ENCONTRO DO
HOMEM COM O SEU EU
“O amor é a mais
alta racionalidade” (Albert Schweitzer).
E esta suprema
racionalidade do amor pede cometer a mais estupenda irracionalidade —
escravizando-se por amor...
É este o mais
profundo mistério dos avagares, e, sobretudo, do Cristo. “Quem quiser ser
grande seja o servidor de todos.”
“Eu sou senhor
de tudo que sei, mas eu sou escravo de tudo que ignoro” (Spinoza).
O mundo do homem
é um grandioso cosmos, no qual o Eu central habita e governa como soberana
Essência, a cujo serviço devem estar todas as Existências, assim como os planetas
giram em torno do sol.
“Elevados são os
sentidos; mais alta que os sentidos é a inteligência; acima da
inteligência está a razão — mas acima de todos está o Eu (puruska)
” (cf. Bhagavad Gita, UI, 42 s.).
Se acordaste
para o Eu central, e se integraste todos os teus egos periféricos nessa
centralidade divina — então poderás viver no meio do mundo sem ser derrotado,
porque o teu mundo interno é mais poderoso que todos os mundos externos.
Esse Eu é a
silenciosa Fonte de luz e força.
“O homem que
disciplinou o seu mundo interior e está consolidado no Eu, totalmente livre do
desejo de objetos desejáveis — esse é um homem liberto.
Como uma chama
colocada num lugar abrigado não bruxuleia, assim é o yogui que
disciplinou o seu mundo interno e se firmou no Eu” (cf. Bhagavad Gita, VI, 18
ss.).
Enquanto o homem
não rompe caminho rumo ao seu Eu central, vive ele perturbado e a sua força é
dispersa.
A irredenção do seu Ego se revela, em sua vida
externa, de modos vários: como entraves, descontentamentos, tristezas,
irritação; porque o Eu é hostil ao homem, enquanto o homem não o reconhece e
aceita como soberano da sua vida;
mas o Eu é fiel amigo e aliado do homem quando
ele lhe permite que aja sobre ele com a sua inesgotável plenitude de luz e força.
Entretanto, não
há nenhum caminho que conduza ao Eu senão o próprio. Eu — é este o estranho
paradoxo da vida.
Não é nenhum
objeto que, como de fora, possa ser contemplado e invocado — ele tem de evocar
o seu próprio sujeito, o seu verdadeiro EU SOU, a sua Onipotência dormente.
Quem quer contemplar
esse Ser deve sê-lo. O homem que quer chegar ao seu Ser deve realizar em si
sua potencialidade central.
“É com o próprio
Eu que se apreende o Eu. O Eu é amigo do Ego, mas o Ego é inimigo do Eu. O
homem que não descobre o Eu considera este Eu seu inimigo e o hostiliza” (ef.
Bhagavad Gita, VI, 5 s.).
A amizade vem da
sapiência, a inimizade vem da ignorância. Enquanto a ignorância do Ego
continua a eclipsar a sapiência do Eu, nada está resolvido; mas, quando a
sapiência do Eu ilumina a ignorância do Ego, tudo está resolvido, ou em vias de
solução.
Somente a verdade total sobre o homem pode
libertá-lo de todos os males, de que o Ego é a raiz. A experiência do Eu exerce
sobre toda a vida humana uma ação libertadora e beatífica.
Quem não atinge
o Eu na sua profundeza cósmica deixa-se iludir pelo caráter mental ou emocional
dos pensamentos ou sentimentos, que partem do Ego e mantém o homem ligado ao
Ego ignorante e escravizam-te.
Quem rompe
caminho até à profundeza cósmica do Eu, do Espírito Universal no homem, até ao
mais profundo Ser ultra empírico e ali descobre a Realidade, que é ele mesmo
em sua
essência — esse
é atraído para aquela luminosa e silenciosa comunidade da qual irradiam tranquilidade
e segurança, plena libertação da escravidão das coisas provisórias e
imediatas.
E então esse
homem enxerga não só a si mesmo, mas o Todo, porque o seu Ser humano radica
nesse Todo, que é a Realidade Cósmica da Essência e da Existência, do mundo
Causante e do mundo Causado.
E por isto é ele permeado por uma grande
clareza e liberdade, que solve todos os complexos, desperta as forças
dormentes, dinamiza a coragem, purifica os desejos, amplia o poder da vontade e
dá inefável felicidade em todas as situações da vida.
A visão do Eu estabelece contato de
profundidade entre o homem e as potências criadoras do Universo, porquanto o
Eu é a presença dessa potência eterna do Cosmos Universal dentro do homem individual.
Assim é que o
Eu, uma vez descoberto e realizado, produz aquela última e absoluta entrega do
homem à Vontade Universal; e, a partir daí a serenidade dinâmica da Divindade
penetra e pervade toda a existência e atividade do homem.
Onde esta
experiência é realizada em toda a sua profundeza e plenitude não há mais
desperdício de forças, porque todas as forças estão a serviço da Vida Cósmica.
O homem, assim nascido
em Deus, sente despertar em si todas as forças para agir no meio do mundo e da
humanidade; liberto de todas as algemas do ego humano, expande a onipotência
do Eu divino.
“Para o homem
que encontra a sua alegria no Eu, que repousa satisfeito no Eu e nele encontra
a sua suficiência, para esse não existe mais o “dever” que o impila a agir.
Não mais procura um “para que”, nem no agir
nem no desistir; nenhuma criatura lhe serve de meio para atingir o seu fim.
O homem que age sem nenhum interesse atinge a
meta e alcança o mais alto” (cf. Bhagavad Gita, III, 17 ss.).
Segundo a
Bhagavad Gita, é na realização do Eu divino que o homem encontra definitiva
libertação da lei férrea da causalidade mecânica escravizam-te, porque se
coloca numa
zona supra
causal, onde cessa o auto determinismo passivo, e impera soberana a autodeterminação
ativa, que é o livre-arbítrio do Eu.
Mas, se o homem
se desescravizou deste mundo de escravidão causal, por que continua a agir no
meio desse ambiente de escravidão universal?
Aqui estamos diante do maior enigma do
livre-arbítrio, que, em face da exultante liberdade que goza plenamente, pode
querer voltar externamente ao mundo dos escravos, que ainda não conhecem essa
liberdade.
“O amor é a mais
alta racionalidade” (Albert Schweitzer).
E esta suprema
racionalidade do amor pede cometer a mais estupenda irracionalidade —
escravizando-se por amor...
É este o mais
profundo mistério dos avagares, e, sobretudo, do Cristo. “Quem quiser ser
grande seja o servidor de todos.”
Postado por Dharmadhannya
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