Vencer! ABRIl
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