A Mais alta Vontade de Deus
“Quando uma pessoa dirige sua mente para
alguma coisa, sua essência retorna para ela (...) Conforme a força de sua
concentração, ela poderá então transmitir poder mediante seu desejo (...)
“Quando
não houver outro pensamento ou desejo misturado com sua concentração, ela pode
tornar-se tão poderosa, que poderá transmitir uma influencia do Infinito (En Sof)”. O texto nos diz que enfocar a vontade com poder suficiente para elevar
um objeto de desejo ao infinito, torna-se um canal pelo qual uma influência recíproca
do infinito pode ser transmitida, e com poder de atender a esse desejo.
O passo seguinte, e o mais importante,
desse processo espiritual distingue verdadeiramente a prática do mestre:
Um indivíduo ascende assim com o poder
de sua concentração de uma coisa para a próxima, até atingir o infinito (En Sof).
Ele precisa, então, dirigir sua
concentração da maneira apropriada para aperfeiçoá-la, e assim a Mais Alta
Vontade poderá envolver a dele, e não apenas que sua vontade possa ser
envolvida na Mais Alta Vontade (...)
A Mais Alta Vontade e a menor estarão
assim unificadas. O indivíduo identifica a si mesmo com a sua ligação à Unidade.
O influxo divino pode então ser transmitido com o objetivo de aperfeiçoá-lo.
O desejo mais baixo não é perfeito quando
o indivíduo busca suas próprias necessidades. Preferencialmente, ele precisa avizinhar-se
enquanto está envolvido na vontade e desejo de obter a revelação oculta no
Mistério velado.
Quando alguém se aproxima dessa maneira,
da Mais Alta Vontade faz-se presente junto a ele. Isso aumenta seu poder e
motiva sua vontade até que tenha conseguido qualquer coisa que seja.
Esta vontade inclui até mesmo coisas que
esse alguém deseja para si mesmo, nas quais a Mais Alta Vontade não tem
qualquer participação.
Enquanto a maior parte dos ensinamentos
espirituais é dirigida somente para a consecução da união divina na qual o
indivíduo será envolvido na Mais Alta Vontade, a prática que é ensinada aqui
retém e então dirige a vontade do mestre para “que a Mais Alta Vontade
envolva-se na sua”.
Em vez de dissolver sua vontade no
êxtase do infinito, o aspirante ao mestrado espiritual é ensinado a aperfeiçoar
sua vontade ligando-se a essa unificação com a vontade mais alta, não como uma
consumação final, mas “para obter a revelação do que está oculto no Mistério
velado”.
Como o trabalho conclui a seguir: “Esse
é um dos caminhos da profecia. Alguém que se acostuma a ele será merecedor de
atingir o nível profético”. O mestre é alguém cujas palavras e obras “revelam a
identificação” de um indivíduo com o poder divino, e seu propósito é
aperfeiçoar-se como um instrumento da revelação divina.
Tal instrumento “pode conseguir qualquer
coisa”, mas apenas enquanto não usar seu poder de concentração “para suas
próprias necessidades”.
Ainda, se sua vontade é convenientemente
dirigida para a revelação da Mais Alta Vontade trabalhando por meio de todas as
suas palavras e obras, seus desejos pessoais purificados também serão atendidos
e seus atos, reconhecidos.
O
mestre é alguém que pode realizar milagres pelo poder de sua concentração.
Abulafia também fala do “mistério da verdadeira disciplina, pela qual as leis
da natureza podem ser alteradas”.
Para Abulafia o mistério dessa verdadeira disciplina
envolve três coisas: um processo de harmonização que pode iniciar o influxo
divino, seguido por um processo empregando palavras e símbolos visuais —
influxo, símbolos e palavras.
Define esses três elementos da meditação
do mestre e relaciona-os à descrição talmúdica da prática espiritual dos
antigos hassidim na Mishna, Berakhot 5, 1:
O
indivíduo precisa estar “vestido” no espírito (Ruach), expressando sua
concentração com palavras e realizando um ato simbólico.
De acordo como ele faz isso, o fluxo será transmitido de potencial para potencial,
de cansa para causa, até que o resultado esteja realizado conforme seu desejo.
Era
dessa maneira que os antigos [santos] demoravam uma hora antes de rezar.
Durante esse período, eles dissipavam todos os pensamentos, fixando-se nos
caminhos de sua concentração e no poder de seu direcionamento.
Depois,
eles passavam uma hora em prece, expressando verbalmente sua concentração em
palavras. Finalmente, ficava,,!, uma hora depois (te suas preces, contemplando
como o poder de sua concentração verbalmente expressa poderia trazer um efeito visível”.
A
sentença com a qual essa referência começa define os três elementos essenciais
da meditação de transformação. Para mudar o curso de eventos ou “alterar as
leis da natureza”, o mestre precisa sentir-se envolvido pelo espírito e focar
esse espírito com palavras, enquanto “realiza um ato simbólico”.
O significado dessa última frase parece
sugerir o uso da imaginação para simbolizar os resultados desejados
visualmente.
Dependendo
do poder que ele for capaz de focar seu espírito por meio de palavras e
símbolos visuais, “o influxo será transmitido de potencial para potencial, de
causa para causa, até que o resultado esteja realizado conforme seu desejo”.
Disso parece claro que o Mestre Ruach pode
alterar os efeitos da causalidade despertando certas potencialidades que de
outra forma ficariam dormentes mesmo que disponíveis no reino das
possibilidades.
Seu poder envolve uma maestria da quinta
dimensão da Providência, uma dimensão que influencia a aparente imprevisibilidade
de eventos que tragam um resultado desejado, consistente com a justiça e que
podem ser trabalhados por meio das possibilidades improváveis nos limites
máximos da curva da probabilidade.
No
primeiro parágrafo do texto referenciado, os três elementos parecem ser
simultâneos. Com um espírito apropriadamente harmonizado, o mestre visualiza um
resultado desejado e decreta sua manifestação com palavras como “Deixe
estar...”
Mas a referência às três horas de prática
meditativa dos antigos hassidim, aludindo em parte ao Talmude, em relação aos
três elementos do processo em três estágios, parece acrescentar um degrau.
Aqui a visualização não acompanha as
afirmações verbais, mas aparece em resposta a uma prece verbalizada, como uma
resposta simbólica a uma questão e guiando para ações futuras.
Como o Sha’ar haKavanah começa com instruções
de visualização da luz, concluímos que ele também entende que o primeiro
estágio do processo. pelo qual os hassidim ficavam uma hora fixando os caminhos
de sua concentração envolvia o enfoque da imaginação em um propósito
específico.
Parece, então, que há duas visualizações
separadas. A primeira, a visualização de um problema independentemente se é
interno ou externo, que impede a perfeição espiritual, uma remessa verbal desse
problema ao infinito;
e uma segunda revisualização da solução
transmitida que precisa ser interpretada para adquirir potência, como afirmado
anteriormente por Abulafia.
Ele tinha apresentado também sua visualização
inicial de Deus e seus anjos como uma ajuda para a recepção da mensagem divina,
que poderia chegar por meio do que “o coração imagina”, isto é como uma segunda
visualização.
Os
mestres da meditação kabbalística, cujos trabalhos examinamos, transmitem o
mesmo entendimento essencial de meditação como uma disciplina adequada não
exclusivamente para a purificação espiritual com o propósito da eterna união
com Deus, mas com o propósito de canalizar a energia divina para o reino humano
como uma maneira de aperfeiçoá-lo.
Ela não é adequada para a dissolução da
personalidade, mas à aquisição da personalidade transformada do mestre
espiritual que nas palavras do Sha ‘ar ha-Kavanali, “pode conseguir qualquer
coisa”.
Nesses
textos clássicos sobre meditação kabbalística que estivemos examinando, a alma
do meditador é sempre representada subindo, em algum estágio no processo, ao
nível do infinito.
Apesar de Abulafia não distinguir entre os
níveis Ruach e Neshamah e incluir todos os níveis de meditação no Olam ha-Bah,
é ainda verdade que algumas experiências e poderes descritos por ele e por
outros vão para além do nível do quinto mundo do Olam ha-Tikun, aquele do
verdadeiro Olam ha-Bah.
Mais
tarde, entenderemos completamente que o poder final de Ruach só pode ser
utilizado por um mestre Neshamah, e, provavelmente, só um mestre dessa
categoria poderá despertar os miraculosos efeitos de todo o sistema Ruach.
No entanto, pareceria que os efeitos
miraculosos de tal mestre seriam executados mais por mecanismos do quinto mundo
do que do sexto.
Como o Messias precisa se unir a uma
comunidade pronta para liberar seus mais altos poderes, assim também precisa o
mestre Neshamah, que deve trazer um novo processo histórico, vestindo a Mais
Alta Vontade e revisualizando os efeitos desejados com sua imaginação Ruach.
Nenhum comentário:
Postar um comentário