O Lado escuro do Eu....
MAL E A PSICOLOGIA JUNGUIANA
INTRODUÇÃO
Trabalharemos o Problema do mal como possibilidade de
libertação, dominação ou aprisionamento. Percebemos que o mal é uma realidade
inevitável e presente ao longo da existência de todos os indivíduos,
influenciando significativamente todas as seis áreas de interesses e ou
necessidades da existência humana, distribuídas nas atividades: sociais,
profissionais, familiares, físicas, emocionais e espirituais.
Psicologicamente podemos afirmar que tudo o que é negado ou
reprimido volta de forma obscura e com poderes muito mais elevados do que
outrora.
Então, negar o mal é
correr o risco que ele volte com poderes obscuros e muito mais destrutivos.
Porque o que é negado ou reprimido, sob a luz da psicologia, não desaparece,
apenas fica recolhido no inconsciente, acumulando energia até eclodir,
geralmente de maneira explosiva e traumática, em um futuro breve.
Já que não podemos negar o mal, a melhor atitude que a
psicologia deve tomar é tentar entender o sentido e o significado da sua
existência. E, geralmente concluímos que sua presença possibilita crescimento,
apesar da dor e das crises que ele provoca.
Não pretendemos afirmar que o mal não é realmente mal, já
que no final ele pode possibilitar ou se transformar em bem. Principalmente
porque uma minoria é que consegue transformar o mal em bem. Mas, podemos
analisar como é que acontece o processo de transformação e qual aprendizado
podemos ter das experiências.
CAPÍTULO I - A ALMA E O PROBLEMA DO MAL.
Ao fazermos uma reflexão sobre o mal nos remetemos,
inevitavelmente, para o problema da dor e do medo que interrogam nossa
esperança e fé. No entanto, o mal é uma realidade que nos ameaça constantemente
e que ninguém pode evitar.
Resta-nos então, como
única saída, enfrentá-lo. Neste momento cabe a pergunta: como encará-lo e por
que temos que lidar com esta realidade inexorável? Será este o castigo do
Criador frente nosso desejo de consciência? Ou será um presente que o Criador
nos deixou para possibilitar nossa evolução? Destas indagações, a partir da
psicologia de Carl Gustav Jung, é que pretendemos dar continuidade a este tema.
O mal, na psicologia profunda , pode ser associado ao
arquétipo da sombra que representa o lado escuro e desconhecido do Si mesmo. A
sombra é tudo aquilo que eu desconheço ou não aceito em mim. Nela está contida
toda a potencialidade inconsciente, aspectos altamente construtivos ou
destru0tivos.
Reconhece-la é o primeiro passo para a ampliação da
consciência e para um melhor relacionamento com si mesmo e com o mundo, pois
toda sombra tende a ser projetada e, consequentemente;
as projeções geram
mau humor, intolerância e dificuldades para os diversos tipos e níveis de
relacionamentos. Com isso podemos concluir que todas as doenças - físicas,
psíquicas, sociais, etc. - são projeções sombrias que precisam ser
conscientizadas e integradas na consciência.
A psique, que em grego é alma ou borboleta, busca a
experiência e a realização. A alma, totalidade dos processos psíquicos, mora no
indivíduo e necessita de Eros, o amor, que é o princípio da relação e o único
que pode libertá-la de sua prisão material e imortalizá-la. A alma quer vida,
quer relação, pois só pode ser no outro, para isso não pode temer a morte que o
amor impõe.
Desprovida de
segurança sua única possibilidade está na entrega incondicional aos mistérios
da própria vida relacional, aos mistérios do amor e ao jogo das projeções que
surgem em cada encontro.
É natural que surjam
resistências, pois o desconhecido e o novo são amedrontadores, tremendos e
fascinantes, é o numinoso que engloba e envolve, simultaneamente, o sagrado e a
idéia do mal.
Como Jung cita:
"A alma é o ponto de partida de todas as experiências humanas, e todos os
conhecimentos que adquirimos acabam por levar a ela. A alma é o começo e o fim
de qualquer conhecimento. Realmente, não é só o objeto de sua própria ciência,
mas também o seu sujeito".
Desta associação podemos concluir que o mal é o
desconhecido, o novo que nos remete a experiências e a desordens que
possibilitam o surgimento de uma nova ordem, superior ou inferior, construtiva
ou destrutiva, evolutiva ou involutiva;
sem desconsiderarmos,
é claro, o referencial de análise porque, o que pode ser construtivo e
evolutivo para uns pode ser involutivo e destrutivo para outros. Portanto, o
mal é relativo e subjetivo.
Não podemos
generalizá-lo nem erradicá-lo, uma vez que ele é vida. Ou seja, não existe vida
sem risco, sem desejo pelo desconhecido e pelo novo, sem medo e sem
transformação, enfim sem o mal.
Extirpar ou erradicar o mal, da nossa consciência, é uma
tarefa impossível posto que, para a psicologia, a tarefa da consciência é
discriminar os opostos, separando-os, classificando-os e ordenando-os e, para
isso, busca sofrer experiências.
A natureza humana
necessita deste expediente para aliviar o drama da angústia da finitude e dos
mistérios da vida. O mal é o "outro lado", é o que fica espreitando e
esperando a primeira oportunidade para se manifestar. É vida buscando vida,
querendo sofrer e com medo de sofrer.
A iludida consciência racionalista acredita que se
encastelando em convicções pode afastar o mal. Porém, como o sentido da vida é
sofrer para poder ampliar a consciência em busca de realização e de significado
para a própria vida, um conflito neurótico se instala.
O neurótico, que é a maioria esmagadora da humanidade, ainda
na ilusão racionalista associa, equivocada e tragicamente, sofrimento com dor e
com mal.
Como resultado deste
equívoco valorizamos e evitamos, a qualquer custo, a dor, impossibilitando o
sofrimento e o fluir da vida, transformando-o em mal.
E, o instrumento mais
eficaz que encontramos, para viabilizar esta operação e dar manutenção a esta
ilusão racionalista que nega a vida, é o poder.
Onde o poder está presente a vida e suas antinomias básicas
e complementares - Eros e Thanatos - não podem sobreviver.
O que surge é a
paralisia do Phobos escamoteada pelo poder nas suas formas mais diversas e perversas
através das convicções dogmáticas da academia científica, da força física, da
religião mágica e infantil e, principalmente, da riqueza material advinda do
acúmulo de dinheiro, que confere mais poder para o homem contemporâneo .
O dinheiro é desprovido de qualidade ele é semelhante às
potencialidades desconhecidas do inconsciente, ele pode estar associado aos
princípios do mal ou do bem, depende da forma como é empregado.
Mas, como suas utilizações estão muito associadas ao poder,
ele ganha um aspecto corruptor, disseminando o veneno da usura na busca de um
poder infinito e inatingível.
A busca de poder é semelhante ao pacto com o demônio. Os
resultados obtidos são estéreis. Os frutos advindos só podem ser usados para a
ampliação do poder ou no consumo imediato de artigos de luxo.
Não existe fertilidade porque a alma não pode se emprenhar
com as experiências sofridas. A única coisa que pode crescer é o próprio poder.
Para abrir mão do poder é necessária uma entrega que vai
além das convicções. É preciso uma conversão, pois só o convertido terá energia
para encarar o Phobos sem buscar refúgio fácil e seguro no poder.
Ao nos desapegarmos
do poder, seja ele qual for, poderemos voltar a sofrer e transformar os
sofrimentos em evolução, mesmo correndo o risco da dor, pois ela também é uma
experiência sofrida que pode denunciar um caminho, uma potencialidade e uma
possibilidade.
Podemos concluir, a partir destas reflexões, que a alma
busca o sagrado e que o sagrado pode se manifestar, para o ego fraco e
desestruturado ou muito rígido e estruturado nas convicções que os poderes
facultam, com o mal.
Esta é a razão que o mal para uns pode ser o portal de
entrada para o sagrado ou um sofrimento doloroso e paralisante que aniquila e
destrói o indivíduo.
O mal pode ser
encarado como um presente, dadivoso ou venenoso. Os presentes são bens a
serviço dos vínculos, sociais ou individuais, são potencialidades e
possibilidades de relação da alma com o Si mesmo e com o mundo.
O mal é uma realidade implacável que não pode ser negado.
Negar o mal ou tentar eliminá-lo magicamente é um empreendimento, no mínimo
duvidoso, já que ele esta presente independente da nossa vontade.
Em Jung temos:
"Só um homem infantil é capaz de pensar que o mal não está presente e em
toda parte, e quanto inconsciente estiver disto, tanto mais o diabo lhe subirá
na garupa.
Por causa desta íntima relação com o aspecto tenebroso, o
homem-massa tem uma incrível facilidade de participar impensadamente os mais
terríveis crimes.
Só o autoconhecimento
mais amplo e severo possível, que olhe o mal e o bem numa relação correta e
seja capaz de ponderar todos os aspectos, oferece uma certa garantia de que o
resultado final não será ruim".
Negar o mal é negar uma parcela importante do Sí-mesmo, ele
deve ser entendido como um aspecto da totalidade cósmica distorcida e invadida
de representações, símbolos e ideias errôneas, enleado em imperfeições medos e
ilusões de poder.
Jung continua: "A natureza humana é capaz de um mal
infinito. ...Hoje, como nunca dantes, é importante que os seres humanos não
subestimem o perigo representado pelo mal que espreita dentro deles.
Ele é, infelizmente, bastante real, e é por essa razão que a
psicologia deve insistir na realidade do mal e deve rejeitar qualquer definição
que o considere insignificante ou na verdade inexistente."
O mal é uma realidade presente na vida, sem ele não é
possível o crescimento. Não existe história de vida sem a presença do mal,
graças a ele que as coisas acontecem, surgem os milagres e podemos ficar
fascinados com as novelas de final feliz ou com as terríveis noticias que lemos
nos jornais.
Sem tragédias,
conflitos, dores e injustiças não existiriam histórias para serem contadas. Com
isso podemos voltar para a duvida psicológica: O mal é realmente mal ou depende
de como o experiênciamos, superando-o construtivamente ou destrutivamente?
Além disso, devemos
discernir entre o mal natural e o mal moral, se é que podemos fazer esta
distinção, pois o que podemos catalogar de mal natural, como uma praga de
gafanhotos ou uma enchente que arrasa toda uma comunidade, também podemos dizer
que é um mal moral decorrente de um comportamento materialista e antiecológico
produzido pela ganância humana.
Será que o mal tem
uma causa? Será que ele não é e fim, como afirmam muitas correntes orientais?
Mas, parece que o grande mérito em estudarmos sobre o mal fica a cargo da busca
de sentido e significado da experiência sofrida.
É na maneira que lidamos com o mal que podemos crescer ou
ficarmos paralisados, gerar mais produção de mal ou tornarmo-nos vítimas
inválidas e geradoras de sentimentos de culpa.
Para a psicologia
junguiana podemos lidar com as intercorrencias "maléficas" do dia a
dia sob três aspectos ou dimensões: A dimensão do ego, que podemos vulgarmente
denominar de ponto de vista do umbigo, a dimensão do julgamento de valores, que
podemos chamar de ponto de vista moralista sentimental e, finalmente, na
dimensão do Self, que é a totalidade psíquica, que podemos denominar como ponto
de vista transcendente ou sagrado.
Existe uma história em que o neófito aprendiz a monge saiu
com seu mestre para sofrer, na realidade cotidiana, sua iniciação.
Dentre muitas andanças ocorreu uma experiência que lhe
causou grandes aflições e sentimentos de culpa, mas que suscitou muitas
reflexões sobre sua prática e sua busca. Ele relata que em um lugarejo muito
humilde vivia uma família com vários filhos.
O lugar era árido, a
casa muito precária, deixando evidente que os habitantes apenas sobreviviam
quase que contra as possibilidades da natureza. O neófito indaga ao mestre: como
será que eles resistem a tanta miséria?
E o mestre retruca:
vamos montar acampamento aqui e você vai perguntar a eles como é que conseguem
sobreviver nesta precariedade.
O jovem aprendiz
obedece e, após se instalarem nas redondezas, vai até o casebre, onde vê um
homem, apático e desvalido, sentado à sombra de uma árvore esculpindo em um
toco de madeira como se estivesse esperando o tempo passar ou a morte chegar;
aproximando-se e se apresentando como um religioso em formação pergunta como
que ele e sua família conseguiam viver naquelas condições?
E o homem responde
que lá nos fundos do casebre, o bom Deus, lhe deu uma vaquinha que produzia
cinco litros de leite diários e com este leite ele alimentava seus filhos com 2
litros e trocava o resto, com seus vizinhos, por outros gêneros necessários à
sobrevivência de sua família.
O jovem aprendiz
agradece a atenção, deseja-lhe sorte e vai relatar para seu mestre o ocorrido.
Após o relato seu mestre lhe dá a incumbência de no meio da noite, ir até os
fundos do casebre pegar a vaquinha e joga-la em um precipício próximo da
região.
O jovem aprendiz fica
indignado com a ordem de seu sábio mestre, mas como suas ordem eram
irredutíveis ele, extremamente contrariado cumpre o serviço. No dia seguinte,
antes do sol raiar, levantam acampamento e seguem com sua jornada iniciativa.
Passados três anos o mestre diz a seu discípulo que terminou
seu aprendizado prático e que ele deveria voltar, sozinho, pelos lugares onde
passaram para observar e colher os frutos de seu aprendizado.
Em função do
sentimento de revolta e culpa que a experiência relatada provocou no jovem
aprendiz ele foi, em primeiro lugar, para aquele lugar onde ocorreu a
experiência.
Lá chegando não encontra o casebre e em seu lugar tem uma
bela casa de alvenaria envolta em um belo gramado, viçoso e bem cuidado, onde
crianças igualmente viçosas e bem cuidadas brincavam alegremente.
Sua indignação
aumentou, onde precipitadamente concluiu que aquela família não resistiu a
tamanho mal, perdendo a propriedade para pessoas ricas da cidade que lá
construíram uma casa de campo.
Porém, ao se
aproximar reconheceu um homem bem vestido chegando de carro percebendo se
tratar daquele homem prostrado e triste, proprietário da vaquinha e do imóvel.
Ao se aproximar o homem também o reconheceu e logo foi se
recordando que naquela noite, após a conversa que tiveram, a vaquinha sumiu,
ele entrou em desespero e saiu desorientado tentando encontrar alguma forma
para reparar o mal e manter a sobrevivência de sua família, e que nestas
andanças um homem conhecedor de obras de arte se interessou nas suas
esculturas.
E que graças à perda da vaca e o encontro com este marchand,
pode reverter sua situação. Hoje ele é um homem realizado e motivado, pois sabe
do seu valor e se orgulha de sua produção artística.
O jovem monge fica estupefato apesar de reconhecer que esta
história poderia terminar com mais tragédia ou até mesmo na sua desistência em
se tornar um sábio religioso.
Com esta história podemos perceber que o mal tem várias
nuances podendo, inclusive, se tornar um bem. Porém, também percebemos que o
mal está relacionado diretamente com as condições psico-afetivas de cada
indivíduo, podendo ficar circunscrito ao ego, aos valores sentimentais e morais
ou ao Si-mesmo e as questões sagradas e transcendentais.
Vamos ampliar dois conceitos arquetípicos da psicologia
junguiana para melhor entendermos a dinâmica do mal e como estes dois conceitos
formam um par de opostos que, como uma sizígia, algumas vezes ficam em conjunção,
outras em oposição ou, por mais paradoxal que possa parecer, surgem
simultaneamente.
Vou iniciar pela persona que é à parte predominantemente,
mais consciente, para depois chegarmos à sombra.
A persona é um termo derivado do latim, significando a máscara
usada pelos atores na época clássica, (usada pelos atores do teatro grego, para
representar as tragédias, mitos e comédias). A persona representa o estereótipo
ou a proteção que uma pessoa põe para confrontar-se com o mundo.
A persona está ligada ao status social, profissões e
trabalhos que ocupamos, identidade sexual etc. Durante a vida usamos muitas
personas e, muitas vezes podemos combina-las, em função das necessidades
específicas.
A persona, para Jung, é um arquétipo. Desta forma é
inevitável. Graças a persona é que pode existir as relações sociais e o
intercâmbio entre as pessoas. Ela é a intermediadora entre o ego e o mundo
externo.
Cada cultura valoriza diferentes personas, podendo haver
alterações, modificações, involuções e até evoluções ao longo do tempo.
A persona, como acontece com todos os conceitos junguianos,
também não pode ser vista como eminentemente patológica ou falsa. Aliás, nada é
essencialmente, exclusivamente e unicamente bom ou mal. Ela só será patológica,
se um indivíduo ficar intensamente identificado com ela, a ponto de perder a
possibilidade de flexibilidade frente a si-mesmo e ao mundo. Isso vai acarretar
uma fragilidade psicológica, bem como um eterno investimento de energia para a
representação de um determinado papel que mantenha sempre o personagem
identificado.
O ego identificado com a persona é cego para os processos
inconscientes. Não se permitindo, inclusive, perceber a própria persona. Assim,
o início de um processo de individuação começa com o desnudar das falsas
"roupas", que a persona usa. Desta forma o homem irá assumir a sua
autenticidade, deixando de lado aquilo que esperam dele, para ser e se aceitar
como realmente é.
Quanto mais a persona se fundir no homem, mais difícil será
o seu desnudar-se, pois as fusões geram confusões, provocando sofrimentos e
dores. A persona, apesar de útil, pois estabelece as relações exteriores, pode
se tornar um enorme obstáculo ao processo terapêutico, principalmente quando
ela permaneceu muito tempo cristalizada, como a verdade do indivíduo.
Assim, quanto mais
evidenciada for a persona, mais a sua contra posição inconsciente, a sombra,
será acionada. Geralmente em forma de projeção, a título de compensar o
desequilíbrio quer esta acontecendo.
A sombra também é um arquétipo que designa tudo aquilo que o
homem teme, despreza e não pode aceitar de si-mesmo e, em si-mesmo. É aquilo
que uma pessoa não tem desejo de ser. É a "outra pessoa" que existe
em um indivíduo, o seu lado obscuro e sombrio.
Jung afirma que a sombra é que nos faz humanos e que o mal é
necessário para a perfeita harmonia.
Todos nós temos uma sombra e, quanto menos ela estiver
incorporada, mais negra e densa ela será. Lidar com a sombra vai nos
possibilitar a verdadeira harmonia com os instintos e, com a forma com que as
suas manifestações foram controladas pelo coletivo.
É impossível erradicar a sombra, seus conteúdos são
projetados sobre o próximo, até de forma forte e irracional, positiva ou
negativamente. Admitir a sombra é romper com a influência compulsiva e se
permitir o crescimento.
A sombra também
pode ter traços positivos, como qualidades valiosas que não se desenvolveram
devido às condições externas desfavoráveis.
Tanto a persona como a sombra ultrapassa os limites
pessoais, indo para o coletivo na forma de persona coletiva, que tem na moda e
no senso comum sua principal percepção. Assim como a sombra se manifesta como
sombra coletiva, como em uma guerra ou em situações de linchamentos, onde uma
multidão perde o controle e atua violenta e agressivamente.
A persona vai se formando com o indivíduo, junto com a
consciência, à medida que o ego se estrutura ela vai se relacionando e
amoldando-se ao meio social.
Assim todas as
repressões ocorridas durante a formação da persona vão ficando na sombra. Esta
é a primeira divisão que acontece na psique, ficando de um lado os conteúdos
inconscientes da sombra e de outro os conteúdos conscientes da persona.
CAPÍTULO II - A SUPERAÇÃO PSICOLÓGICA DO MAL
Na abordagem junguiana, fica evidente o fascínio que o mal
exerce. Ele não é a totalidade da sombra, mas possui um acúmulo de energia
psíquica capaz de levar o ego para dimensões inimagináveis, é uma potência que
ativa muitos elementos que estavam inconscientes apesar de pertencerem à
totalidade humana.
Muitas vezes o mal
representa o lado oposto da diferenciação consciente e, quanto mais
diferenciado e unilateral estiver o lado consciente da personalidade, mais
facilmente correrá o risco do fascínio pelo mal.
Desta forma, o mal, em si, não é absoluto. Nesta perspectiva
a redenção do mal está no reconhecimento desta dimensão do si mesmo que é
desconhecida e polar para o ego consciente e sua consequente integração.
Assim fica claro que
só o indivíduo inteiro, será integro e merecedor da paz ou do reino dos céus. É
importante deixar claro que integro não é sinônimo de perfeito ou de
exclusivamente bom. Íntegro é sinônimo de inteiro e total, aquele que integrou
suas polaridades psíquicas e age na dimensão do Self.
Para evitar o fascínio do mal, na perspectiva da psicologia
junguiana, a humanidade tem duas possibilidades ou caminhos. O primeiro é
individual, acontece através da relação com o si-mesmo, possibilitando que a
alma seja preenchida por um poder muito maior que o mal, representante apenas
do outro lado da totalidade, a alma ao se relacionar com o Self, representante
da totalidade psíquica, ficará livre do assédio do mal.
O segundo caminho é
coletivo, está muito evidente nas tradições religiosas, e acontece quando se
presentifica um sentimento de pertença a uma comunidade humana.
Como o segundo caminho é muito mais viável, economicamente,
intelectualmente e simplificado, podemos tentar entender o fenômeno
contemporâneo da explosão do sagrado e sua consequente secularização, como uma
atitude desesperada e inconsciente da humanidade frente o mal, que é
representado pela dissociação psicológica que as atitudes maniqueístas e
racionalistas potencializaram.
O mal fascina porque representa o lado sombrio que é o outro
de mim mesmo. Este "outro", quando não integrado conscientemente ao
ego, fica como uma personalidade autônoma, acumulando energia, ora sendo
projetado nas várias relações interpessoais, ora tomando-nos de assalto,
fazendo-nos "possuídos" pelo lado sombrio e, conseqüentemente,
levando-nos a atitudes e atuações completamente inversas as da persona.
Mudar de lado não
produz evolução, o que provoca evolução é a integração dos lados, através do
confronto dialético e hermenêutico do diálogo entre o eu e o inconsciente, ou
entre a persona e a sombra.
Para Jung, a criação da consciência é a conseqüência de uma
diferenciação e discriminação de opostos. Desta forma, a consciência é coeterna
com o inconsciente e a totalidade psíquica
é o Self, que em muitos sonhos, do povo ocidental, se manifesta na imagem de
Cristo.
O Self é numinoso e
se assemelha a Deus. Cabe ao ego permitir a manifestação do Self no seu dia a
dia. Com isso podemos inferir que o mal é a não presença do Self na construção
da personalidade humana que, por sua natureza dual e sua necessidade
evolucional, é paradoxal e inconsistente, correndo facilmente o risco de se
fascinar pela unilateralidade que, inevitavelmente, produz ou ativa o mal.
O ego é dotado de liberdade e o Self é a manifestação do
Eros, amor relacional, movimento e expansão evolutiva. A liberdade do ego
faculta um mal moral, pois um ego distante e não íntegro com as antinomias
paradoxais do Self é um ego suscetível ao mal. Nestes termos percebemos que um
ego íntegro ao Self é um ego que ama e, prenhe deste amor, está vacinado contra
o mal.
Nestas considerações, podemos perceber que o mal depende do
bem, pois como uma bactéria ou um câncer, que são males produtores de
patologias, sofrimento, dor e morte, ao destruírem o homem também se destroem.
Por isso, sem o bem o
mal não pode existir e na destruição do binômio bem e mal, o que resta é um potencial
de criação, divino e misterioso. A essência do Self possibilitando a existência
do ego e a sua posterior relação com Ele.
É semelhante a ideia
do Tao, que no âmago de cada polo existe o princípio do polo
oposto/compensatório e o Tao, como uma unidade indivisível é bom, apesar do
paradoxo e da ambiguidade que existe dentro Dele.
Após esta ponderação sobre o mal e a psicologia junguiana,
podemos levantar algumas possibilidades. Nossa pretensão não é de definir, pois
sabemos que as definições apenas definem o definidor, dando fim a indagações
tão férteis e estimulantes como estas, mas podemos fazer uma digressão, do
ponto de vista da psicologia junguiana, sobre o mal e a sua redenção.
Pudemos perceber que onde prevalece o Eros não existe espaço
para o mal. Em várias citações Jung também afirma que o poder ocupa a vaga do
amor e que onde predomina o poder o Eros sucumbe.
Desta forma,
concluímos que o poder é parceiro do mal, ou seja, que o grande mal é o desejo
de poder do ego frente ao Self, inviabilizando ou negando, conseqüentemente o
Self, o Eros e as relações evolutivas com a inconsistência paradoxal da nossa
existência.
O poder é a tentativa, angustiada e iludida, do ego em negar
os aspectos misteriosos e imponderáveis de nossa vida. É o resultado do medo
frente o fim último, as incertezas e os paradoxos.
A busca de poder
alivia o medo de encararmos o vazio interior e o nada que representa a nossa
condição fraca e finita. Na dinâmica do poder tudo vira negócio, a negação do
ócio, pois na tranquilidade do ócio corremos o risco de sucumbirmos ao vazio da
falta de Eros e da relação com o Self. Com isso o poder alivia,
transitoriamente o medo.
O medo, Phobos, suficiente, que deveria ser um grande aliado
da vida, pois nos permite a coragem, ação do coração ou manifestação consciente
do Eros e do Self.
O Phobos suficiente é
necessário para preservar a vida. Porém, como a ilusão do poder não aceita a
existência do medo, a busca desesperada de poder escamoteia o Phobos. Mas, como
tudo que é negado ou reprimido continua crescendo, em um determinado momento
este Phobos vai se tornar exagerado, produzindo paralisias,
muito evidenciadas
nos ataques de pânico da atualidade ou inexistente, banalizando a vida,
levando-nos à loucura e as atitudes contra fóbicas.
O ego que se relaciona com o Self, aceita o Eros e o Phobos
suficiente, tem consciência sobre o mal, abre mão da ilusão de poder e encontra
a coragem para se entregar para o mistério da existência, de forma íntegra,
desarmando todo este mecanismo puramente Egoico, racionalista e maniqueísta.
Com isso, percebemos que a superação psicológica do mal está
na capacidade do ego em se relacionar com o Self, buscando o dinamismo do Eros
e aceitando o Phobos suficiente e consciente.
Nesta situação, o que surge é uma atitude de alteridade
frente à própria existência. E, podemos concluir que esta atitude vem
confrontar o patriarcado, iludido e encastelado no poder, manifesto nos
diversos espectros: intelectual, cultural, físico, científico, religioso,
racial, misogenico, econômico, comercial, bélico, enfim em todas as situações
onde o que prevalece no final é a busca do poder pelo poder.
CONCLUSÃO
Podemos concluir que a saída para o problema psicológico do
mal está na inclusão de um quarto elemento, em nossa cultura ocidental,
influenciada pela tradição patriarcal judaico-cristã.
Este quarto elemento
é o lado feminino que desperta o Eros e o mecanismo da alteridade, muito menos
pré-ocupado em explicar, definir e reduzir tudo a causas materiais e muito mais
envolvido - como o útero que envolve e compreende - em compreender, ampliar e
encontrar saídas criativas e eróticas, buscando um sentido e os significados
simbólicos da existência humana e da nossa maior finalidade nesta experiência,
aceitando de forma simples os mistérios da vida.
É obvio que para o pensamento maniqueísta e racionalista da
ciência e das religiões machistas, este princípio feminino está associado ao
mal, a carne e aos instintos cegos e animalescos presentes nela, aos prazeres
mundanos, ao que é negativo para o moralismo vigente, enfim ao lado sombrio
renegado pela persona coletiva e social do politicamente correto e da pureza
casta.
Porém estes
elementos, como analisamos ao longo deste trabalho, devem ser integrados na
trindade masculina, pura e livre do mal.
Com a quaternidade, tão valorizada por Jung, podemos
vivenciar, dialeticamente, o bem e o mal, o masculino e o feminino, o Eros e o
Phobos, presentes na natureza humana, como opostos complementares e contidos na
unidade divina, a exemplo do Tao. É como se possibilitássemos a redenção e a
inclusão de Lilith, a Lua negra, no íntimo de nosso ser.
O medo de abrir mão do poder para se entregar ao Eros até
justifica a perseguição que as mulheres, representantes mais íntimas deste
quarto elemento feminino, sofreram e, infelizmente, ainda sofrem de forma não
tão escandalosa como na idade média - conforme consta nos manuais de inquisição
das bruxas.
E, nossa cultura que ruma, claudicante, para a evolução só
poderá sair desta paralisia frente ao mal e a ilusão do poder, através do
dinamismo quaternário que anuncia a alteridade como princípio básico. Assim
tornarmo-nos mais íntegros, mais inteiros e totais e, conseqüentemente, mais
éticos, eróticos e livres dos apegos do ego fascinado pelo poder e pelo mal.
Autor: Waldemar Magaldi Filho
Fundador do IJEP e coordenador dos cursos
Autor do livro: DINHEIRO, SAÚDE E SAGRADO
http://www.ijep.com.br/index.php
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