Este
texto é muito profundo e nos fala dos nossos desejos, da nossa vontade.
Se
observarmos o que falamos, o que queremos e nossa carência, podemos observar a
direção dos nossos desejos.
Nossa sorte está com os nossos desejos, com nossas palavras e afirmações.
Seja feita a vontade de Deus dentro de mim.
Amem"
Dharmadhannya
Um desejo entre noite.]
Star light, star bright,
First star I see to?iight,
I wish I may I wish I might,
Have the wish I wish tonight.
[Estrela,
estrelinha,
primeira estrela desta noite,
me conceda, me conceda,
um desejo entrenoite.]
primeira estrela desta noite,
me conceda, me conceda,
um desejo entrenoite.]
—
PEDIDO TRADICIONAL A ESTRELA CADENTE
Cinco
lições de desejadores sábios
Paz,
alegria, orientação, fé e amor.
Em
nossas entrevistas com pessoas do mundo inteiro sobre os seus desejos, esses
cinco aspectos da vida encontravam-se sistematicamente na base de seus desejos.
Em
meus dez anos de conversa com mais de dois mil pacientes e pessoas de todas as
camadas sociais, percebi claramente que independentemente das palavras em si,
quase
todos eles tinham um desejo que inseria em uma dessas áreas ou dizia respeito a
um desejo frustrado relacionado a elas.
Além
disso, ficou claro que há um lado escuro, oposto, em cada um desses domínios do
desejo que contribui com uma parte de seu poder negativo essencial.
Todo desejo tem um elemento negativo, pois de
algum modo exprime uma necessidade não só de obter algo, mas também de se
livrar de alguma coisa durante o processo de obtê-lo.
O desejo de recuperar-se de uma gripe é também
um desejo de matar o vírus que a provoca.
Quando desejamos com egoísmo, impulsivamente e
reativamente, sem consciência do lado escuro do desejo, ele entra em desequilíbrio.
Quando deixamos que a personalidade, o egocentrismo
cuide de nossos desejos por nós, esse lado escuro pode tomar conta do caráter
do desejo, podendo fazer-nos lamentar posteriormente a sua concretização.
A
chave para desejar (o) bem é desejar mais com o coração, com a alma, com calma
e percepção do delicado equilíbrio entre obter o que queremos e perder o que
necessitamos.
O
desejo iluminado realiza a Vontade de Deus - nosso dharma, para nossa
felicidade.
Cyprian
Norwid, poeta polonês do século XIX, disse:
“Para ser aquilo que se chama feliz, é preciso
ter algo de que viver, algo por que viver e algo por que morrer. A falta de um
desses elementos provoca um drama.
A
falta de dois, uma tragédia”. Quando analisamos as entrevistas e os resultados
dos testes sobre o desejo distribuídos entre os 2.166 participantes da
pesquisa, identificamos sistematicamente as três categorias da felicidade propostas
por Norwid.
Além de algo de que viver (saúde e dinheiro
suficientes para ter paz), algo por que viver (equilíbrio e alegria suficientes
para experimentar a felicidade) e algo por que morrer (desafio e compromisso
suficientes à percepção de uma direção na vida e para a vida),
descobrimos
que essas pessoas também desejavam algo depois da morte (fé) e alguém com quem
compartilhar a alegria dos desejos formulados nos outros quatro domínios
(amor).
Para
estabelecer coerência em nossas entrevistas, delineamos uma estrela de cinco
pontas, cada uma representando os cinco domínios que passamos a chamar de
estrela dos desejos.
Ela
contém tanto elementos “luminosos” como elementos “sombrios” (veja a figura acima).
Com
sua ajuda, conseguimos classificar a maioria dos desejos como pertencentes a
uma dessas duas áreas. Para abarcar toda a gama de desejos que identificamos,
denominamos as cinco pontas da estrela de “serenidade”, “deleite”, “propósito”,
“sentido” e “compaixão”.
Rotulamos os resultados do lado sombrio do
desejo como “conturbação”, “desilusão”, “estagnação”, “desespero” e “solidão” .
Os
desejos relatados pelos participantes da pesquisa foram classificados em uma
das cinco categorias das duas áreas opostas básicas aqui definidas: a luminosa
e a sombria.
Os sujeitos que relataram haver presenciado a
concr
etização do seu desejo revelaram uma aguda percepção dos aspectos não
apenas favoráveis, mas também letais dos cinco domínios da estrela dos desejos.
Serenidade: Desejo de tranquilidade. Aqui os desejos
relacionam-se à busca sistemática e previsível de uma sensação de paz e
segurança, livre de stress e preocupações com a saúde, integridade e
sobrevivência econômica, próprias ou de outrem.
Esse tipo de desejo costuma
relacionar-se à sensação de controle sobre a própria vida.
Conturbação: Desejo que traz agitação. Pouco se consegue na
vida se não houver disposição para agitar um pouco as coisas. Quando queremos
mais controle do que a natureza permite, arriscamo-nos a perder a verdadeira
serenidade para seguir no fluxo da vida.
Sem os altos e baixos essenciais, a vida se
torna monótona e entorpecida, tanto espiritual quanto intelectualmente.
Na busca de uma superserenidade, deixamos de ver
a alegria das surpresas naturais da vida e as importantes lições espirituais
de seu caos, que é o que desafia e cultiva a alma.
O desejo de serenidade completa pode se
transformar no desejo de uma ausência de vida ou provocar um estado de agitada
busca crônica de uma paz e tranquilidade, ou isolamento que estão sempre além
de nosso atual estado.
Isso, por sua vez, leva à sensação de que as
coisas estão sempre “estragando” nossos planos, quando na verdade somos nós
mesmos que estamos desejando isso para nós.
Sentimos medo constante pelo nosso próprio
bem-estar físico ou financeiro ou pelo de outrem. Aqui os desejos que se situam
na área sombria relacionam-se à tentativa de manter o controle, quando a melhor
estratégia seria desejar ser capaz de renunciar a ele.
Deleite: Um desejo, de alegria. Aqui, o que se deseja é a
sensação de júbilo felicidade. Trata-se de desejos em que o indivíduo quer
sentir regozijo a maior parte do tempo.
Desilusão: Um desejo que resulta em decepção. A única emoção
verdadeiramente negativa é a que traz consigo a sensação implacável de “estar
de pés e mãos atados”.
Aqui, o lado escuro do desejo diz respeito à
expectativa constante de felicidade e “alto astral”. O desejo de deleite sem
sofrimento nem infelicidade não é realista e pode provocar a sensação de que
nada tem poder suficiente para alegrar-nos.
Assim,
não arriscamos, temos medo, e evitamos laços, compromissos. “Viver em Paz...”,
tem um lado solitário que a “paz” da solidão oferece.
Isso
faz as pessoas à nossa volta pensarem que a culpa é delas. Este lado escuro do
desejo se evidencia através de um limiar cada vez mais alto de intolerância ao
que não trouxer prazer.
Propósito: Um desejo de sentir-se produtivo. Aqui, o desejo
diz respeito à busca do orgulho e do amor-próprio em razão do trabalho
cotidiano.
Desejar (o) bem nesta área provoca a sensação
de importância individual através de contribuições que obtêm reconhecimento.
Os desejos deste domínio relacionam-se, então, à sensação de importância.
Estagnação: Desejo que provoca a sensação de inutilidade.
Neste domínio, o lado escuro do desejo é representado pela sensação de falta de
valor em tudo aquilo que esteja relacionado ao trabalho cotidiano, pode levar
a depressão.
Ela é frequentemente verificada entre os que
se veem presos a tarefas inúteis, pouco valorizadas ou até destrutivas, que
proporcionam pouco orgulho aos que as executam.
Querer
que o trabalho não tenha um lado cansativo, repetitivo, que não traz
reconhecimento, é ser pouco realista e correr o risco de desencantar-se com o
que faz e de sentir-se insignificante.
Sentido: Um desejo de ser confortado. Neste domínio, o
desejo tem que ver com a segurança espiritual, com uma sensação de compreensão
e otimismo em relação ao sentido da vida e da morte.
Aqui, o desejo diz respeito à posse de um sistema
explanatório adaptável e adequado para os maus momentos da vida, um sistema
que nos ajude a entender e aceitar sua aparente injustiça.
Ou,
conforme colocou um dos participantes de nossa pesquisa: “A vida é justa — só
que talvez não na nossa visão de justiça”.
Se os desejos de serenidade relacionam-se à
sensação da segurança física, os de sentido relacionam-se à sensação da
segurança espiritual aqui e daqui por diante.
Desespero: O desejo que leva ao ceticismo e ao desespero
espiritual. O lado escuro de um
desejo de sentido na vida é o pessimismo e a falta de um sistema explanatório
dinâmico, que promova ajuste às crises transicionais da vida.
O
pessimismo revela inconscientemente um desejo de sofrimento, de morte de
perdas.
O desejo de garantias espirituais, sentido e
respostas definitivas para perguntas que não podem ser inteiramente
respondidas leva ao lado escuro do sentido, representado pela descrença
irascível em tudo que não possa ser reconhecido no mundo dos cinco sentidos.
Compaixão: Um desejo de sentir-se adorado. Aqui, o desejo
relaciona-se ao amor recíproco. Ele leva à sensação de uma ligação forte e
profunda e de ser amado tanto quanto se ama. Neste domínio, desejar (o) bem
traz então a sensação de estar segura e permanentemente vinculado a outra
pessoa, com a qual se pode compartilhar a paixão pela vida que se manifesta nos
outros quatro subdomínios do desejo.
Solidão: O desejo que leva à sensação de distanciamento. O
lado escuro dos desejos do domínio da compaixão provoca a sensação de
isolamento e separação.
Ela provém muitas vezes de um desejo pouco
realista de amor sem conflito, sofrimento nem angústia e do desejo de “ter”,
em vez de “ser” o parceiro certo, perfeito.
Este
desejo intolerante, sem empatia, não suporta a individualidade do outro. Não há
generosidade e troca.
Esse tipo de desejo deixa as pessoas
frustradas e seus parceiros, atônitos, perguntando-se eternamente como
conseguir ser quem elas desejam.
Quando
entrevistamos os participantes de nosso estudo sobre o desejo acerca de sua
experiência nas áreas de luz e sombra do desejo, utilizamos a escala abaixo.
Ela se destinava a ajudá-los a refletir sobre
os resultados de seus desejos e a perceber onde estavam desejando (o) bem na
estrela dos desejos.
Escala
dos domínios do desejo
Marque
o número que melhor indica o ponto em que você se encontra agora na escala dos
domínios do desejo. Use as definições que acabamos de fornecer para
determiná-lo.
Paz
1.
Minha vida
neste momento se caracteriza pela sensação de:
Conturbação
123456789 10 Serenidade
Alegria
2.
Minha vida
agora é principalmente:
Desilusão
12345678910 Deleite
Orientação
3.
Em relação ao
dia-a-dia do meu trabalho, tenho a sensação de:
Estagnação
12345678910 Propósito
Fé
4.
Em minha vida
espiritual neste instante, tenho a sensação de:
Desespero
12345678910 Sentido
Amor
5.
Em minha vida
amorosa atualmente, sinto uma profunda:
Solidão
123456789 10 Compaixão
Após
refletir sobre os resultados que obtinham nos cinco domínios da estrela dos
desejos, os participantes geralmente conseguiam identificar quais deles apresentavam
maior desequilíbrio, com propensão para o lado sombrio, exigindo atenção mais
imediata.
Os que desejavam (o) bem tiveram uma média de
7 em cada domínio. Os que relataram frustração e decepção em seus desejos
tiveram uma média de 3.
O desejo pouco realista de obter 10 em cada um dos
cinco domínios provavelmente resulta em uma queda em direção ao lado escuro, à
medida que o inevitável desânimo se instala.
O desanimo é a carência da energia de Eros, da paixão,
da motivação, esperança, empatia...
Após
discutir os lados luminoso e sombrio dos cinco domínios da estrela dos desejos,
comentamos as lições aprendidas pelos participantes em sua experiência desejante.
Discutimos a diferença entre o que eles
percebiam como desejos do cérebro e do coração (cf. a figura da página 126).
Essas lições são a seguir apresentadas.
O
desejo de serenidade
Lição do projeto do desejo:
“Deseje a sabedoria de buscar o que o coração necessita, e não o que o cérebro
quer”.
Todos
nós temos desejos que se relacionam à necessidade de ter algo de que viver.
Desejamos coisas e situações que nos tragam a paz e a certeza neste mundo cada
vez mais veloz e imprevisível. Desejamos as coisas que nos dão mais segurança
e nos permitem a certeza de que seremos capazes de viver com saúde e conforto
razoável.
Não
é de surpreender que tantos dos participantes tenham referido um desejo de “um
pouco de paz e tranquilidade”. Em pouco mais de sessenta anos, fomos do
primeiro limite de velocidade de 40km/h em Londres aos 50.000km/h da Apollo 10,
com seus astronautas flutuando no espaço.
Confundindo maior velocidade com vida melhor,
o cérebro nos incita a ir em frente cada vez mais rápido. Na maioria das vezes,
o resultado é um turbilhão frenético, uma abordagem consumista da vida e uma
enorme quantidade de “doenças da pressa”, como a hipertensão e os distúrbios
cardiovasculares.
Pesquisas
mostram que quase três quartos da população dos Estados Unidos acham que o
tempo está passando depressa demais e gostaria de “ter tempo” para relaxar.
Um de meus pacientes disse: “Minha vida é uma
verdadeira loucura. A gente acorda e vai embora, vai levando até voltar para
casa e então desaba. Não me lembro mais quando foi que fiz uma coisa de cada
vez”.
Talvez no futuro o século XX seja visto como
“a loucura dos cem anos”, uma época em que as máquinas que nós mesmos criamos
começaram a nos escravizar.2
Ele começou com cavalos e horas e terminou com
Maseratis e frações de segundo. Os desejos do primeiro domínio (serenidade) são
tentativas de superar o que um dos participantes de nossa pesquisa chamou de
“ritmo de Paige”, por causa do lançador de beisebol Sat- chel Paige, que teria
declarado certa vez:
“Não pare para olhar. Você vai acabar ficando
para trás”.
Segundo
esse participante, era assim que ele se sentia, pois ficava impaciente até
diante de uma porta giratória, sempre com a sensação de que precisava correr
cada vez mais para não ficar para trás.
O
nosso ritmo de vida cada vez mais acelerado afetou profundamente um dos órgãos
do corpo que mais reagem aos ritmos orgânicos, pois é o responsável trabalharpor
eles.
Nosso
coração apressado não consegue acompanhar o ritmo que lhe impõe o pouco
solidário cérebro. O número de pessoas que morrem de doenças cardíacas nos
Estados Unidos a cada dia equivale a sete acidentes de aviões jumbo sem nenhum
sobrevivente.
Nosso desejo de ter mais e cada vez mais depressa
nos levou a matar de pressa o coração. Saiba o cérebro ou não, quando desejamos
serenidade, o coração está lhe pedindo um tempo para não explodir. Ele só quer
diminuir a correria e relaxar um pouco para poder formular seus próprios
desejos, mais cheios de luz.
Um
dos participantes referiu-se aos desejos do domínio da serenidade como desejos
de “saúde e riqueza”, desejos de coisas que trazem mais conforto,
segurança
e uma velocidade mais saudável na vida de todos. Os que desejaram (o) bem
preferiram a gratidão pelo que tinham a satisfazer os sombrios desejos do
cérebro. Os que estavam felizes com o resultado de seus desejos de serenidade
pareciam ter consciência do que pode ser mudado na vida e do que não pode.
Em vez de desejar evitar as doenças, eles
desejaram a capacidade de curar a si mesmos e aos outros. Em vez de desejar
mais dinheiro, desejaram gozar o dinheiro que tinham. Aparentemente, desejaram
a sensação de navegar pela vida, em lugar de ser conduzidos por ela.
Para
exemplificar os desejos de cada domínio, compilei uma lista do lado luminoso
da estrela através dos desejos de participantes que obtiveram 7 ou mais em
nosso teste.
A seu lado, está uma lista de desejos do lado
escuro da estrela, formulados por participantes que obtiveram 3 ou menos no
mesmo teste. (primeira parte)
Necessidade e
Desejo: Um diálogo entre Freud e Marx
Por Ricardo Jardim
Andrade
“Desejar é o
âmago de nosso ser”, declara Freud numa de suas obras mais importantes: A
interpretação dos sonhos. Marx, por sua vez, afirma em A ideologia
alemã, ensaio que escreveu em parceria com Engels: “O primeiro fato
histórico é a produção dos meios que permitem a satisfação das necessidades
[humanas]”.
Freud teorizou o desejo e Marx a necessidade,
procurando cada um deles determinar, a partir de horizontes distintos, o que
poderíamos denominar, na esteira de F. Tinland, “diferença antropológica”.
Em que
medida estes dois enfoques da realidade humana se complementam e se
diferenciam? É possível conciliar Marx e Freud ou, antes, suas perspectivas
teóricas divergem fundamentalmente? É o que discutiremos a seguir.
Freud sempre teve a preocupação de oferecer às suas investigações e
descobertas clínicas um arcabouço conceptual. Seu projeto era construir um novo
campo de inteligibilidade para os fenômenos e processos psíquicos com base na
observação clínica das neuroses e dos sonhos.
Surgiu, assim, o que ele próprio denominou
“metapsicologia”, vale dizer, a teoria psicanalítica. Trata-se do estudo do
psiquismo – ou, da alma (Seele) humana, para empregarmos, como nos
mostrou B.
Bettelheim, um termo usado e valorizado pelo próprio Freud – sob
tríplice ponto de vista, a saber, o tópico, que recorre à metáfora do lugar
psíquico (sistemas inconsciente e pré-consciente/consciente, na primeira
tópica; as instâncias do id, ego e superego, na segunda tópica);
o ponto de vista
econômico, que emprega a metáfora da energia psíquica e dos investimentos
energéticos (desinvestimento, contra investimento e superinvestimento);
e,
finalmente, o ponto de vista dinâmico, que corresponde à metáfora do conflito
psíquico, cuja base é sempre de ordem pulsional (pulsões sexuais versus pulsões
de auto conservação ou do ego, na primeira classificação; pulsões de vida versus pulsões
de morte, na segunda classificação).
Freud, contudo, não se limitou à investigação dos fenômenos
clínicos e à elaboração de uma teoria complexa para explicar os fenômenos e
processos psíquicos, mas procurou aplicar os modelos metapsicológicos no campo
da cultura.
O mesmo desejo que dinamiza o “aparelho
psíquico” e produz sonhos, sintomas e atos falhos sustenta as mais elevadas
criações humanas, no plano da arte, da moral, da ciência, da filosofia e da
religião.
A interpretação da cultura, porém, é mais do
que uma psicanálise aplicada, pois a própria metapsicologia foi modificada sob
o impacto do dado não clínico.
Com efeito, nem a segunda tópica, nem a
segunda classificação das pulsões seriam viáveis se a atenção de Freud não
tivesse se desviado do recalcado para a instância que recalca, do desejo para a
autoridade, da clínica para a cultura.
Tendo em vista o objetivo da presente exposição, vou deter-me na primeira
classificação das pulsões, para estabelecer um confronto entre a teoria
freudiana do desejo e a teoria marxista da necessidade.
Freud, na fase inicial de seu percurso
teórico, distingue explicitamente a ordem biológica, correspondente às
necessidades vitais (comer, beber, dormir etc.) da ordem sexual, correspondente
ao desejo.
Enquanto as pulsões de auto conservação
(necessidades vitais) possuem fontes (sua base somática), objetos (as coisas
que levam à satisfação) e objetivos (as satisfações provocadas pelos objetos
correspondentes) fixos, as pulsões sexuais são, no dizer de Freud, “plásticas”,
quer dizer, mudam de fontes, objetos e objetivos[1].
Em relação à fome, sede, micção, respiração
etc., ou seja, a tudo o que concerne à auto conservação, a única solução
possível para reduzir as tensões do organismo, que provocam insatisfação, é a
realização de certos “atos específicos”, mediante os quais se obtém
diretamente, sem qualquer mediação e sem demora excessiva, a satisfação.
Não há como eliminar
fome e sede senão pela ingestão de líquidos e de refeições sólidas (objetos
reais e predeterminados) e não se pode protelar excessivamente o apaziguamento
– logo, no entender de Freud, a satisfação – de tais excitações (objetivos
imediatos), bem localizadas no organismo (fontes fixas), sem que o indivíduo
corra risco de morte (por isto, falamos de necessidades vitais).
O mesmo, porém, não
ocorre em relação à sexualidade. Suas fontes (zonas erógenas), como demonstrou
Freud com a sua teoria da libido, situam-se em diversas partes do corpo [2], seus objetos são flexíveis e
mutáveis[3] e seus objetivos, proteláveis.
Por isto Freud se refere, como já foi
lembrado, à “plasticidade” das pulsões sexuais. A plasticidade é de tal ordem
que permite até a sublimação (mudança de objetos e objetivos pulsionais) e o
amor inibido quanto à finalidade (mudança apenas de objetivo pulsional)[4],
ou seja, o prazer sexual humano,
como na sublimação da química, pode mudar de estado, transformando-se de
satisfação genital em prazer sociocultural.
Freud aproxima, portanto, a sublimação química
do sublime estético. Quando a libido se converte em Eros, a pulsão sexual se
transforma em “pulsão social”, segundo a expressão do próprio Freud.
Pode-se dizer, portanto, que todos os que se
dedicam à criação artística, filosófica e cientifica possuem uma vida sexual
intensa, pois a energia que mobiliza tais atividades é sempre a libido e o
prazer alcançado desta forma é de natureza sexual, já que a sexualidade humana
ultrapassa em muito o nível genital.
“O destino pouco pode fazer contra aqueles que
se dedicam à sublimação estética”, declara Freud em Mal estar na
civilização. “A obra de arte é ao mesmo tempo o sintoma e a cura”, afirma,
por sua vez, P. Ricoeur, como intérprete do discurso freudiano.
Convém lembrar que esta leitura de Freud, apenas esboçada acima, foi
realizada por grandes teóricos franceses, em particular J. Lacan, J. Laplanche
e J. B. Pontalis e, ainda, pelo filósofo P. Ricoeur, que acabo de citar. Estes
pesquisadores ressaltaram, também, a noção freudiana de “apoio”, segundo a qual
a sexualidade humana se apoia na ordem vital ou biológica, para se manifestar.
Vale dizer, ela só pode emergir a partir do
que não é sexual[5]. Nada mais equivocado, portanto, do
que a crítica, tantas vezes dirigida a Freud, de que a sua teoria do
inconsciente reduz toda a existência humana à sexualidade (o suposto
“pansexualismo” do discurso freudiano).
Os objetos das necessidades (pulsões de auto conservação) são reais e produzem
satisfação; já os objetos do desejo são irreais (imaginários e simbólicos) e
provocam prazer.
A sexualidade humana, ressalte-se, pertence às
duas ordens, vale dizer, é simultaneamente necessidade e desejo. Por isto, pode
ser fonte tanto de satisfação como de prazer. Convém mencionar outro ponto
importante da teoria freudiana da libido: a satisfação das necessidades é
claramente limitada, ou seja, ultrapassando certo nível, deixa de ser
satisfação, para se tornar insatisfação (como se diz à mesa: “estou satisfeito:
não aguento comer mais nada”).
Já o desejo nunca é
plenamente realizado. Como mostrou Lacan, ele emerge com a perda da mãe, ou
mais precisamente, no momento em que o pai, representante da Lei, porta-voz da cultura,
castra a relação simbiótica da criança com a mãe – o famoso “complexo de Édipo”
-, levando-a a buscar incessantemente substitutos simbólicos do objeto perdido.
O novo objeto se torna representante (ou
significante) do objeto perdido, vale dizer, significa ou simboliza este
objeto.
A perda dolorosa da mãe
é a condição de possibilidade de emergência da cultura, é o que faculta ao
homem a inserção na ordem simbólica. O símbolo é o elemento chave da cultura.
Esta, com efeito, pode ser definida, segundo a
célebre fórmula de Cl. Lévi-Strauss, como “um conjunto de sistemas simbólicos”.
O homem é este ser radicalmente inconcluso, sempre insatisfeito consigo mesmo,
sempre a procura de “algo” mais.
O fundamento da existência humana não é
“logos”, como afirma a metafísica ocidental, mas “Eros”: o desejo.
Este, no dizer de Lacan, é falta e é enquanto
falta que humaniza o homem, introduzindo-o na ordem simbólica. Temos de convir
com Sófocles: “De todas as coisas extraordinárias, a mais extraordinária é o
homem”.
Marx, como Freud, não concebe o fundamento da existência como “logos”. A razão
não é primeira, mas segunda. De fato, ele define o homem pelo trabalho. O
primeiro fato histórico, que distingue os homens dos animais, não é o fato de
pensar, como sustenta a metafísica ocidental, mas o de produzir os seus
próprios meios (ou instrumentos) de subsistência.
Originariamente, o pensamento vinculava-se,
portanto, à criação de instrumentos para satisfação das necessidades humanas.
Enquanto animal, o homem é um feixe de
necessidades, no núcleo das quais se encontram as necessidades biológicas:
comer, dormir, reproduzir etc.
Contudo, diferentemente dos animais, o homem
não satisfaz suas necessidades diretamente, mas pela mediação de instrumentos[6].
Não nos alimentamos
pura e simplesmente, como os animais, mas utilizamos talheres e vasilhas para
nos nutrirmos e, a certo momento de nossa história, inventamos o fogo para
transformar o cru em cozido.
Mesmo para satisfazer a
necessidade de dormir utilizamos instrumentos, como, por exemplo, pijama, rede,
cama, ar refrigerado, sem falar do quarto (ou do recinto). Marx, como se vê,
enraíza a razão na ação (práxis).
Contudo, ele não distingue, como Freud, a
ordem vital (necessidades biológicas) da ordem sexual (desejo). Embora seu
conceito de necessidade seja, como insiste Agnes Heller no seu ensaio sobre o
assunto, extremamente sofisticado, Marx não diferencia desejo e necessidade,
prazer e satisfação.
Esta distinção, ao que
parece, pode enriquecer consideravelmente o discurso marxista, assim como os
temas acima mencionados e outros deste discurso, em particular a teoria
marxista da ideologia, podem contribuir para um melhor entendimento do
freudismo.
Quando, por exemplo, o fundador da psicanálise
se refere em Mal-estar na civilização à “natural aversão do
homem pelo trabalho” e, em outro momento deste mesmo ensaio, lamenta que a
sublimação seja um recurso disponível apenas para uma minoria, seus discípulos,
instruídos pelos ensinamentos de Marx, devem denunciar os elementos ideológicos
de tais afirmações.
Voltemos à teoria freudiana, enquanto apta a complementar o enfoque marxista do
homem. O apoio da ordem sexual na ordem vital, estudado por Freud na sua
primeira classificação das pulsões, permite entender a projeção permanente,
peculiar à condição humana, do imaginário e do simbólico sobre a satisfação das
necessidades.
Enquanto animais, alimentamo-nos; enquanto
seres humanos, porém, complexificamos as nossas refeições com inúmeros rituais,
alguns extremamente requintados, como, por exemplo, o banquete.
O mesmo se pode dizer da satisfação de todas
as outras necessidades (vestir, dormir, tomar banho etc.). Articulamos a
satisfação das necessidades com o prazer alcançado pela realização de nossos
desejos.
Não é a mesma coisa
tomar um vinho de safra especial num copo de plástico – que horror! – ou numa
taça de cristal – que maravilha!
A satisfação é a mesma, mas o prazer muda
completamente num caso e noutro. Na verdade, não é qualquer instrumento que nos
interessa, mas aquele que além de útil possui uma forma esteticamente
agradável, ou seja, que corresponda a nossos desejos.
Daí não ser possível ao homem, na satisfação
de suas necessidades, privar-se de certo luxo e sofisticação, sem correr o
risco de se desumanizar.
Nem todo luxo é lixo,
embora isto ocorra frequentemente. A ironia do Joãozinho 30 a certa militância
de esquerda, não muito esclarecida, é perfeitamente legítima: “Quem gosta de
pobreza é intelectual; pobre gosta de luxo”.
Pobre e todo ser humano que
assume, sem culpa de classe injustificada, sua humanidade e seu erotismo
criador (no sentido amplo que Freud atribuiu ao termo “Eros”). Destas duas ordens
– biológica e sexual –, sem dúvida é a segunda que distingue os homens dos
animais. “Viver não é preciso, navegar é preciso”.
Marx, pensador pelo qual tenho grande admiração, não distingue as duas
ordens. Daí a conveniência de completar a sua teoria da necessidade – e o seu
importantíssimo e atualíssimo conceito de alienação, ligado a esta teoria, além
da sua noção de ideologia, já mencionada – com a teoria freudiana do desejo.
Afinal, “nem só de pão vive o homem”.
[1] Freud distingue instinto (Instinkt)
de pulsão (Trieb). O primeiro termo designa uma herança genética
que permite a uma espécie animal adaptar-se rígida e mecanicamente ao meio
físico e natural.
Trieb , ao contrário, não se refere a um comportamento preestabelecido,
específico e hereditário. Freud emprega este termo, sobretudo, para
caracterizar a grande plasticidade da sexualidade humana, o que a diferencia
essencialmente da sexualidade animal.
Enquanto esta é instintiva e, por isto mesmo,
rígida, aquela muda, como estamos analisando, de fontes, objetos e objetivos ao
longo da nossa história pessoal. A libido percorre todo o nosso corpo (fases
oral, anal, fálica) até alcançar, apenas na puberdade, a fase genital.
[2] Freud emprega, inclusive, a
expressão “corpo erógeno”, já que o corpo inteiro pode ser fonte de prazer
sexual.
[3] O primeiro objeto de amor – ou
objeto libidinal – de todo ser humano é a própria mãe, que é abandonado na
situação edipiana, pela interferência paterna. A escolha definitiva de objeto
(por exemplo, uma escolha heterossexual ou homossexual) só ocorre na puberdade,
ou melhor, na fase genital.
[4] É com esta noção que Freud
explica a ternura e os vínculos sociais. Nas relações familiares, por exemplo,
o objeto da libido é o mesmo (mãe, pai ou irmãos), mas o objetivo sexual é
“freado” e se transforma em ternura ou amizade.
É assim que Freud explica,
também, a formação dos vínculos sociais necessários à transformação da natureza
pelo trabalho. Curiosamente, ele apresenta como modelo do amor inibido
quanto ao objetivo a figura de Francisco de Assis.
[5] Daí J. Laplanche afirmar que “a
pulsão sexual é estruturalmente perversa”, ou seja, desviante em relação à
ordem vital ou biológica.
[6] É o que mostra, de modo
admirável, o início do filme “2001, uma odisseia no espaço” de Stanley Kubrick.
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desde que seja mencionado a fonte:
Meu blog foi clonado inteiramente,
por isto estou em oração permanente contra ataques.
Este texto também foi clonada.
http://astrologiadevenusemercurio.blogspot.com.br/
https://www.facebook.com/dharmadhannyael
Eu estou no G+ :
Comunidade do G+
https://plus.google.com/communities/111702837947313549512
Haja luz para compartilhar para o bem de todos.
Somos Um-a só consciência.
Este espaço está protegido pelos anjos e por Hermes
Estou neste momento me unindo com o Poder e a Força da Unidade, com o poder de todos os anjos, querubins, Serafins, Elohim.
Melchizedek, Sandalfon, Metraton,
Gabriel, Rafael, Haniel, Miguel, Camael, Tsadkiel,
Raziel, Uriel, Samuel
Os anjos seguem na frente abrindo meus caminhos
e me protegendo Com a Justiça Divina. Amém!
Direitos Autorais - Algumas imagens neste Blog foram obtidas no Google Imagens ,alguns sites e de meus arquivos. A publicação das mesmas não têm fins lucrativos e é de boa-fé, caso se sinta ofendido em seu direito autoral, favor entrar em contato para exclusão das imagens.
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