quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Disciplina e Castigo - Devo disciplinar meu filho?

 





Disciplina e Castigo - Devo disciplinar meu filho?

Sim. A disciplina é indispensável para uma criança. A disciplina é essencial para o crescimento e desenvolvimento sa­dios, integração social e adaptação na escola, e constitui parte integrante do aprendizado,  regras, regu­lamentos, leis e princípios governam quase todas as atividades  sociais, profissionais, intelectuais, seja nas ciências, nas artes ou humanidades.

 Quan­do falamos em disciplina na infância, tratamos de um processo semelhante. Não quero divagar, mas desejo frisar o significado da disciplina em seu sentido mais lato para separá-la do casti­go — termo que muita gente confunde com a disciplina.

As regras, regulamentos e expectativas que regulam a conduta de seu filho constituem a disciplina. Ensinar seu fi­lho a seguir as regras e regulamentos o ajuda a adaptar-se ao mundo e a ter um comportamento socialmente aceitável.

 Desse modo o seu filho aprende a ter noção dos direitos dos outros e a respeitar esses direitos com empatia e inteligência. Além disso, a disciplina ajuda a voltar a atenção de seu filho para além de si, de modo que ele não funcione unicamente em termos de seus próprios impulsos, sem considerar os sentimentos dos outros.

A disciplina tem muitas outras funções, na criança em crescimento. Estabelece que o mundo é um lugar organizado e que limitações consistentemente organizadas tornam as coi­sas previsíveis.

 A disciplina dá uma estrutura e contribui para uma estabilidade compreensível. A linguagem, por exemplo, é um tipo de organização que tem suas regras e regulamentos e contribui para a comunicação entre as pessoas.

Muitas vezes nos referimos a um ramo especializado de estudos, como a fí­sica ou química, como uma “disciplina”, pois esse ramo en­cerra uma série de princípios, conceitos e leis que facilitam a comunicação entre os estudiosos de maneira significativa. Sem a disciplina, regras, limitação não há comunicação, só o caos.

Quero frisar o fato de que a disciplina não é sinônimo de castigo. Esses dois termos são muito confundidos, quando se descreve o jeito dos pais lidarem com as crianças.

Embora o castigo seja, basicamente, diferente da disciplina, sua existên­cia está implícita no conceito da disciplina. O castigo é uma espécie de “multa”, ou o preço que você paga, por se desviar das regras e regulamentos estabelecidos.

Disciplinar o seu filho mostra a ele que você se preocupa com o comportamento dele e com a maneira de agir. Instituir a disciplina para seu filho e aplicá-la pode ser considerada uma expressão de amor.



A criança média interpretará a falta de dis­ciplina como uma indicação de que você não liga para ela. Mas é pré-requisito para bem disciplinar seu filho que ele sai­ba que você gosta dele.

Quando o meu filho estará pronto para ser disciplinado?

Seu filho estará pronto para ser disciplinado quando co­meça a engatinhar, a andar e a se movimentar em seu am­biente. Ele estará começando a controlar os seus movimentos, apanhando as coisas, se quiser, ou largando-as, se quiser.

Embora o preparo físico de seu filho seja uma condição im­portante para se impor a disciplina, talvez a necessidade mais vital seja que o seu filho tenha sentido uma sensação profunda e sincera de amor e segurança nos adultos importantes em sua vida, cm quem ele se habituou a confiar.

Como já observei, a disciplina, não-só não adianta na pri­meira infância, como também pode impedir que seu filhinho crie Um sentido de confiança nos outros.

 Se seu filho não alimentou um sentimento de confiança nos pais, será difícil, se não im­possível, para você discipliná-lo. A disciplina exige que a cri­ança tenha experimentado uma sensação de amor, e é o calor deste sentimento que impele o seu filho a seguir as regras e regulamentos que você estabelece. Afinal de contas, se seu Filho não conheceu o amor dos pais, ele terá pouco a perder Ele não procurar satisfazer a suas expectativas.

Sou eu a pessoa mais indicada para disciplinar o meu filho?

As pessoas mais indicadas para disciplinar qualquer cri­ança são aquelas em quem ela confia, as que lhe ofereceram proteção e que satisfizeram suas necessidades.

 Os adultos que gostam de uma criança são, de longe, as pessoas mais indica­das para discipliná-la. Como os pais são geralmente as pessoas por quem a criança tem esses sentimentos em mais alto grau, são geralmente eles que devem ser os disciplinadores mais eficazes.

Não pretendo diminuir os seres humanos referindo-me aos cães, mas a maior parte das pessoas reconhecem que a me­lhor pessoa para treinar um cão é aquela em quem o cão mais confia, aquela que o alimenta e cuida dele. O cão obedece a essa pessoa a fim de manter o calor do relacionamento e para garantir que os prazeres provenientes desse relacionamento continuem.

 Da mesma forma, quando a criança sabe que seus pais a amam, tem uma forte tendência para obedecer às regras disciplinares a fim de conservar aquele amor. Mas para que a criança tema até uma perda temporária do amor dos pais, é preciso que ela saiba o que é esse amor.

A criança necessita aprender a lidar com as frustrações e limites.

Quer dizer que meu relaciona­mento íntimo com meu filho me torna um bom disciplinador?

Sim. Porque você é capaz de negar o amor e carinho que seu filho deseja, como reação a um procedimento inaceitável.

Para poder estabelecer limites e ensinar regras e regulamentos, isto é, disciplinar, é essencial que você tenha uma estrutura, tanto de recompensas quanto de privações, para ajudar seu filho a reconhecer e sentir a «relação entre a maneira dele pro­ceder e as regras que ele deve seguir.

 A estrutura recompensa-privação mais eficaz baseia-se nas reações do pai ou mãe dian­te dos atos do filho. Quando seu filho se comporta bem, você pode e deve demonstrar seu orgulho e prazer, em relação ao que ele faz.

 Se ele não se comporta como você espera, você pode demonstrar seu desagrado e aborrecimento. Acredite-me, se seu filho foi feliz como bebê, se teve suas necessidades aten­didas e firmou sua confiança nas pessoas, especialmente em você, ele toma conhecimento de sua reação negativa, seu abor­recimento, o que lhe parecerá uma perda temporária do amor dos pais.

 Você tem de convencer-se da força de sua posição, como pai ou mãe, quando chega a hora de estabelecer uma estrutura de recompensa-privação baseada nas suas reações. Essa configuração, motiva seu filho para um comportamento aceitável por você. “Você me diz quem eu sou”



Aliás, o seu íntimo relacionamento com seu filho ajuda de outra maneira. Seus filhos são conhecidos por imitarem o comportamento de outras pessoas. A maioria dos pais sabe disso e age de acordo.

 Por exemplo, têm cuidado para não falar “palavrões” porque os filhos podem aprender. Se você nunca disser “obrigada” ou “desculpe”, seu filho a imitará. As crianças imitam mais as pessoas em quem mais confiam, aque­las que são sua principal fonte de carinho, amor e segurança.

 Isso deveria ser você. Se, quando seu filho imitar os padrões de vida que você aprova, você demonstrar maior afeto e apro­vação, ele continuará nesse comportamento.

Ele estará, na ver­dade, incorporando-os a seu próprio repertório de reações. Fazendo isso ele está criando hábitos de comportamento social que são, por definição, aceitáveis aos outros, neste caso, a você. Não só isso, mas também o seu filho está adotando uma norma dos regulamentos que você lhe ensina e a está absorvendo.

Seu filho necessita de se adaptar as regras sociais para ser aceito, admirado e considerado confiável. Uma criança agressiva, afasta os amigos, e fica com a imagem social negativa e solitária.

Suponho que a disciplina inter­na seja boa?

Positivamente. Ajuda seu filho a estabelecer um sentido do certo e errado e, ao fazer isso, contribui para um compor­tamento civilizado. Com o tempo, o sentido do certo e errado de uma criança transforma-se no que chamamos de consciên­cia.

Uma consciência é, na verdade, um código de ética que existe dentro de uma pessoa, e quando esse código é violado a pessoa tem sentimentos de culpa.

 Os sentimentos de culpa, em potencial são extremamente importantes para controlar os im­pulsos. O sentimento de culpa é extremamente desagradável, e isso serve para motivar as pessoas a evitarem fazer as coisas que não são aceitáveis à sua consciência.

Se uma criança cres­cer sem adquirir uma consciência eficaz, se lhe falta uma série de valores internos, ela terá uma tendência para seguir os seus impulsos, sem considerar os prejuízos para os outros, e assim será marginalizado socialmente.

Geralmente a única preocupação que tem uma pessoa “sem consciên­cia” é o risco de ser apanhada e castigada.

Ela não tem noção do certo e errado. Muitas vezes seu comportamento é inaceitá­vel, tanto para os indivíduos quanto para a sociedade em geral.

Pode me citar um exemplo de disciplinador em ação?

Certamente. O exemplo que escolhi é o de uma criancinha de pouco menos de um ano, mas o princípio descrito aplica-se a toda a infância. Seu bebezinho que está começando a engati­nhar encontra uma tomada elétrica.

 Ele demonstra uma curio­sidade normal e natural e começa a meter os dedos nos buracos. Você provavelmente reagirá alteando a voz e dizendo “Não, não”, enfaticamente, com uma expressão aborrecida no rosto para comunicar a seu filho que o comportamento dele não é aceitável.

Sua própria reação é, não só aceitável, como poderá também salvar a vida de seu filho. Quando você manifesta os seus sentimentos e demonstra alguma reação, seu filho aprende o que pode e o que não pode fazer. Mas deixe-me continuar com essa ilustração para mostrar que sua "primeira reação é apenas o começo e não, como acreditam muitos pais, o fim.

O provável é que seu filho experimente tornar a meter os dedos na tomada para ver se você terá a mesma reação. Claro que você deveria tê-la.

 Depois de tentar meter os dedos nas aberturas, duas ou três vezes seguidas, seu filho poderá tentar a outra mão, olhando bem para ver se você continua a desapro­var.

Acredite ou não, seu filho está procedendo como um cien­tista bem disciplinado que está testando uma série de hipóteses para verificar o que está provocando a sua reação.

 Para con­tinuar o teste, a criança poderá engatinhar depressa para outra tomada de luz, no outro lado da sala, e começar tudo de novo.

 Se você ainda estiver presente quando essa experiência for rea­lizada e, se todas as vezes a criança notar a mesma reação, esteja ela testando a tomada de um lado da sala ou do outro, e quer esteja usando os dedos da mão esquerda, da direita, ou, possivelmente, o cotovelo, ou talvez mesmo um objeto, seu fi­lho acabará entendendo que não deve meter nada em qualquer tomada.

Infelizmente, um pai ou mãe atarefados, muitas vezes não perdem tempo em supervisionar as experiências de uma criança até ela chegar à conclusão certa.

 Nesse caso, suponhamos que você tivesse saído da sala depois do primeiro episódio. Aí, é provável que seu filho tenha aprendido, não que é inaceitável ele meter os dedos na tomada, mas que é inaceitável fazer isso enquanto você está na sala. Assim, quando uma lição dessas está sendo ensinada, você devia ficar com seu filho o tempo su­ficiente para se certificar de que ele já experimentou todas as possibilidades e que entende claramente quais são os seus sen­timentos e reações.


Em resumo, você deve ficar com ele até ter ensinado a seu filho o que quer que ele saiba. Dê tempo sufi­ciente para que seu filho tenha a oportunidade de testar todas as possíveis combinações e permutas para estabelecer o que é aceitável e o que não é.

 Na minha experiência, uma criança que realiza uma série de tentativas como esta, geralmente termina com um grande sorriso e um imenso senso de satisfação em ter resolvido o mistério. Ele agora entende o que foi que causou a reação negativa do pai.

Uma criança fica fascinada com esse tipo de aprendizagem e chega mesmo a testar suas conclusões periodicamente para ver se encontra a mesma reação do pai ou da mãe.

 Ela não está querendo fazer de sua vida um inferno, embora possa parecer, no momento. Está simplesmente analisando o fato de poder pro­vocar reações específicas nos outros com o seu próprio compor­tamento.

 Quando uma criança entende que o seu comportamento tem um valor de estímulo para os outros, estará muito mais propensa a usá-lo para provocar reações positivas nos outros, em vez de reações negativas.

O motivo é que qualquer crian­ça, conseguindo reações positivas, restabelece sua sensação de ser amada porque as pessoas reagem ao comportamento posi­tivo de maneira positiva.

 Não há dúvida que qualquer criança aprecia as recompensas por um comportamento positivo.

Devo sempre disciplinar meu filho?

Sim. Em essência, a disciplina é a aplicação constante das regras e regulamentos que você estabeleceu. Se você for volú­vel e inconstante cm estabelecer padrões para um comporta­mento aceitável, se você não os exigir sempre, seu filho sentirá que suas regras são fracas.

Afinal de contas, se você trepa numa árvore, aprende logo a se segurar e não deixar o pé escorregar. Você aprende isso porque, se não aprender, você cai para baixo (nunca para cima) e se machuca (nunca é bom).

Você poderia pensar na disciplina como regras de com­portamento que são como as regras de um jogo. A constância em exigir as regras é muito importante para conservar “o jogo”, e toda a criança que mudar as regras do jogo para se benefi­ciar verificará:

 o jogo pára porque ninguém mais quer brincar. Na verdade, as crianças gostam de jogos que têm regras, in­dicação bem evidente que as crianças não só gostam das regras, como até as procuram. As atitudes das crianças entre si são muitas vezes resultado de sua capacidade de seguir “as regras do jogo”.

Estabelecer regras e regulamentos tem outra função. Isso estabelece uma certa previsibilidade entre a ação de uma crian­ça e a reação do mundo. A previsibilidade reduz a ansiedade e incerteza, pois muitas vezes ficamos ansiosos apenas porque estamos inseguros e incapazes de fazer qualquer previsão, com qualquer grau de certeza.

O que acontece se eu não for constante?

Se você não for constante em sua expectativa quanto ao comportamento de seu filho, ele fica ansioso ou angustiado. Muitas vezes essa ansiedade se manifesta por uma grande ati­vidade e às vezes por uma superatividade. Você é imprevisível. Ele se sente vulnerável e desprotegido.

 Muitas e muitas vezes já tratei de crianças que acham que os pais não gostam delas. Um exame cuidadoso de seu comportamento revela suas ten­tativas de fazerem os pais demonstrarem algum sentimento para com elas, até mesmo a raiva. Essas crianças podem mes­mo sentir que os pais não ligam o suficiente para elas, nem mesmo para terem raiva delas.

Quando você é inconstante, o comportamento de seu fi­lho será, quase sempre, um mau comportamento, pois ele a estará testando, para ver até onde você irá. Você pode achar que ele a está pondo louca, mas o intuito dele não é incomo­dá-la.

Seu filho está simplesmente procurando as regras para poder experimentá-las o suficiente para se certificar de que será protegido por elas. Ele só poderá descansar quando achar  que você é suficientemente forte e interessada por ele para lhe demonstrar, por sua coerência e constância, que gosta dele.

Os problemas que surgem devido à disciplina inconstan­te que às vezes são criados, não porque os pais sejam inconstantes ao tratar a criança, mas porque de vez em quando permitem que outras pessoas estabeleçam regras e regulamentos.

Essa inconstância ocorre quando uma ama-seca estabelece regras e regulamentos, ou quando os avós tomam conta de uma crian­ça, ou quando você dá ouvidos a outras pessoas que lhe dizendo como deve cuidar de seu filho.

Regras e regulamentos razoáveis promovem a disciplina. Se as regras disciplinares que você estabelece são tão pouco realistas que você não as pode exigir constantemente sem se sentir cruel, você certamente será inconstante.

Não é raro, e é muitas vezes compreensível, que quando você fique apoquen­tada com seu filho, imponha regras extremamente rígidas, como “Se você não terminar o almoço, vai passar a tarde toda no quarto”.

Você verá que é extremamente difícil aplicar isto sem sentir que está pondo seu filho numa cela solitária. Mas voltar atrás fará de você um disciplinador inconstante.

Você se colocou numa alternativa: ser ou cruel ou inconstante. Por esse motivo, os regulamentos que você estabelece devem ser razoáveis, protetores e passíveis de serem impostos.

Primeira parte do texto.

Dr. Lee Salk

Livro - O que toda criança Gostaria que Seus pais Soubessem

Editora Record.

Postado por Dharmadhannya


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