O poder da nova meditação
No momento em que cada
vez mais pessoas vivem sob pressão e estresse constantes, ganha força no Brasil
o Mindfulness, técnica criada nas universidades, que pode ser praticada em casa
e até no trabalho e auxilia em tratamentos de saúde
Fabíola Perez e Camila
Brandalise
https://istoe.com.br
Você já lavou a louça
prestando atenção somente no movimento das mãos? Ou tomou banho experimentando
a sensação do sabonete ao tocar sua pele? Caminhou sentindo os pés pisarem no
solo? A grande maioria das pessoas certamente responderia não a essas questões
– e provavelmente as achariam tolas.
Em um mundo cada vez mais acelerado, que
exige respostas instantâneas, e onde ninguém tem tempo para nada, práticas
cotidianas como as citadas acima são feitas no “piloto automático”.
Em
contrapartida, médicos e psicólogos confirmam que nunca houve tanta gente
sofrendo de estresse, ansiedade e depressão. Número que cresce de forma
assustadora, à medida que o mundo acelera, as demandas aumentam e o dia
continua com as mesmas e insuficientes 24 horas.
Com isso, estar atento ao
momento presente se tornou quase impossível. Em busca de aliviar o estresse
opressivo ou até não entrar em colapso, cada vez mais pessoas têm lançado mão
da meditação. Mas de um novo tipo, diferente daquela associada a denominações
religiosas, praticada em ambientes imaculados e tranquilos.
Nascido em
prestigiosas universidades dos Estados Unidos e da Europa, o Mindfulness,
chamado também de consciência ou atenção plena, está causando uma revolução no
jeito de se meditar. Por meio de exercícios de respiração e concentração, a
técnica ajuda a combater os males da nossa época de uma forma simples e pode
ser adotada em todas as ações do cotidiano.
Além disso, pesquisadores confirmam
seus efeitos positivos à saúde. Já famoso internacionalmente, o Mindfulness
ganhou força no Brasil e começa a ser estudado e aplicado em universidades,
consultórios e também no Sistema Único de Saúde (SUS).
Ao contrário das
meditações que exigem posições específicas, o Mindfulness tem como objetivo
estimular o cérebro a perceber os movimentos do corpo e as sensações em qualquer
situação. A apresentadora Fernanda Lima, 38 anos, medita há 16, desde que
começou a praticar ioga.
O dia a dia corrido não a impede de meditar. Ela conta
que antes de dormir, tira o travesseiro da cama, fica com o corpo reto e faz os
exercícios de respiração. Essa é uma das técnicas mais utilizadas pelo
Mindfulness. Trata-se do “escaneamento corporal”, quando uma pessoa fica na
posição horizontal e é estimulada a sentir todas as partes do corpo por meio da
mente e da respiração. Segundo ela, os brasileiros precisam desmistificar a
meditação.
“Tento explicar que o objetivo é entrar em contato com os
pensamentos, manter a respiração e organizar pensamentos por prioridades.”
Fernanda também adotou o hábito de meditar pela manhã, antes de começar suas
atividades. “Comprei um banquinho e fico respirando por 10 minutos, depois
disso me sinto renovada.”
As pesquisas sobre
Mindfulness começaram em 1979, na Universidade de Massachussets, nos Estados
Unidos. O médico Jon Kabat-Zinn desenvolveu um programa para reduzir o estresse
baseado na prática.
O método também foi estudado na Universidade de Oxford, na
Inglaterra. “Foi o avanço científico que permitiu o boom que estamos vendo
hoje”, afirma o psicólogo clínico Marcelo Batista de Oliveira, do Centro
Paulista de Mindfulness.
Aos poucos, conforme os estudos avançavam, os
especialistas percebiam que esse tipo de meditação, que surgiu no meio
acadêmico e era desvinculado de qualquer religião, conseguia reduzir os níveis
de estresse e ansiedade dos pacientes. O segredo era colocar na rotina práticas
diárias para exercitar o “estar presente”.
Pioneira nos estudos dos benefícios
do Mindfulness no cérebro, a neurocientista norte-americana Sara Lazar
detectou, em 2005, que o córtex pré-frontal – a área do cérebro responsável
pela concentração, memória e tomada de decisões – era mais estimulada no grupo
de pessoas que faziam meditação.
Em 2011, um segundo estudo revelou que as
práticas meditativas provocam um aumento de volume em regiões da mente
relacionadas à regulação emocional, à empatia e à cognição. Logo, o método
avançou para outros países e chegou ao Brasil em 2006.
Um dos primeiros nomes a
investigar os efeitos do Mindfulness aplicado à saúde foi a neurocientista
Elisa Kozasa, pesquisadora do Hospital Israelita Albert Einstein. “Hoje
existem diferentes estudos para redução de estresse, ansiedade, dor crônica e
prevenção de recaídas para usuários de drogas”, diz ela.
Com isso, a nova
meditação também ganhou força como técnica integrativa aos tratamentos de saúde
convencionais. Desde setembro de 2015, as práticas de Mindfulness começaram a
ser oferecidas pelo programa de extensão da Universidade Federal de São Paulo,
em parceria com o SUS, no Centro Brasileiro de Mindfulnes e Promoção da Saúde.
O coordenador do programa, Marcelo Demarzo explica que a principal aplicação da
técnica é prevenir recaídas em casos de ansiedade, dor crônica e depressão.
“As
práticas diminuem em até 50% a chance de voltar a sentir esses males”, diz. “A
pessoa se coloca como observador de si mesmo e faz uma espécie de
desintoxicação do pensamento.” Funciona assim: as Unidades Básicas de Saúde
enviam pacientes para fazer exercícios da prática. Eles passam por uma análise
inicial, na qual é avaliado o grau de ansiedade, o estilo de vida e o uso de
medicamentos. Com isso, eles podem ou não começar o curso de oito sessões.
A psicóloga Malu
Favarato, 51 anos, conheceu o Mindfulness no ano passado. Ela trabalha como
voluntária na triagem de pacientes para o curso. “Para quebrar a rotina de
estresse e sair do piloto automático faço algumas práticas por 20 minutos”, diz
ela.
“No começo era mais difícil, hoje me concentro na respiração com mais
facilidade, levo a atenção para onde tenho dores.” A irmã e artista plástica,
Milene, de 46 anos, tem transtorno bipolar e crises de depressão. Com a ajuda
de Malu, fez o curso em outubro. “Em 2014, fui diagnosticada com artrose
cervical, tomava antidepressivo, estabilizador de ânimo e ansiolítico”, afirma.
Hoje a medicação já foi reduzida pela metade. “Mudou meu estilo de vida”, diz.
A pesquisadora da Unifesp, Isabel Weiss, explica que esse é o objetivo da
técnica. “São exercícios de respiração para acalmar. Os pacientes conhecem suas
necessidades por meio do próprio corpo.”
No Brasil, Isabel foi a
primeira a estudar os efeitos do Mindfulness para a prevenção de recaídas em
usuários de drogas e fumantes. Nesses casos, foram desenvolvidas práticas
específicas como o exercício “surfando na fissura”, no qual o usuário é
conduzido a uma situação de desconforto e aprende a lidar com a onda de emoções
do momento até passar. “Tendemos a reagir negativamente sempre”, diz.
Atraída
pelas práticas de atenção plena, a dermatologista Carolina Marçon fez o curso
da Unifesp em novembro. “Nossas reações ocorrem baseadas na memória que
temos de um fato e não no fato em si”, afirma. “Essas técnicas nos ancoram no
momento presente.” Para ela, a meditação ajudou a tomar decisões sem uma carga
emocional tão elevada, a ter mais discernimento e clareza.
Hoje, recomenda o
Mindfulness em seu consultório para ampliar os efeitos do tratamento
convencional. “A pele está totalmente ligada às questões emocionais e ao
sistema nervoso”, afirma. Nos EUA, existem casos de pacientes com psoríase que
responderam melhor ao tratamento com a meditação.
O Mindfulness também
está sendo adotada no universo corporativo. “Para garantir a qualidade de vida,
prevenir o burnout (ponto máximo de estresse) e desenvolver estratégias de
liderança, a meditação é muito eficiente”, diz Demarzo, da Unifesp.
Embora
ainda precise ser mais difundido, o método praticado nas empresas, e mais
disseminado entre profissionais da saúde, ajuda a desenvolver habilidades
cognitivas importantes. Com um dia corrido, que exige ir de uma academia à
outra para dar aulas, a personal trainer e professora de fitness Lara Magnet
Dias, 41 anos, conta que a rotina de trabalho sempre lhe gerou ansiedade.
“Me
cobrava muito”, diz. Ao conhecer o Mindfulness, a maneira de lidar com a rotina
mudou. “O meu dia é tão agitado quanto antes, mas lido de maneira diferente,
com menos cobrança”, afirma. Lara também conta que dá mais valor aos momentos
em que está com a filha, Isabela, de 2 anos.
Para o relações
públicas Mateus Furlanetto, 37 anos, conhecer o método também ajudou no
trabalho, mas ele aponta outro viés. “O que mais senti foi que consegui tirar
de mim o sentimento de culpa por não estar fazendo e produzindo mil coisas”,
diz.
“Também acredito que hoje consigo dar uma dimensão real aos problemas, sem
ampliá-los.” Para a empresária Fernanda Prando Godoy, 47 anos, meditar é tão essencial
que ela tira um tempo no próprio escritório para a prática.
“Sou uma pessoa
ansiosa, lido com prazos e com pressão. Tento meditar duas vezes por dia, por
30 minutos.” Mas a experiência, claro, teve reflexos além da área profissional.
“Hoje presto mais atenção na comida, coisa que nunca tinha feito. Noto a cor, o
cheiro.” O bom da técnica é que não são necessários cursos dispendiosos e
demorados para aprendê-la. Há uma série de aplicativos bastante didáticos
disponíveis (leia ao lado).
Por ter nascido em
universidades e longe de um contexto religioso, o Mindfulness não impõem
condições aos novos adeptos da prática. Não há contraindicação e a experiência,
dizem os especialistas e praticantes, é única e individual. Os benefícios
surgem quando menos se espera. “Percebi o efeito da prática num dia que tive
uma discussão com um cliente por telefone.
Eu desliguei e o problema foi
desligado junto. Em outros tempos, ficaria ruminando aquela situação por
horas”, diz a empresária Fernanda Godoy. Ainda que as práticas de meditação
sejam inúmeras e existam há milhares de anos, entender os mecanismos de como
elas funcionam, a partir do espectro neurocientífico, é o que tem feito a nova
meditação prosperar.
“A ciência do Mindfulness avançou de uma tradição
misteriosa para uma prática secular, benéfica e tão simples quanto escovar os
dentes pela manhã”, afirma a neurocientista Claudia Aguirre, do aplicativo
Headspace.
Foto: Ale de Souza,
João Castellano/Istoé; Airam Abel, Airam Abel; João Castellano/Istoé
Postado por Dharmadhannya
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