Disciplina e Castigo - Devo disciplinar meu filho?
Sim. A disciplina é indispensável para uma criança. A
disciplina é essencial para o crescimento e desenvolvimento sadios, integração
social e adaptação na escola, e constitui parte integrante do aprendizado, regras, regulamentos, leis e princípios
governam quase todas as atividades sociais, profissionais, intelectuais, seja nas
ciências, nas artes ou humanidades.
Quando falamos em
disciplina na infância, tratamos de um processo semelhante. Não quero divagar,
mas desejo frisar o significado da disciplina em seu sentido mais lato para
separá-la do castigo — termo que muita gente confunde com a disciplina.
As regras, regulamentos e expectativas que regulam a
conduta de seu filho constituem a disciplina. Ensinar seu filho a seguir as
regras e regulamentos o ajuda a adaptar-se ao mundo e a ter um comportamento
socialmente aceitável.
Desse modo o seu
filho aprende a ter noção dos direitos dos outros e a respeitar esses direitos
com empatia e inteligência. Além disso, a disciplina ajuda a voltar a atenção
de seu filho para além de si, de modo que ele não funcione unicamente em termos
de seus próprios impulsos, sem considerar os sentimentos dos outros.
A disciplina tem muitas outras funções, na criança em
crescimento. Estabelece que o mundo é um lugar organizado e que limitações
consistentemente organizadas tornam as coisas previsíveis.
A disciplina dá
uma estrutura e contribui para uma estabilidade compreensível. A linguagem, por
exemplo, é um tipo de organização que tem suas regras e regulamentos e
contribui para a comunicação entre as pessoas.
Muitas vezes nos referimos a um ramo especializado de
estudos, como a física ou química, como uma “disciplina”, pois esse ramo encerra
uma série de princípios, conceitos e leis que facilitam a comunicação entre os
estudiosos de maneira significativa. Sem a disciplina, regras, limitação não há
comunicação, só o caos.
Quero frisar o fato de que a disciplina não é sinônimo
de castigo. Esses dois termos são muito confundidos, quando se descreve o jeito
dos pais lidarem com as crianças.
Embora o castigo seja, basicamente, diferente da
disciplina, sua existência está implícita no conceito da disciplina. O castigo
é uma espécie de “multa”, ou o preço que você paga, por se desviar das regras e
regulamentos estabelecidos.
Disciplinar o seu filho mostra a ele que você se preocupa com o comportamento dele e com a maneira de agir. Instituir a disciplina para seu filho e aplicá-la pode ser considerada uma expressão de amor.
A criança média interpretará a falta de disciplina como uma indicação de que você não liga para ela. Mas é pré-requisito para bem disciplinar seu filho que ele saiba que você gosta dele.
Quando o meu filho estará pronto para ser disciplinado?
Seu filho estará pronto para ser disciplinado quando começa
a engatinhar, a andar e a se movimentar em seu ambiente. Ele estará começando
a controlar os seus movimentos, apanhando as coisas, se quiser, ou largando-as,
se quiser.
Embora o preparo físico de seu filho seja uma condição importante
para se impor a disciplina, talvez a necessidade mais vital seja que o seu
filho tenha sentido uma sensação profunda e sincera de amor e segurança nos
adultos importantes em sua vida, cm quem ele se habituou a confiar.
Como já observei, a disciplina, não-só não adianta na primeira
infância, como também pode impedir que seu filhinho crie Um sentido de
confiança nos outros.
Se seu filho não
alimentou um sentimento de confiança nos pais, será difícil, se não impossível,
para você discipliná-lo. A disciplina exige que a criança tenha experimentado
uma sensação de amor, e é o calor deste sentimento que impele o seu filho a
seguir as regras e regulamentos que você estabelece. Afinal de contas, se seu Filho
não conheceu o amor dos pais, ele terá pouco a perder Ele não procurar
satisfazer a suas expectativas.
Sou eu a pessoa mais indicada para disciplinar o meu
filho?
As pessoas mais indicadas para disciplinar qualquer criança
são aquelas em quem ela confia, as que lhe ofereceram proteção e que
satisfizeram suas necessidades.
Os adultos que
gostam de uma criança são, de longe, as pessoas mais indicadas para
discipliná-la. Como os pais são geralmente as pessoas por quem a criança tem
esses sentimentos em mais alto grau, são geralmente eles que devem ser os
disciplinadores mais eficazes.
Não pretendo diminuir os seres humanos referindo-me aos
cães, mas a maior parte das pessoas reconhecem que a melhor pessoa para
treinar um cão é aquela em quem o cão mais confia, aquela que o alimenta e
cuida dele. O cão obedece a essa pessoa a fim de manter o calor do
relacionamento e para garantir que os prazeres provenientes desse
relacionamento continuem.
Da mesma forma,
quando a criança sabe que seus pais a amam, tem uma forte tendência para
obedecer às regras disciplinares a fim de conservar aquele amor. Mas para que a
criança tema até uma perda temporária do amor dos pais, é preciso que ela saiba
o que é esse amor.
A criança necessita aprender a lidar com as frustrações e limites.
Quer dizer que meu relacionamento íntimo com meu filho
me torna um bom disciplinador?
Sim. Porque você é capaz de negar o amor e carinho que
seu filho deseja, como reação a um procedimento inaceitável.
Para poder estabelecer limites e ensinar regras e
regulamentos, isto é, disciplinar, é essencial que você tenha uma estrutura,
tanto de recompensas quanto de privações, para ajudar seu filho a reconhecer e sentir
a «relação entre a maneira dele proceder e as regras que ele deve seguir.
A estrutura
recompensa-privação mais eficaz baseia-se nas reações do pai ou mãe diante dos
atos do filho. Quando seu filho se comporta bem, você pode e deve demonstrar
seu orgulho e prazer, em relação ao que ele faz.
Se ele não se
comporta como você espera, você pode demonstrar seu desagrado e aborrecimento.
Acredite-me, se seu filho foi feliz como bebê, se teve suas necessidades atendidas
e firmou sua confiança nas pessoas, especialmente em você, ele toma
conhecimento de sua reação negativa, seu aborrecimento, o que lhe parecerá uma
perda temporária do amor dos pais.
Você tem de
convencer-se da força de sua posição, como pai ou mãe, quando chega a hora de
estabelecer uma estrutura de recompensa-privação baseada nas suas
reações. Essa configuração, motiva seu filho para um comportamento aceitável
por você. “Você me diz quem eu sou”
Aliás, o seu íntimo relacionamento com seu filho ajuda de outra maneira. Seus filhos são conhecidos por imitarem o comportamento de outras pessoas. A maioria dos pais sabe disso e age de acordo.
Por exemplo, têm
cuidado para não falar “palavrões” porque os filhos podem aprender. Se você
nunca disser “obrigada” ou “desculpe”, seu filho a imitará. As crianças imitam
mais as pessoas em quem mais confiam, aquelas que são sua principal fonte de
carinho, amor e segurança.
Isso deveria ser
você. Se, quando seu filho imitar os padrões de vida que você aprova, você
demonstrar maior afeto e aprovação, ele continuará nesse comportamento.
Ele estará, na verdade, incorporando-os a seu próprio
repertório de reações. Fazendo isso ele está criando hábitos de comportamento
social que são, por definição, aceitáveis aos outros, neste caso, a você. Não
só isso, mas também o seu filho está adotando uma norma dos regulamentos que
você lhe ensina e a está absorvendo.
Seu filho necessita de se adaptar as regras sociais para
ser aceito, admirado e considerado confiável. Uma criança agressiva, afasta os
amigos, e fica com a imagem social negativa e solitária.
Suponho que a disciplina interna seja boa?
Positivamente. Ajuda seu filho a estabelecer um sentido
do certo e errado e, ao fazer isso, contribui para um comportamento
civilizado. Com o tempo, o sentido do certo e errado de uma criança
transforma-se no que chamamos de consciência.
Uma consciência é, na verdade, um código de ética que
existe dentro de uma pessoa, e quando esse código é violado a pessoa tem
sentimentos de culpa.
Os sentimentos de
culpa, em potencial são extremamente importantes para controlar os impulsos. O
sentimento de culpa é extremamente desagradável, e isso serve para motivar as
pessoas a evitarem fazer as coisas que não são aceitáveis à sua consciência.
Se uma criança crescer sem adquirir uma consciência
eficaz, se lhe falta uma série de valores internos, ela terá uma tendência para
seguir os seus impulsos, sem considerar os prejuízos para os outros, e assim
será marginalizado socialmente.
Geralmente a única preocupação que tem uma pessoa “sem
consciência” é o risco de ser apanhada e castigada.
Ela não tem noção do certo e errado. Muitas vezes seu
comportamento é inaceitável, tanto para os indivíduos quanto para a sociedade
em geral.
Pode me citar um exemplo de disciplinador em ação?
Certamente. O exemplo que escolhi é o de uma criancinha
de pouco menos de um ano, mas o princípio descrito aplica-se a toda a infância.
Seu bebezinho que está começando a engatinhar encontra uma tomada elétrica.
Ele demonstra uma
curiosidade normal e natural e começa a meter os dedos nos buracos. Você
provavelmente reagirá alteando a voz e dizendo “Não, não”, enfaticamente, com
uma expressão aborrecida no rosto para comunicar a seu filho que o
comportamento dele não é aceitável.
Sua própria reação é, não só aceitável, como poderá
também salvar a vida de seu filho. Quando você manifesta os seus sentimentos e
demonstra alguma reação, seu filho aprende o que pode e o que não pode fazer.
Mas deixe-me continuar com essa ilustração para mostrar que sua "primeira
reação é apenas o começo e não, como acreditam muitos pais, o fim.
O provável é que seu filho experimente tornar a meter os
dedos na tomada para ver se você terá a mesma reação. Claro que você deveria
tê-la.
Depois de tentar
meter os dedos nas aberturas, duas ou três vezes seguidas, seu filho poderá
tentar a outra mão, olhando bem para ver se você continua a desaprovar.
Acredite ou não, seu filho está procedendo como um cientista
bem disciplinado que está testando uma série de hipóteses para verificar o que
está provocando a sua reação.
Para continuar o
teste, a criança poderá engatinhar depressa para outra tomada de luz, no outro
lado da sala, e começar tudo de novo.
Se você ainda
estiver presente quando essa experiência for realizada e, se todas as vezes a
criança notar a mesma reação, esteja ela testando a tomada de um lado da sala
ou do outro, e quer esteja usando os dedos da mão esquerda, da direita, ou,
possivelmente, o cotovelo, ou talvez mesmo um objeto, seu filho acabará
entendendo que não deve meter nada em qualquer tomada.
Infelizmente, um pai ou mãe atarefados, muitas vezes não
perdem tempo em supervisionar as experiências de uma criança até ela chegar à
conclusão certa.
Nesse caso,
suponhamos que você tivesse saído da sala depois do primeiro episódio. Aí, é
provável que seu filho tenha aprendido, não que é inaceitável ele meter
os dedos na tomada, mas que é inaceitável fazer isso enquanto você está na
sala. Assim, quando uma lição dessas está sendo ensinada, você devia ficar com
seu filho o tempo suficiente para se certificar de que ele já experimentou
todas as possibilidades e que entende claramente quais são os seus sentimentos
e reações.
Em resumo, você deve ficar com ele até ter ensinado a seu filho o que quer que ele saiba. Dê tempo suficiente para que seu filho tenha a oportunidade de testar todas as possíveis combinações e permutas para estabelecer o que é aceitável e o que não é.
Na minha
experiência, uma criança que realiza uma série de tentativas como esta,
geralmente termina com um grande sorriso e um imenso senso de satisfação em ter
resolvido o mistério. Ele agora entende o que foi que causou a reação negativa
do pai.
Uma criança fica fascinada com esse tipo de aprendizagem
e chega mesmo a testar suas conclusões periodicamente para ver se encontra a
mesma reação do pai ou da mãe.
Ela não está
querendo fazer de sua vida um inferno, embora possa parecer, no momento. Está
simplesmente analisando o fato de poder provocar reações específicas nos
outros com o seu próprio comportamento.
Quando uma criança
entende que o seu comportamento tem um valor de estímulo para os outros, estará
muito mais propensa a usá-lo para provocar reações positivas nos outros,
em vez de reações negativas.
O motivo é que qualquer criança, conseguindo reações
positivas, restabelece sua sensação de ser amada porque as pessoas reagem ao
comportamento positivo de maneira positiva.
Não há dúvida que
qualquer criança aprecia as recompensas por um comportamento positivo.
Devo sempre disciplinar meu filho?
Sim. Em essência, a disciplina é a aplicação constante
das regras e regulamentos que você estabeleceu. Se você for volúvel e
inconstante cm estabelecer padrões para um comportamento aceitável, se você
não os exigir sempre, seu filho sentirá que suas regras são fracas.
Afinal de contas, se você trepa numa árvore, aprende logo
a se segurar e não deixar o pé escorregar. Você aprende isso porque, se não
aprender, você cai para baixo (nunca para cima) e se machuca (nunca é bom).
Você poderia pensar na disciplina como regras de comportamento
que são como as regras de um jogo. A constância em exigir as regras é muito
importante para conservar “o jogo”, e toda a criança que mudar as regras do
jogo para se beneficiar verificará:
o jogo pára porque
ninguém mais quer brincar. Na verdade, as crianças gostam de jogos que têm
regras, indicação bem evidente que as crianças não só gostam das regras, como
até as procuram. As atitudes das crianças entre si são muitas vezes resultado
de sua capacidade de seguir “as regras do jogo”.
Estabelecer regras e regulamentos tem outra função. Isso estabelece
uma certa previsibilidade entre a ação de uma criança e a reação do mundo. A
previsibilidade reduz a ansiedade e incerteza, pois muitas vezes ficamos
ansiosos apenas porque estamos inseguros e incapazes de fazer qualquer
previsão, com qualquer grau de certeza.
O que acontece se eu não for constante?
Se você não for constante em sua expectativa quanto ao
comportamento de seu filho, ele fica ansioso ou angustiado. Muitas vezes essa
ansiedade se manifesta por uma grande atividade e às vezes por uma
superatividade. Você é imprevisível. Ele se sente vulnerável e desprotegido.
Muitas e muitas
vezes já tratei de crianças que acham que os pais não gostam delas. Um exame
cuidadoso de seu comportamento revela suas tentativas de fazerem os pais
demonstrarem algum sentimento para com elas, até mesmo a raiva. Essas crianças
podem mesmo sentir que os pais não ligam o suficiente para elas, nem mesmo
para terem raiva delas.
Quando você é inconstante, o comportamento de seu filho
será, quase sempre, um mau comportamento, pois ele a estará testando, para ver
até onde você irá. Você pode achar que ele a está pondo louca, mas o intuito
dele não é incomodá-la.
Seu filho está simplesmente procurando as regras para
poder experimentá-las o suficiente para se certificar de que será protegido por
elas. Ele só poderá descansar quando achar que você é suficientemente forte e interessada
por ele para lhe demonstrar, por sua coerência e constância, que gosta dele.
Os problemas que surgem devido à disciplina inconstante que
às vezes são criados, não porque os pais sejam inconstantes ao tratar a
criança, mas porque de vez em quando permitem que outras pessoas estabeleçam
regras e regulamentos.
Essa inconstância ocorre quando uma ama-seca estabelece
regras e regulamentos, ou quando os avós tomam conta de uma criança, ou quando
você dá ouvidos a outras pessoas que lhe dizendo como deve cuidar de seu filho.
Regras e regulamentos razoáveis promovem a disciplina. Se
as regras disciplinares que você estabelece são tão pouco realistas que você
não as pode exigir constantemente sem se sentir cruel, você certamente será
inconstante.
Não é raro, e é muitas vezes compreensível, que quando
você fique apoquentada com seu filho, imponha regras extremamente rígidas,
como “Se você não terminar o almoço, vai passar a tarde toda no quarto”.
Você verá que é extremamente difícil aplicar isto sem
sentir que está pondo seu filho numa cela solitária. Mas voltar atrás fará de
você um disciplinador inconstante.
Você se colocou numa alternativa: ser ou cruel ou
inconstante. Por esse motivo, os regulamentos que você estabelece devem ser
razoáveis, protetores e passíveis de serem impostos.
Primeira parte do texto.
Dr. Lee Salk
Livro - O que toda criança Gostaria que Seus pais Soubessem
Editora Record.
Postado por Dharmadhannya
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