sábado, 22 de setembro de 2012

Educação contra a violência e a barbárie




"Educação contra a violência e a  barbárie"

A educação deveria suscitar a crítica à ideologia vigente, voltando-se para as contradições sociais, sendo sobretudo uma educação política
Por José Leon Crochik
 Resumo 

Theodor W. Adorno escreveu sobre a educação escolar a partir do final de 1950...

Em um de seus textos mais conhecidos — Educação após Auschwitz —,  Adorno defendeu que nenhum princípio é mais importante para a educação do que evitar novos genocídios, e que se os educadores não tiverem consciência disso, novas tragédias iriam ocorrer; e, como podemos constatar, não deixaram de ocorrer nas últimas décadas. 

A FORMAÇÃO DO INDIVÍDUO EM NOSSA SOCIEDADE TEM EM SUA BASE O MEDO SUSCITADO POR AMEAÇAS SOCIAIS

Na busca do entendimento da questão enunciada, Horkheimer e Adorno, em sua obra conjuntas  — Dialética do esclarecimento —, deram ênfase à história da civilização, indicando que a violência existente no fascismo é componente presente no movimento do esclarecimento, que tem como objetivos livrar o homem do medo e tomá-lo senhor.

 Os autores mostraram que as diversas formas de esclarecimento — magia, mito, religião, filosofia, ciência —, se pretendiam enfrentar os perigos existentes e, assim, permitir a sobrevivência do homem, o fizeram, ainda que de maneiras distintas, sob a forma de dominação, que se tornou uma segunda natureza humana.

  Em outras palavras, para sobreviver, o homem teve de dominar a natureza que o ameaçava, mas, como ele também é natureza, a dominação foi estendida a si próprio e aos outros homens.

Na sociedade moderna, a necessidade da dominação continua a existir; agora, porém, sem o perigo enfrentado pelos nossos ancestrais, toma-se anacrônica, e, no entanto, é preservada.

 Se assim é, o que a move ainda é o medo. A formação do indivíduo em nossa sociedade tem em sua base o medo; antes reação à ameaça das forças da natureza, na civilização avançada, esse medo é suscitado por ameaças sociais, que se puseram no lugar daquelas forças, e obrigam os indivíduos  atuar comforme o esperado.

Theodor W. Adorno escreveu a respeito da educação escolar sua preocupação com a formação do indivíduo, contudo, percorre sua obra. Ele defendeu que a educação deveria suscitar a crítica à ideologia vigente; criticou a violência simbólica, mas sem esquecer de criticar a sua base material. Pensou a educação escolar como instituição necessária ao combate à violência; como formadora de indivíduos autônomos, democráticos e emancipados, sem desconsiderar os limites desta sociedade.

Na educação escolar atual, a racionalidade técnica, que criticou, está presente no pensamento administrativo, que aproxima a escola de um empreendimento comercial, e no pensamento burocrático, que facilita a educação em massa; está presente também na organização dos espaços e dos tempos escolares, na organização das disciplinas e na de conteúdos, na parafernália tecnológica, que auxilia o aprimoramento da didática, destinada a tornar o aprendizado mais fácil e mais agradável, retirando-lhe conteúdo, seu caráter formador.


A transformação da educação escolar em mercadoria, denúncia que Adorno fez à cultura de forma geral, é atestada pelos diversos índices nacionais que indicam aos pais dos alunos quais são as melhores escolas; que levam diretores, professores e alunos à competição, que deve preparar últimos para garantir um “lugar Sol”, nas palavras de Adorno “à base de cotoveladas”.

Já em sua época, o frankfurtiano atribuía à escola o objetivo de formar o indivíduo para resistir à violência própria e alheia destacando que essa violência se apresenta na escola quer I seus métodos, quer nos
exercidos pelos educadores e nas reações dos alunos.

O predomínio da sociedade sobre os indivíduos não o impediu de considerar ações possíveis e necessárias para enfrentar a violência, e a educação escolar, ainda que não a gere imediatamente, pode e deve ter uma ação civilizadora no combate à barbárie, que se apresenta de diversas formas.

Como, ao longo de sua vida, a violência, presente nas duas guerras mundiais, no fascismo, no Estado de Bem-Estar Social, nas sociedades de democracia formal, que continuam a manter o germe do fascismo, mostrou-se perseverante em sociedades desenvolvidas do ponto de vista cultural e tecnológico, suas indagações voltaram-se para a questão: por que países e povos desenvolvidos, com condições de não mais ter de produzir o extermínio entre os homens, provocaram os horrores vividos principalmente no fascismo do século passado, que poderiam proporcionar a paz?

Como escreveu em um texto de sua maturidade — Dialética negativa — a história de nossa civilização é a da violência; Adorno tinha clareza de que o fenômeno não era novo, mas também que não era inevitável, e, ao lado da questão enunciada, indicou que, na contemporaneidade, trata-se de uma nova forma de violência: asséptica, planejada, industrial.

“Auschwitz” — o campo de concentração e também a alegoria da violência nazista — expressou a barbárie moderna: os campos de gás permitiram que os homens não fossem mais assassinados, mas eliminados, como peças industriais defeituosas, que atrapalham o desenvolvimento da sociedade.

A eliminação dos homens pelas câmaras de gás expressava, de um lado, a dificuldade de alguns homens continuarem a matar pessoalmente, e, de outro, a frieza necessária de, mesmo sabendo do assassinato em massa, executá-lo.

 Essa frieza, como veremos mais à frente, constitui, segundo Adorno, um dos traços do indivíduo contemporâneo. Como pensador materialista, defendeu que o fascismo e sua marca nos indivíduos — a frieza — não eram fenômenos essencialmente psicológicos, e, sim, devidos às condições objetivas; apesar disso não se furtou a destacar a importância da dimensão psicológica, sempre relacionada à dimensão social.

Antes de introduzir as propostas feitas por ele para o combate à violência pela educação, cabe discorrer sobre como entendeu o surgimento do assassinato em massa em sua forma industrial.


Da Dialética do esclarecimento cabe também enfatizar, ainda que brevemente, que na história desse movimento, do mito à ciência, a constituição do homem se diferenciando da natureza foi acompanhada de uma tendência contrária:

 a não diferenciação entre ambos, no mito, pelo animismo, que dá vida ao que não tem; na ciência, pelo pensamento reduzido à matemática, que tira vida do que a tem — do próprio homem, que é administrado como qualquer outra  mercadoria.

O problema, segundo os autores, não é propriamente o pensamento matemático, necessário para o progresso , assim, para a libertação do homem do jugo da repetição que percebe na natureza, e, sim, sua identificação com a verdade e sua utilização para saber tudo de antemão: nada deve ser desconhecido, pois isso acalenta o medo de destruição; desse modo, porém, o que é conhecido não é o fenômeno, mas aquilo que permite subjugá-lo.

À libertação do homem dos perigos da natureza correspondeu a dominação da natureza e, dessa forma, o homem se viu prisioneiro da própria necessidade de dominar.

Quando a sociedade tinha carência de produção material, a dominação poderia ter motivos objetivos de produção material, a dominação poderia ter motivos objetivos para se impor, mas em uma sociedade de abundância de produção — real ou potencial esses motivos deixaram de existir, tornando irracional essa necessidade, e, assim, toma-se uma das tarefas da educação combatê-la.

 Na sociedade, a dominação aparece na hierarquia entre os que detêm o poder e os que não o detêm, mas como a hierarquia se irradia para todas as relações institucionais e pessoais, todos lutam para obter poder e não ser dominados, reproduzindo assim a necessidade de se libertar do jugo, dessa vez, do próprio homem.

 Na escola, Adorno detecta uma dupla hierarquia: a promovida pelo desempenho escolar e a expressa pelo desempenho prático, mundano, corporal; o fascismo, segundo o filósofo, valorizou esta última em detrimento da primeira.

Um dos elementos do fascismo é o combate ao que seja intelectual, percebido como frágil, não prático, sem serventia para a auto conservação. Esse ódio ao intelectual, paradoxalmente desenvolvido também na escola, é gerado como forma de atacar o que é desejado, mas julgado impossível de se obter — aqueles que se sentem humilhados por não se julgarem e não ser julgados inteligentes como os outros, por não conseguirem boas notas, combatem, no desprezo ao intelectual, o que gostariam de ser.

Não é casual que Horkheimer e Adorno em Dialética do esclarecimento tenham caracterizado o fascismo como o “nivelamento por baixo”, como o ressentimento dos que eram desprezados socialmente.  Dessa forma, se os que se destacam na hierarquia oficial — a que é expressa pelo desempenho nas disciplinas escolares — contribuem com o desprezo em relação aos que estão na base dessa hierarquia, estes últimos tendem a constituir outra hierarquia, revelada por serem bem-sucedidos em esportes, por serem fisicamente mais fortes, podendo dessa maneira se vingar dos primeiros.

O que ocorre no cotidiano escolar não pode ser pensado isoladamente, sem referência ao que está ocorrendo na sociedade e na cultura. Adorno insiste que, embora as reformas pedagógicas sejam necessárias, elas não conseguem atingir seus objetivos devido aos limites estabelecidos pela sociedade contemporânea, que se expressa pelo capitalismo dos monopólios e não mais pelo capitalismo liberal,  assentado no mercado.

As necessidades mais do que nunca são criadas e o modo de produção calca-se na racionalidade tecnológica; mais do que no século XIX, os trabalhadores, os que ainda conseguem empregos, são apêndices da máquina, e devem ser formados como máquinas para aumentar a eficiência.

Para a reprodução desta sociedade, portanto, não é mais necessária a formação intelectual, cultural, mas aquela que dê conta da racionalidade técnica, que é o pensamento que relaciona meios e fins, sem pensar estes últimos, isto é, desconsiderando a política.

Em seu texto Educação após Auschwitz, Adorno pondera a contradição que a formação técnica contém. A tecnologia é importante por criar as condições da felicidade e da liberdade humana, mas aquele que desenvolve um caráter tecnológico — se identifica com as máquinas — pode ter o prazer restringido a fazer o trabalho bem-feito, a manipular os objetos e os indivíduos entre esses, de modo a obter o que pretende.

 Dever-se-ia enfatizar que a técnica deve ser a ampliação do braço humano e, por isso, fundamental, mas que ela não é fim e, ainda que seja produto humano, não expressa todas as qualidades dos homens.

A cultura, por sua vez, como já afirmado antes, tende a se converter em mercadoria; deixa de ser fundamental para a formação, pondo esta em questão, a não ser pela aparência que devem ter aqueles que precisam mostrar conhecê-la, sem que efetivamente a incorporem. Ela se tomou externa aos indivíduos instrumentalizando-os, não mais os formando.
A formação, segundo Adorno, nada mais é do que a introjeção da cultura; é por meio de sua incorporação que os indivíduos conseguem se diferençar, por meio da linguagem, do pensamento, que desenvolvem a partir daquela introjeção.

 Assim, não é possível pensar o indivíduo dissociado da cultura, que, quanto mais desenvolvida for, mais permite a diferenciação individual, e vice-versa. Mas a cultura, que se converte em mercadoria, só pode ser adquirida como valor de troca, com seu uso atrelado à adaptação ao que é exigido pela autoconservação.

Os indivíduos se formam para aumentar seu valor no mercado e não mais para se diferençar, para compreender a sociedade em que vivem e auxiliar em sua modificação, com o objetivo de torná-la justa e propiciadora da felicidade e da liberdade individuais.

A obtenção da cultura como um fim em si mesmo é criticada por Adorno, pois não permite, por si só, compreender as injustiças sociais e evitar a defesa de estados totalitários como o nazismo.

Colabora com a impressão de que se é melhor do que os outros presente na frase: “Mas como, você não sabia isso?”. De outro lado, a cultura que transmite somente o instrumental para a adaptação não é menos danosa, pois forma para a sobrevivência imediata, impedindo os indivíduos de compreender a violência que recai sobre eles e, desse modo, contribui com a perpetuação dessa violência.

 Adorno critica esses dois tipos de formação, e recomenda que quando a cultura for valorizada como um fim em si mesmo, deve-se lembrar que ela deve se voltar a criar condições humanas; quando quando o aspecto pragmático for ressaltado, cabe lembrar que, se a adaptação é necessária, auxilia a reprodução da injustiça social.

 Caberia pensar a cultura, e assim a formação, como aquela que se afasta do imediato para melhor compreender a constituição social, para lutar pela alteração da sociedade no que for necessário.

O frankfurtiano não faz a defesa da formação clássica; não cabe reavê-la, mesmo porque as condições objetivas que lhe deram base já são outras; contudo, em uma perspectiva histórica, é importante pensar na alteração das formas que a cultura assume; mais do que isso, ele nos mostra que a formação clássica já era problemática: para que alguns
pudessem tê-la, boa parte da população deveria se sacrificar pela reprodução social, por meio do trabalho sem sentido, ou pela mais absoluta pobreza.

Não obstante, a formação clássica guardava a possibilidade de pensar além do existente, e, assim, serve como crítica à atual pseudoformação.

O termo pseudoformação não deve ser entendido de maneira idealista, como se houvesse uma verdadeira formação, independentemente da história, mas como contrário à formação que já seria possível. O termo “halbildung” é, em geral, traduzido, no Brasil, por semiformação, que se refere a uma educação “mais ou menos”.

 Em nosso entendimento, a tradução do termo por pseudoformação é mais adequada ao pensamento do autor que argumenta que a educação, tal como a execução de uma partitura musical, nãopode ser “mais ou menos”.

Desse modo, uma formação pela metade é falsa formação. Essa é uma discussão importante para nós, brasileiros, que, em geral, julgamos ser melhor uma educação precária a nenhuma, pois para Adorno uma falsa formação nos leva a pensar que conhecemos o que não conhecemos.

 Trata-se de um conhecimento externo, não incorporado. Por isso, o pseudoformado se irrita quando é contrariado, pois sabe que não detém o conhecimento que pretende demonstrar.

Cabe insistir que a pseudoformação é gerada por condições objetivas, isto é, sociais e, desse modo, não se trata de um fenômeno a ser corrigido pela vontade dos indivíduos.

 Por ser suscitada socialmente, deve-se buscar seus determinantes sociais. Para a educação, resta, o que não é pouco, denunciar a pseudoformação e as condições que a geram, e não torná-la mais uma vez um atributo de responsabilidade individual.

NUMA CULTURA PRENHE DE
IMAGENS, ADORNO INDICA A RETRAÇÃO
DA IMAGINAÇÃO


Em Teoría de la pseudocultura, Adorno mostra como a modificação de práticas educacionais comporta também elementos problemáticos. Decorar poesias ou a tabuada não faz nenhum sentido; no entanto, sem nenhum conhecimento retido o pensamento não é possível; o saber centrado na autoridade pode ser criticado, mas o enfraquecimento da autoridade não encontrou nenhum sucessor melhor.

O progresso da educação, assim como o progresso em geral, não pode ser pensado linearmente; além do que é necessário entender que ele não se tem voltado, nos últimos tempos, de modo predominante para o bem-estar da humanidade, mas para a reprodução desta sociedade.

O professor da escola básica, sobretudo pública, é desprestigiado socialmente, o que se associa à desvalia das profissões intelectuais e das que não oferecem riscos ao trabalhador. É considerado como aquele que faz o trabalho sujo: usa seu poder para disciplinar as crianças, consideradas frágeis.

 Adorno, ao analisar os tabus acerca da profissão de ensinar, evidencia a existência da resistência ao professor, que é simultaneamente respeitado e desprezado.

É respeitado como representante da tradição, do conhecimento acumulado; é desprezado por sua imagem de pouco afeito a questões práticas; a esse tipo de imagem corresponde o ridículo a que é exposto nas conversas entre os alunos; 
 mostrando- se alheio ao mundo, ressalta sua “esquisitice”, que os alunos não perdoam. 

À disciplina a que são obrigados, os alunos respondem com a agressão subterrânea ou visível; qualquer traço do professor que lembre a natureza não dominada — algum tique, um vício de linguagem, uma roupa fora dos padrões, os descuidos com a aparência ou o zelo excessivo com ela — é motivo para chacota. Essa chacota reproduz o desprezo fascista ao intelectual'.
Revista Educação: Especial : biblioteca do Professor.
Adorno 10 Pensa a Educação.  Por uma educação  Politica.


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