quarta-feira, 2 de setembro de 2020

O Cérebro que medita...

           




A neurociência analisa nossas características mais humanas - amor, raiva, compaixão - e nos ensina a direcionar a força mental para termos uma vida mais gratificante 

POR KIMBERLY HISS 

O CÉREBRO QUE MEDITA

A meditação pode ser um recurso poderoso para transformar o velho barco a remo do cérebro numa lancha, de corrida. A prática faz crescer o te­cido cerebral, melhora o humor e nos deixa mais resilientes.

"A meditação envolve a metacognição, ou seja, pensar em pensar, pres­tar atenção à atenção, que usa o córtex

pré-frontal" diz Hanson. "Ela envolve o cérebro inteiro e acessa experiências sensoriais e emocionais, desejos, im­pulsos e substratos antigos e profundos da consciência. Parece que a meditação envolve tanto as partes mais modernas quanto as mais antigas do cérebro."

Em um estudo, os participantes que meditaram 40 minutos por dia apresentaram massa cinzenta mais espessa nas áreas responsáveis pela atenção, pela tomada de decisões e pela memória de trabalho, quando comparados a quem não meditava.  Outro estudo verificou que oito se­manas de meditação da atenção plena aumentavam a densidade da massa cinzenta em várias regiões, in­clusive no hipocampo (envolvido no aprendizado e na memória), e redu­zia a densidade da massa cinzenta na amígdala (que desempenha seu papel no estresse).

 "Sentar-se, concentrar-se na respiração e relaxar todos os dias constrói mesmo estruturas cerebrais?',' pergunta Hanson. "Isso é genial!" 

O CÉREBRO CRITICADO

Pense na sua última avaliação de desempenho. “O chefe começa di­zendo 19 coisas positivas',' diz Hanson "Mas se houver uma única crítica no final, é dela que você vai se lembrar. O que fica é a vigésima, negativa."

Essa reação exagerada - chamada; nos círculos da psicologia, viés de negatividade - ajudou a manter vivos os

an­cestrais precisavam obter as “recompensas” como comida e parceiros, e evitar os “castigos” como os predado­res" explica Hanson. "Quem não con­segue a recompensa hoje tem outra oportunidade amanhã.

Mas quem não  consegue evitar um predador, pronto! Fim de jogo. Nosso cérebro se programou para se hiperconcentrar nas más notícias." Ele continua: "O cére­bro é como velcro na hora de grudar nas más experiências e como teflon na hora de não grudar nas boas."

Práticas simples ajudam a contra­balançar esse viés. "A negatividade logo se torna uma estrutura neural" explica ele. "E codificar as experiên­cias positivas pode levar mais tempo. Sentir intencionalmente e por mais tempo as experiências positivas ajuda a fixá-las, o que pode nos tomar mais felizes e resilientes." Saboreie o elo­gio que recebeu. Fique plenamente atento aos momentos felizes; observe os detalhes para que se tornem mais fáceis de lembrar. Seja grato e feliz com o que a vida lhe deu. Aquele que participa e ajuda a humanidade é feliz...

O CÉREBRO PROCRASTINADOR

Quando adiamos um projeto urgente, evitamos 

emoções negativas causa­das pela tarefa desagradável porque queremos nos sentir bem agora. En­tretanto, na verdade só estamos dei­xando o problema para nosso eu futuro. Portanto em termos neurológicos lógicos a pergunta é: por que trata­mos assim nosso Eu Futuro?" indaga ; Timothy A. Pychyl, professor adjunto de psicologia da Universidade Carleton, em Ottawa, no Canadá.

 Um es­tudo usou ressonâncias magnéticas funcionais para ver quais partes do cérebro se ativavam quando os parti­cipantes pensavam no eu presente, no eu futuro e num desconhecido, e ve­rificou que o cérebro pensa no eu futuro mais ou menos como pensa num desconhecido.

A procrastinação também é a luta entre dois sistemas cerebrais diferen­tes. O sistema límbico, responsável pelas emoções básicas, é uma parte antiga do cérebro (na segunda bola de sorvete). Também é um sistema auto­mático e muito rápido que reage de forma não consciente. Quer se sen­tir bem agora. Depois há o córtex pré-frontal, mais novo (na terceira bola), com a função executiva que envolve planejamento e controle de impulsos.

 É um processo mais lento, que temo! de ativar conscientemente.

O cérebro
sonhador
é perfeito
para resolver
os problemas
da vida
cotidiana
.

Quando pensamos em preen­cher a declaração de rendimentos, o sistema límbico se ativa primeiro, com a meta urgente de se sen­tir bem agora cumprida, evitando- -se a tarefa desagradável.

 O córtex pré-frontal, mais responsável, vem se arrastando atrás, e temos de envolvê-lo pensando nos benefícios de entregar a declaração no prazo.

O CÉREBRO APAIXONADO

As pessoas de mais sorte se identificam não só com o amor romântico que Ann Druyan sen­tiu ao se apaixonar por Carl Sagan como tam­bém com o vínculo de longa duração que uniu o casal até a morte de Sagan 19 anos depois.

Esses dois tipos distin­tos de amor surgem em regiões diferentes do cé­rebro, diz Helen Fisher, do Centro de Estudos Evolucionários Huma­nos da Universidade Rutgers.

"O amor romântico se origina no tegmento mesencefálico, a parte mais antiga do cérebro, perto de cen­tros que controlam a sede e a fome" explica ela. "O amor romântico é um impulso básico que concentra nossa energia na conquista de um parceiro para acasalar."

No entanto, uma região cerebral importante ligada ao apego é o globo pálido, mais moderno e elevado (na terceira bola). "A atração romântica in­tensa é uma reação mais primitiva do que o sentimento de apego, que é mais recente’,' diz Helen. Esse circuito está li­gado ao amor para a vida inteira.

"Quem ama a longo prazo mostra atividade no córtex pré-frontal ventromedial, ligado à 'ilusão positiva ou capacidade de deixar de lado os contras e se concentrar nos prós", explica ela. Quem mantém relações amorosas prolongadas diz coisas como: "Não gosto quando ele larga as meias por aí, mas adoro seu senso de hu­mor." Essa mentalidade alimenta sentimentos amorosos muito depois da lua de mel.

O CÉREBRO ENRAIVECIDO

Quando alguém nos dá uma fechada no trânsito, achamos que o motorista é um imbecil - em vez de pensar que talvez esteja correndo para o hospital -, e isso nos deixa furiosos.

Nosso cérebro foi construído para reagir com exagero à percep­ção de ameaças. "A mesma má­quina neuronal que protegeu nossos ancestrais de ataques de leões se arma quando deparamos com ten­sões comuns, como o trânsito”, explica Rick Hanson.

 O corpo libera cortisol, hormônio que dispara o alarme do cérebro e estimula a carga emocional da amígdala, além de da­nificar neurônios do hipocampo, que encolhe a parte calmante do cérebro que nos faz reavaliar as situações.

Para controlar essa rea­ção de estresse, podemos usar as regiões mais novas do cérebro, como o córtex pré-frontal, para regular as antigas. Quando se sentir com raiva ao volante, forçar a concentração - pensando, diga­mos: "só vou me atrasar 15 minutos” - pode amenizar a reação emocional.

O CÉREBRO SONHADOR

O participante de um estudo de so­nhos estava em um dilema. Não con­seguia se decidir entre dois programas de pós-graduação perto de sua casa em Massachusetts e dois mais dis­tantes.

 Então sonhou que estava num avião que sobrevoava um mapa. O pi­loto disse que o motor estava com pro­blemas e que precisavam pousar em um lugar seguro. O estudante sugeriu Massachusetts, mas o piloto disse que lá era “muito perigoso”.

 O estudante acordou achando que a melhor opção era um programa longe de casa.

Com esses estudos sobre sonhos, Deirdre Barrett, professora clínica adjunta de Psicologia da Universi­dade Harvard, vem explorando o fun­cionamento complexo do circuito do sono do cérebro.

Depois que ador­mecemos, explica ela, o cérebro se aquieta, mas em 90 minutos ele se reativa com o sono de movimento rápido dos olhos (REM, na sigla em inglês) e fica tão ativo quanto se es­

tivéssemos acordados. No en­tanto, essa atividade vem de uma distribuiçãodiferente das regiões cerebrais.

Enquanto o córtex visual primário, que recebe os si­nais luminosos dos olhos, fica menos ativo quando dormimos do que quando estamos acordados, o córtex visual secundário, envolvido quando imaginamos alguma coisa, se ativa bastante no sono REM.

 O córtex motor se liga e dispara ordens de mo­vimento, contrariadas por outra área que paralisa os músculos durante o sono. Também de forma notável, o "censor" do córtex pré-frontal, que garante que nos comportemos de forma convencional, fica menos ativo quando dormimos.

Além de adequada às característi­cas simbólicas dos sonhos - ambien­tes visualmente ricos onde realizamos ações extraordinárias e os fatos têm um desenrolar esquisito essa nova distribuição da atividade também transforma os sonhos em terreno fér­til para resolver os problemas da vida cotidiana.

 O aumento da atividade do córtex visual secundário permite que a mente sonhadora visualize novas soluções.

 A redução da ativi­dade do córtex pré-frontal ajuda a re­solver impasses.

Para maximizar a solução de pro­blemas nos sonhos, Deirdre sugere que, na hora de dormir, você formule sua preocupação de forma sucinta escrevendo-a ou repetindo-a men­talmente. Depois, crie uma imagem mental que represente o problema e diga a si mesmo que quer sonhar com uma solução. Mantenha papel e ca­neta junto à cama e escreva o sonho assim que acordar. "Os sonhos ficam na memória de curto prazo, e escre­vê-los os transfere para a memória de longo prazo” diz ela.

O CÉREBRO QUE OUVE MUSICA

Imagine que você está na fila do café e uma música que gosta, comece a tocar no rádio. A cascata de atividade mental resultante para processar a música "toca todos os aspectos mais avançados da cognição humana" diz Robert Zatorre, pro­fessor de Neurociência do Instituto e Hospital Neurológico de Montreal, na Universidade McGill.

Em primeiro lu­gar, o som atinge o ouvido e ativa uma série de estruturas, desde a cóclea (onde as vibrações se transformam em impulsos elétricos) até o córtex ce­rebral.

Quando reconhecemos a mú­sica - seu nome ou onde a ouvimos pela última vez o córtex auditivo se liga às regiões responsáveis pela recu­peração de lembranças.

 Então, se co­meçarmos a marcar o ritmo com o pé, ativamos o córtex motor de um modo muito específico, porque movemos o pé no mesmo andamento da canção.

Finalmente, se musica nos deixa alegres, a música ligou o sistema de recompensa do cérebro, um circuito antigo e poderoso disparado por ativi­dades essenciais para a sobrevivência, como comer e fazer sexo.

Por que algo que não parece essen­cial

como a música, envolve esse sis­tema promotor da vida? Os cientistas ainda tentam descobrir, mas o que acontece no cérebro quando ouvi­mos uma música que adoramos pode dar uma boa ideia.

 "A música au­menta a conversa entre as estruturas cerebrais dos antigos centros de re­compensa que controlam o prazer e as áreas mais novas do córtex que cui­dam da previsão e da expectativa" diz Zatorre.

Ele constatou em um estudo que o cérebro liberava dopamina, substância química ligada ao prazer e à recompensa, com a expectativa da parte favorita da canção. Portanto, pode ser que a música alimente o de­sejo inato do cérebro de perceber pa­drões e resolver problemas.


Á vida perfeita do seu cérebro 

O famoso astrônomo Carl Sagan comandou o projeto Golden Record, que pretendia apresentar o povo da Terra a quaisquer seres que as espaço-naves encontrassem. Como parte do conteúdo, Ann Druyan, da equipe de Sagan, teve suas ondas cerebrais medi­das por um eletroencefalograma, que foi comprimido num minuto de som.

Dois dias antes, Sagan e Ann tinham percebido que estavam apaixonados - uma sensação avassaladora que inun­dava a mente de Ann durante o exame. Assim, hoje, 18 anos depois da morte de Sagan, aquela preciosa canção de um cérebro apaixonado (parecem bombinhas explodindo) ainda flutua pela vastidão do espaço.

A fim de resumir a essência da raça humana para um público interestelar, Sagan e sua equipe escolheram revelar um pouco do funcionamento interno do cérebro.

 Para muitos cientistas, a resposta à pergunta do que nos torna humanos reside nos mistérios do cére­bro. "No nível físico, há apenas alguns átomos se agitando por lá” diz Christof Koch, Ph.D. e dire­tor científico do Instituto Allen de Ciência Cere­bral, em Seattle. "Mas aí acontece um salto mágico e essa ativi­dade se transforma em sentimentos de raiva ou na lembrança do primeiro beijo."

Avanços da tecnologia, como os exa­mes de ressonância magnética funcio­nal, nos permitem ver como trabalham as regiões do cérebro e onde se origi­nam determinadas emoções.

Os espe­cialistas esperam que essa iniciativa promova a luta contra o autismo, a doença de Alzheimer e a depressão. A pesquisa também pode lançar luz sobre como nos apaixonamos ou tomamos decisões difíceis, explica o Dr. Thomas R. Insel, diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos.

 Diz ele: "Entender o cérebro é a suprema viagem para descobrir quem somos."

DE NOSSA MENTE MARAVILHOSA

Esse órgão sofisticado vem evoluindo há milhões de anos por um processo se­melhante a pôr bolas de sorvete numa casquinha, explica o Dr. David J. Linden, neurocientista da Universidade Johns Hopkins.

"As partes mais baixas, como o cerebelo e o hipotálamo, que cuidam de comportamentos vol­tados para a sobrevivência, como a fome e o impulso sexual, não evoluíram muito, e as de um lagarto não são muito diferentes das nossas’,’ diz ele para descrever a primeira bola de sor­vete evolucionário. "Os centros mais altos, envolvidos no processamento emocional, como o hipocampo e a amígdala, são bem mais comple­xos nos camundongos do que nos lagartos", diz ele sobre a segunda bola.

 "No topo, temos os seres humanos, com um córtex complexo e gi­gantesco',' diz Linden so­bre a bola de cima. Esse é o lar dos pensamentos e da linguagem.

A interação entre as regiões mais antigas e mais novas do cérebro faz de nós o que somos hoje.

Eis outra maneira de ver o modo aleatório pelo qual nosso cére­bro evoluiu. "Digamos que alguém lhe pedisse para construir uma lancha de corrida mas lhe desse um barco a remo, e dissesse que você só poderia adicionar coisas para transformá-lo na lancha" diz Linden.

"Foi assim a evolução do cérebro. Só se pode alterar sutilmente o que já existe, sem mudar o projeto básico." A interação entre as regiões mais anti­gas e mais novas do cérebro faz de nós o que somos hoje.

"Pessoas e camundongos conse­guem sentir prazer ao comer e fazer fi­lhos, algo de que ambos precisam para sobreviver e transmitir seus genes. Mas só o ser humano consegue ter prazer com o jejum ou a abstinência de sexo, que não trazem vantagens evolutivas.

O milagre do pensamento humano é que nosso antigo circuito do prazer pode ser ativado por partes mais altas e complicadas do cére­bro" explica Linden. "0 fato de obtermos prazer de coisas totalmente ar­bitrárias é que enriquece nossa vida."

A evolução humana é um processo muito lento, mas podemos afe­tar diretamente nossa "evolução" pessoal du­rante a vida.

"Há um di­tado que diz: neurônios que disparam juntos continuam juntos" diz o neuropsicólogo e escritor Rick Hanson. Padrões repetidos de pensamen­tos e sentimentos de fato alteram nossa estrutura cerebral.

Eis como nosso cé­rebro funciona durante sete situações comuns. Podemos usar essas idéias para exercitar a musculatura mental.

Revista Seleções

Por Kinberly


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