quinta-feira, 19 de junho de 2014

A Gula





A GULA – No eneagrama corresponde ao ENEATIPO VII:
A gula está relacionada com uma fome insaciável, com a ingratidão, com o egoísmo. Aquele que não conhece a gratidão não reconhece o que tem, “está” faminto, carente e precisa se alimentar daquilo que carece, tem fome de felicidade. A criança é estimulada a comer para crescer e ficar forte, é ensinada a comer sem fome, sem horário e quando engorda, sente que está mais forte e poderoso do que os outros. Dharmadhannya

Maitri diz que a gula tem uma qualidade oral, bucal. No sentido rotineiro, a palavra gula significa a inges­tão demasiada de alimentos; mas, no caso do no eneagrama, esse exagero não se restringe ao comer.

 Pode ter ele um apetite voraz por ideias, histórias, livros, drogas, comida, bebida ou qualquer outra coisa que o faça sentir-se bem. Também pode ser um apetite de atenção, uma vez que, para alguns, essa é uma coisa que os deixa “nas nuvens”.

Quando a pessoa pratica o trabalho espiritual, sua gula pode ser uma gula de experiências contemplativas e es­tados místicos, de novas e diferentes impressões da Verdadeira Natureza.

A gula é, na verdade, um apego ao consumo. É a necessidade de estar constantemente ingerindo alguma coisa, mastigando e sentindo o gosto das coisas, mas não necessariamente digerindo-as.

 A falta de estímulos provoca ansiedade essa que é um sinal de que sua fome in­terior está ameaçando chegar à tona da consciência. Por trás da fome estão a dor e a angustia da árida esterilidade interior, a sensação de deficiências vazia no âmago de sua personalidade.

 Por isso ele tem fome e sede de boas experiências, de experiências elevadas, transcendentes, jubilosas. Lá no fundo,  essa gula é uma tentativa inconsciente de recuperar o paraíso perdido interior – o vínculo com a mãe e, ainda dessa personificação , o vínculo com o  SER.


“Para o guloso o prazer em comer é certamente a menos importante de suas manifestações, e ainda pode estar mascarada por uma excessiva preocupação dietético-espiritual nascida do sentir-se inconscientemente culpado de sua gula e assim a proibir.

 Parece-me que no mundo de hoje, são mais numerosas as pessoas deste caráter que de outros entre aqueles que pensam que “somos o que come­mos” e favorecem a dieta macrobiótica, o vegetarianismo e, mais geralmente, a medicina natural.

A paixão pelo mais e melhor que é a gula, manifesta- se de forma generalizada nas relações interpessoais como um afã de degustar, de ser popular, de receber admiração.

Frequentemente, o homem guloso é um adorador de sua mãe, e sua vida se orienta - como no filme Oito e Meio de Fellini - em torno a uma imagem idealizada de mulher que representa o princípio e fim de todos os prazeres e as boas coisas da vida.

 Porém, também é importante a gula intelectual que faz deste o mais curioso dos caracteres, tanto no sentido de uma busca de novos horizontes e experiências no mundo concreto, como na busca abstra­ia, no mundo das ideias;

sente-se atraído pelas últimas fronteiras do conhecimento com tudo o que apresentam de misterioso e exótico.
Aludindo a um defeito ainda mais fundamental que a gula, Inchado caracterizava este tipo de personalidade como a do “charlatão”.

Certamente trata-se de uma pessoa loquaz, e sua loquacidade serve tanto para a exibição de conhecimen­tos especiais como para “enrolar” os demais persuasivamente em suas ideias, projetos e desejos.

 Sua loquacidade serve principalmente para sua gula - quer dizer, implica numa forma de conseguir o objeto de seus desejos através de boas explicações. E tais boas explicações, e opiniões são particularmente importantes quando se trata de ir além dos limites impostos pelo ambiente.

É um caráter que apresenta certo “frescor” que conse­gue o que quer por sua simpatia e engenhosos argumen­tos; porém a “charlatanice” não se fundamenta só em boas razões, mas principalmente na capacidade de encantar - que envolve não só inteligência e sutileza, como também um certo nível de bem-estar e alegria sem os quais a pes­soa não poderia sustentar sua ascendência nem sua capa­cidade de convencimento.

 Para conseguir este nível de bem-estar tem que, naturalmente, enganar-se a si mesmo - pois o nível de sofrimentos ou de conflitos não é intrinsecamente maior ou menor em um caráter do que em outro e para este autoengano convergem a necessida­de de manter uma fachada encantadora da própria gula, pois mais importante ainda que o desejo de prazer é a evitação da dor que este hedonismo traz consigo.

O caráter guloso se situa no eneagrama a meio cami­nho entre o covarde e o luxurioso. Poderia ser descrito como uma covardia mascarada em que a pessoa se refugia no prazer para evitar a angústia; e poderia, por outro lado, entender-se como uma luxúria suavizada, que não busca mais intensidade à custa da dor – como no EVIII - porém mais doçura.

Não se trata de um hedonismo do tipo “motos e rock’ roll”, mas de um hedonismo do agradável e do evitar o desagradável. O guloso compartilha com o caráter luxurioso a rebeldia, porém não se trata de uma rebeldia aberta e direta, mas indireta e sutil para a qual é mais apropriada uma palavra diferente: anticonvencionalismo.

 Este caráter desdenha o costumeiro e se sente atraí­do sempre pela inovação, pelo não-usual.
Talvez os traços mais destacados do “narcisista” da psi­quiatria norte-americana e do DSM-III sejam a boa ima­gem de si e o sentir-se com direitos, em virtude de um talento especial, o que certamente se aplica ao EVII.

Ainda que a pessoa projete uma boa imagem de si e, em maior medida que os outros, sinta-se bem, pode-se dizer que isto é fruto de uma contínua autopropaganda ante o mundo e ante si mesmo que contrapõe uma também consciente insegurança.

Talvez por isso a boa impressão que se esfor­ça em causar no outro não é motivada por uma apresenta­ção arrogante de si mesmo, megalômana ou ostensivamen­te superior, mas corresponde a de uma pessoa amistosa que insiste em uma aproximação igualitária, e espera um reconhecimento especial não só por seu talento mas tam­bém por sua modéstia e disposição fraternal.

É muito presente neste caráter o mecanismo de defe­sa chamado “racionalização”, que supõe atribuir aos pró­prios atos uma motivação diferente e socialmente mais admirável ou aceitável do que a real - essencialmente a negação da parte gulosa e aproveitadora da pessoa, enquanto mostra, de forma chamativa, um estilo generoso, dadivoso e serviçal.

Ao descrever um personagem deste tipo entre seus caracteres, Elias Canetti observa que “não deixa que lhe ofereçam sequer uma xícara de café”.

Um traço importante deste caráter, ainda não men­cionado, é o humor. O “guloso” não é só um falador sim­pático, mas também uma pessoa que diverte e se diverte: sabe rir de si mesmo (distanciando-se de suas emoções verdadeiras), sabe divertir e rir dos demais, defendendo- se de tomá-los completamente a sério.

Quando inspecionamos as observações dos clássicos em matéria de caráter, vemos que o retrato do caráter gulo­so aparece em Teofrasto sob o nome de “loquacidade”13.

 De forma bastante significativa. Teofrasto, ao definir loquacida­de, emprega uma palavra essencial para captar esta caracterologia: a incontinência - no sentido de uma “incontinência do discurso”.

Descreve este tipo como aquele que está continuamente falando e não deixa tempo para respirar.

“E quando aturdiu uns poucos é quem logo se dirige aos grupos e se dedica a distrair as pessoas que se reúnem para falar de um assunto.

Vai às aulas ou à escola de luta livre e perturba os alunos que estão tendo suas aulas mexericando com os mestres e trei­nadores”

Evidentemente a imagem que Teofrasto nos mostra é de uma pessoa que não só fala demasiado, mas também tem um grande desejo de contato, é narcisista e sem deli­cadeza para com os demais:
“Impede com sua verborreia que se desenvolva um juízo ou que se contemple o espetáculo no teatro ou que se coma à vontade numa ceia (...)”

Com sua loquacidade este homem é pouco receptivo, porém admite seu defeito e acomoda a crítica dos demais. É como se com esta mostra de amabilidade esperasse a mesma condescendência por parte de suas vítimas; uma indulgência parecida com sua própria indulgência.

Também encontramos o charlatão no perfil do “traficante de notícias” de Teofrasto. Em nossos dias vemos o traficante de notícias na pessoa que está a par do último escândalo ou das últimas publicações acadêmicas; portanto tem informações para oferecer em troca de ouvidos que o escutem.

 Vemos aqui, na gula de contato, como a aten­ção e o apreço são adquiridos por meio de palavras.

É claro que nos tempos da Comedia Del Arte este tipo humano era bem conhecido e o encontramos na simpáti­ca figura de Arlecchino. Assim o apresenta Carla Poesio em seu livro sobre as máscaras italianas.

“Sou Arlecchino Batocio, de Bérgamo, humilíssimo servo dos senhores. Quem é este homem desprezível? Parece de borracha, com seus saltos e cabriolas, com as piruetas que mescla com as palavras.

Usa uma máscara de couro com dois pequenos orifícios para os olhos. Belo certamente não é, ao contrário. Pode dar medo? Não! Olha que divertida é a forma como se move, sua voz de papagaio, os gestos vivazes - que mescla com os despropósitos que saem de sua boca (...)

Não se sabe se é um pouco estúpido ou se pretende sê-lo, e seus enre­dos certamente os cria sem maldade, e termina sendo ele mesmo o mais enredado neles. Não tem muito desejo de trabalhar, ao contrário, seu ofício é o de ser­vidor, sem jamais encontrar um patrão a seu contento.

Seu salário com frequência está cheio de batatas e bor­doadas. Merecidos ou não, ali está o problema. Que sou ignorante não é culpa minha, sustenta, e conta a quem quiser escutá-lo que quando ia para a escola, ocorreu um curioso acidente: uma vaca comeu seus livros com muito apetite.

 Como poderia interromper- lhe uma refeição tão substanciosa? Não teve coragem. Deixou que a vaca lhe comesse a cartilha, a tábua pitagórica e todas as demais fontes da ciência, até a última página.

Desde aquele dia em diante, pobrezinho, não pode estudar. Não será uma boa desculpa, porém para Arlecchino a história funciona, e ele mesmo é o primei­ro a acreditar nela (...) Uma coisa não lhe falta nunca: a fome.

 É um eterno esfomeado. Quando está finalmen­te por satisfazer essa grande voracidade que sente no estômago, e que parece durar-lhe dias, semanas, meses, noventa vezes em cem algo se interpõe entre ele e sua merenda. E então sonha.

 Seu nome Arlecchino deriva da palavra lecchare (lamber) em referência à fome e glutonaria. (Provavelmente primeiro se chamou Lecchino e logo em seguida Arllecchino.)”

A gula, que o eneagrama assinala como vizinha do medo, por mais que o caráter guloso não seja um em que a pessoa conscientemente tenda a sentir-se intimidada. O guloso que se examina profunda­mente, certamente chega a compreender que sua busca de prazer tanto quanto a evitação da dor são uma reação de escape diante da angústia e uma forma de fuga de si mesmo.

 Naturalmente não se trata aqui de gula por alimen­tos somente, corresponde à gula que descrevem os teólo­gos, e que a psicanálise designa como oralidade receptiva, que constitui um gesto psíquico semelhante ao de uma criança que mama, e bem se pode considerar como a regressão de um adulto a esta posição infantil mais privile­giada na vida.

A gula não só evoca hedonismo em um sentido sen­sual, como também num sentido mais amplo que inclui o não querer incomodar-se e o prazer particular da não- frustração - quer dizer: a autoindulgência.

 Os teólogos também tinham razão ao colocar a gula no começo da série mais antiga dos pecados (antes disso era tida como orgulho): pois a atitude gulosa redunda em mais prazer que as outras e , portanto, é particularmente tentadora.

 O obstáculo que a gula pode significar no caminho da matu­ridade pode ser entendido à luz da divertida anedota de Oscar Wilde que dizia: “A única coisa a que não posso resistir é à tentação.”

Mesmo a gula pertencendo à família do medo, sua rela­ção com a luxúria é igualmente estreita e se faz visível de forma que as pessoas predominantemente gulosas se pare­cem às luxuriosas tanto em seu hedonismo como em sua rebeldia. No entanto a luxúria busca a intensidade e a gula busca prazer (e talvez mais decisivamente evitar a dor). '
Parece-me que o círculo das nove paixões básicas, apresentado por Ichazo constitui um refinamento da octada de Evagrio não só pela inclusão do medo entre os peca­dos como por constituir precisamente, um círculo e não só uma eneada:

 uma ordenação das paixões e, um mode­lo “psicodinâmico”; quer dizer, uma noção da origem de cada uma das paixões como resultante de uma espécie de hibridização das vizinhas, da formação do conjunto a par­tir de uma tríade básica e de cada uma destas básicas por transformação de alguma outra.

É certo que a idéia de que uns pecados procedem de outros não é nova na literatura cristã: dela falou particu­larmente Casiano (ainda no século V) que, depois de pas­sar vinte anos no Egito, veio a radicar-se em Marselha.

 Cada um dos oito últimos livros de seus Institutos está dedicado a um dos pecados, ilustrados com exemplos bíblicos e com anedotas dos monges egípcios. Segundo Casiano, cada um dos pecados deriva do precedente, segundo uma ordenação que começa com a gula e termi­na no orgulho.

Mas parece-me que a ordenação das paixões no eneagrama vai além das noções de Casiano tanto em exatidão como em detalhe. À parte as relações psicodinâmicas entre medo, falsidade e comodidade indolente, trajetos unidirecionais entre os pontos do eneagrama indicam relações psicodinâmicas entre as demais paixões, apon­tando: como a ira volta-se contra si, transformando-se em inveja autodestrutiva; como a voracidade invejosa volta-se ao espelho, tornando-se generosidade alimentadora do orgulho;

como a atitude de conquista sedutora do orgu­lho transforma-se na conquista avassaladora da luxúria; como a cobiça luxuriosa por autonegação transforma-se na cobiça impotente da avareza;

como o economizar-se e privar-se da avareza engendra, compensatoriamente, a ati­tude de auto dissipação e autoindulgência da gula; e, como uma vez mais, a doce autoindulgência engendra um oposto: a severidade austera da ira.

Mais significativamente, a psicologia transpessoal exposta por Ichazo constitui a expressão de uma tradição


 Lá no fun­do, essa gula é uma tentativa inconsciente de recuperar o paraíso perdido interior — o vínculo com a mãe e, além ainda dessa personificação, o vín­culo com o Ser.

A dor e a angústia da árida esterilidade interior, por isso a sensação de deficiência va­zia no âmago de sua personalidade. Por isso ele tem fome e sede de boas ex­periências, de experiências elevadas, transcendentes, jubilosas.

A maioria das doutrinas espirituais nos dizem que o desejo é a raiz de todo   O Amarelo aperfeiçoa essa compreensão e nos mostra que, quando o nosso desejo das coisas vem do amor que temos por elas, nós sen­timos alegria no coração e, na verdade, perdemos todo e qualquer apego a elas.

 Ou seja, quando o desejo é sentido em sua plenitude, transforma-se no amor altruísta. É o que sentimos quando amamos profundamente uma pes­soa e esquecemo-nos totalmente de nós mesmos ao desejar o melhor para essa pessoa. Quando, porém, o desejo nasce da deficiência e da compulsão de preencher o vazio, tudo o que sentimos é desespero.

Por isso, talvez seja dizer que, se o sofrimento for a raiz do desejo, deste só há de resultado sofrimento.
O Aspecto Idealizado do Tipo Sete manifesta-se de maneira mais pro­nunciada nessa busca da felicidade perdida da primeira infância. O estado de consciência que ele busca reproduzir é, na terminologia do Caminho do Diamante, o do Aspecto Amarelo da Essência, ou Aspecto de Alegria. O Amarelo é o estado de alegria na alma que nasce do contato com as coisas que amamos.

O Tipo Sete não gosta de empanturrar-se de uma única coisa, especial­mente de uma coisa corriqueira e acessível. Gosta, isto sim, de provar um pouco de muitas coisas diferentes — e, quanto mais estranhas, desconheci­das, inexploradas e extraordinárias, melhor.

 É como ir na La Basque e pro­var uma colheradinha de cada um dos sabores de sorvete. Ele quer o entu­siasmo, a novidade das coisas desconhecidas e diferentes.

 À semelhança de sua hiperativa “mente de macaco”, o Tipo Sete passa rapidamente pela vida, buscando novos e diferentes estímulos e navegando na crista da onda de ex­pectativas elevadas gerada por seus sonhos e planos idealistas e excessiva­mente otimistas.

Energeticamente, as pessoas de Tipo Sete costumam ser cheias de adrenalina e de entusiasmo com a vida, ou me­lhor, com a ideia que fazem da vida — e, como seria de se esperar, as glân­dulas suprarrenais são a parte do corpo associada a esse tipo.

 Essas pessoas se lançam de foguete rumo ao futuro, a um futuro que parece guardar em seu seio a promessa de um número cada vez maior de coisas interessantes.

Pode manifestar-se como um entusiasmo borbulhante ou co­mo um deleite muito silencioso e profundo. A doutrina do Amarelo diz res­peito à descoberta das coisas que nós realmente queremos, das coisas que realmente nos farão felizes.

Quanto mais ouvimos atentamente ao nosso co­ração e procuramos saber o que é que nos dá alegria, percebemos que essa alegria surge na mesma medida em que somos realistas e encaramos sem medo a verdade do nosso ser, pois essa atitude nos deixa um pouco mais próximos das profundezas da alma.

 Percebemos também que a alegria sur­ge quando contemplamos o desdobramento do Ser — a Obra Divina — em todas as formas por Ele assumidas em nosso universo. A compreensão do Amarelo nos revela que nós amamos as pessoas que amamos e gostamos das coisas de que gostamos porque essas pessoas e coisas nos manifestam e nos lembram aquilo que os corações mais amam, a nossa Verdadeira Natureza.

A Alegria é uma celebração do Ser e uma celebração da participação no Seu desdobramento, na Sua manifestação. Ela surge em medida tanto maior quanto mais o nosso coração se abre, espontâneo e liberto do medo. A bus­ca de estímulos e novidades por parte do Tipo Sete é, na verdade, uma ten­tativa de encontrar aquela felicidade que só pode provir da união com essa Bem-Amada de todos os corações, a nossa Verdadeira Natureza.

Este texto é resultado de uma pesquisa, é uma compilação inspirada nos mestres do assunto.

Sandra Maitri e Claudio Naranjo especialistas em Eneagrama.

Pesquisado por Dharmadhannya

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