"Um roteiro para a Felicidade"
Conceituo felicidade como um estado de
equilíbrio relativo em torno da homeostase, isto é, um estado onde exista o
menor número possível de desconfortos.
A isto tem que se
agregar alguns períodos de prazer efetivo, além de uma sensação de estar bem
consigo mesmo, o que provoca um orgulho íntimo diferente do prazer que sentimos
ao nos exibirmos para os outros.
Nada é mais prático do que uma boa teoria: não se
deve pensar que existe um abismo entre teoria e prática, uma vez que é de uma
boa teoria que se deduz tudo o que necessitamos para a vida concreta.
Devemos evitar a tentação de que existem fórmulas simplistas e superficiais
capazes de nos fazer felizes.
Nossos problemas se dão em 3 níveis: na nossa
relação com o universo, nas relações que temos com as outras pessoas e com o mundo
que nos cerca, além daqueles que temos no convívio conosco mesmos.
NOSSA RELAÇÃO COM O UNIVERSO: A INCERTEZA
Não temos conhecimento e nem controle sobre o
nosso destino após a morte e nem das coisas — boas e más — que ainda estão por
nos acontecer ao longo dos anos que vivermos.
Isto nos provoca uma sensação de desamparo e
insignificância, com a qual teremos que conviver por todas as fases da vida.
As pessoas que lidam mal com a incerteza se
tornam controladoras, ciumentas, sempre tentando “encolher” suas experiências
com o objetivo de diminuir as chances de sofrimento.
São pessimistas e acovardadas. Para se tornarem mais
felizes terão que se modificar, senão serão sempre atormentadas e viverão com
permanente medo em relação ao futuro.
Para lidar bem com a incerteza teremos que nos
tornar criaturas fortes. O forte é aquele capaz de tolerar bem as frustrações e
as dores da vida. Os fortes “montam no cavalo” porque sabem que, se caírem,
terão força suficiente para se levantar e montar de novo.
São otimistas e mais ousados, o que não lhes faz sem
discernimento para os riscos. Sabem que podem ganhar ou perder em cada item do
jogo da vida.
Os que lidam bem com o fato de nosso futuro ser
desconhecido, deverão ainda aprender a curtir a incerteza, pois é esta
condição que faz da vida uma aventura rica, fascinante e um tanto perigosa.
Isto passa a ser entendido como uma coisa boa, além de ser a
vontade das forças maiores que nos cercam, forças estas que podem ser
pressentidas, mas que não se revelam — pois, se isso acontecesse, a incerteza
desapareceria.
Pessoas mais corajosas são mais livres e vivem mais o
presente. São mais capazes de se envolver completamente nas suas atividades
atuais, dedicando a elas plena atenção, condição na qual a vida flui
(“flow”), sendo este estado de plena concentração um dos importantes
ingredientes da felicidade. Corresponde, até certo ponto, ao estado de
meditação proposto pelo budismo.
Nossa espiritualidade evolui para a humildade diante das
coisas que não podemos controlar, mesmo aquelas que poderão nos causar
grande dano.
Quando o destino nos surpreende negativa e irremediavelmente
só nos cabe a “doce” aceitação dos fatos. Isto nos permite metabolizar mais
rapidamente a dor.
Não devemos confundir
esta importante evolução com o estado de resignação, que consiste em aceitarmos
condições nas quais deveríamos lutar para alterar o resultado final de um
acontecimento.
NOSSA RELAÇÃO COM AS OUTRAS PESSOAS: A VAIDADE
As relações que estabelecemos com o meio que nos cerca, com
o que nos acontece “da carne para fora”, deve ser separada em dois
tipos: as relações apenas superficialmente interpessoais e aquelas que são
efetivamente interpessoais.
As relações superficialmente interpessoais são
essencialmente relacionadas com a vaidade, um prazer erótico de se exibir,
se destacar e atrair olhares de admiração ou desejo que nos provoca uma
excitação tipicamente sexual.
Vaidade não é o mesmo que narcisismo (amor por
si mesmo), conceito que, dentro da minha perspectiva, deve ser abandonado por causar
mais confusão do que entendimento da nossa condição.
É superficialmente interpessoal tudo o que diz respeito
ao sexo, neste contexto entendido como emoção totalmente diferente do amor.
No processo erótico, os outros são apenas objetos
desencadeadores da nossa excitação. Por se tratar de forte excitação, nos faz
desatentos ao que acontece externamente, condição na qual, quando exercido
separadamente do amor, poderá nos trazer a desconfortável sensação de solidão.
Daí deriva a tendência de tantas pessoas a só terem
interesse no sexo quando associado ao amor, pois este atenua justamente esta
sensação.
Sexo é forte prazer, mas envolve também importante jogo
de poder ligado à sedução. Derrotas neste jogo determinam grave ofensa à
vaidade, forte dor que chamamos de humilhação.
É superficialmente interpessoal o amor como se costuma
vivenciar, ou seja, como uma fusão com outra pessoa com o intuito de
preencher um vazio (um “buraco”), que nos acompanha desde o nascimento.
Isto faz do outro um
remédio, no qual ficamos viciados, o que determina cobranças recíprocas
derivadas da extraordinária dependência.
O outro tem que ser aquilo que desejamos, de modo que
não existe respeito, condição fundamental para a interpessoalidade efetiva.
É bom registrar que a vaidade está muito presente no
fenômeno do amor.
É superficialmente interpessoal a vida social formal,
onde a preocupação maior é a de ostentar valores, se exibir de todas as formas,
de modo a despertar a admiração capaz de alimentar a vaidade.
Processos ligados à vaidade afetam pouco — ou nada —
nossa auto-estima. São prazeres superficiais, momentâneos e vazios. Não é
bom que percamos muita energia nesta área, apesar de se tratar de forte impulso.
A inveja deriva da vaidade, assim como a tendência para a
exagerada competitividade, condições que mais nos afastam uns dos outros do
que nos unem. Caminhar por esta estrada não costuma levar a bom lugar e nos
afasta muito dos ideais de felicidade.
São efetivamente interpessoais as interações mediadas
pela empatia: capacidade de se colocar no lugar do outro e tentar ver
o mundo segundo o ponto de vista e modo de raciocinar do outro.
Por esta via conseguimos, de fato, transcender nossas
limitações mamíferas e gerar alguns dos sentimentos mais sofisticados e
meritórios. São fruto de elaborada atividade da razão, que é exatamente o que
mais nos distingue como espécie.
É empática a solidariedade: sentimento que nos
une e faz genuinamente preocupados com os outros membros da nossa família,
comunidade, pátria ou mesmo com todos os homens.
É empática a amizade: sentimento
sofisticadíssimo relacionado com a integração intelectual com pessoas afins,
com as quais estabelecemos uma interação baseada no respeito e na tolerância
pelas diferenças.
É empático o +amor: aproximação de 2 inteiros
que não pretendem a fusão, mas sim um relacionamento íntimo muito mais próximo
da amizade do que do amor romântico. É a versão adulta do amor.
São interpessoais as trocas efetivas entre as pessoas,
especialmente as que se relacionam com o trabalho. Neste caso, há
importante interferência da razão, capaz de conduzir o convívio na direção da
cooperação e não da competição.
O trabalho é, com frequência, ligado ao fluir da
vida, sendo, pois, mais prazeroso e importante para a felicidade do que se
costuma pensar. O dinheiro tem importância relativa para a felicidade.
Conduta moral nas
relações interpessoais é muito importante para a auto-estima.
O que é efetivamente interpessoal interfere na
auto-estima de forma direta e muito relevante. Qualquer avanço nesta
área provoca o prazer íntimo, independente de provocar — ou não — também os
prazeres exibicionistas da vaidade.
A recíproca também é
verdadeira: condutas moralmente duvidosas ou fracassos de todo o tipo
interferem negativamente na auto-estima.
A RELAÇÃO CONSIGO MESMO: AUTO-ESTIMA
Os prazeres íntimos, os “da carne para dentro” estão
relacionados com outro tipo de sensação, diferente daquele determinado pela
vaidade. É um tipo de contentamento, de orgulho íntimo que chamamos de auto-estima,
diretamente relacionado com o juízo que fazemos de nós mesmos.
A auto-estima se beneficia muito do “conhecer-se a si
mesmo”, condição na qual podemos desfazer as confusões acerca do que
efetivamente somos, o que é diferente do que sonhamos ser ou do que esperam que
sejamos.
Temos que nos precaver contra a vaidade intelectual,
pois ela poderá falsear a efetiva avaliação que temos que fazer de nós.
A auto-estima se beneficia de uma conduta moral (relativa
aos outros) e ética (relativa a nós mesmos).
Temos que nos guiar por convicções próprias, ainda que
diferentes do padrão usual do meio no qual vivamos.
Um item importante da
ética é o da temperança (“nada em demasia”), que temos que tentar
buscar, contrariando a tendência, derivada da vaidade, de irmos para os
extremos.
A auto-estima se beneficia muito da disciplina, que
significa o domínio da razão sobre todas as emoções e sentimentos.
Ser disciplinado não é o mesmo que ser reprimido. O
controle da razão, mais forte que as emoções, tem sido chamado de inteligência
emocional quando estamos nos referindo às relações da pessoa com o
meio externo.
Trata-se do mesmo processo que chamamos de maturidade
emocional, este último mais genérico e envolvendo nossa vida íntima mais do
que visando resultados práticos. A disciplina é essencial para o sucesso íntimo
e para a plena realização íntima. Terá que ser treinada o tempo todo e
a qualquer custo.
A auto-estima se beneficia da construção de um projeto de
vida, pois a perseguição de objetivos dá direção e rota para a vida. Pelo
fato da vida não ter um sentido determinado, é nosso direito construir um
sentido para a nossa vida.
Deverá ser construído de acordo com o conhecimento de nós
mesmos e em sintonia com nossas peculiaridades. Os riscos a correr deverão ser
maiores ou menores conforme o fascínio que tenhamos pela incerteza.
O importante não é a realização do projeto, mas o caminho
que percorremos. O que vale é o dia-a-dia e não a chegada. Temos que gostar
do caminho e não apenas dos resultados finais.
Não é bom que o projeto passe por outras pessoas e nem que
esteja relacionado com o amor. É parte da nossa individualidade, da visão do Eu
como único e isolado.
Ganhamos coragem quando temos um projeto alternativo,
um “plano B”, ao qual possamos recorrer em caso de fracasso do projeto
original. Sua existência poderá nos deixar muito mais fortes e com menos medo
das dores relacionadas com a queda eventual.
A paz de espírito deve ser sempre muito valorizada.
Tendemos a desprezá-la, mas a verdade é que a ausência de grandes sofrimentos e
a sensação de harmonia pode nos parecer pouca coisa, mas não é esta a verdade.
Gostamos de ação e, por vezes, nos entediamos com a paz. Porém, a paz é
ótima como estado basal.
Quem desejar mais ação deverá ativar outras funções
psíquicas, sem que isto implique em desprezo pela serenidade.
A paz de espírito deriva de uma boa auto-estima. A paz de
espírito nos ajuda a aprender a lidar melhor com o tempo; nos ensina a saber
esperar.
O poder do pensamento deriva de uma boa auto-estima.
Nossos pensamentos se tornam mais fortes e eventualmente capazes de interferir
a favor do atingimento dos objetivos que ansiamos — inclusive os de natureza
concreta — quando desenvolvemos esta força interior derivada de uma intimidade
consistente.
É por esta rota difícil que chegamos onde os vendedores de
ilusão nos prometem levar por atalhos fáceis. Uma boa auto-estima pode
nos ajudar a ter menos medo da felicidade.
Flavio Giokovate
http://flaviogikovate.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário