domingo, 16 de novembro de 2014

Amizade sem trato





Amizade sem trato


Dei pra me emocionar cada vez que falo dos amigos. Deve ser a idade, dizem que a gente fica mais sentimental. Mas é fato: quando penso no que tenho de mais valioso, os amigos aparecem em pé de igualdade com o resto da família.

 E quando ouço pessoas dizendo que amigo, amigo meeeesmo, a gente só tem dois ou três, empino o peito e fico até meio besta de tanto orgulho: eu tenho muito mais do que dois ou três. São uma cambada. Não é privilegio meu. Qualquer pessoa poderia ter tantos assim, mas quem se dedica?
Fulano é meu amigo, Sicrana é minha amiga. É nada. São conhecidos. Gente que cumprimentamos na rua, falamos rapidamente numa festa, de repente até sabemos de uma fofoca pesada sobre eles, mas amigos? Nem perto.Alguns até chegaram a ser, mas não são mais por absoluta falta de cuidado de ambas as partes.

Amizade não é só empatia, é cultivo. Exige tempo, disposição. E o mais importante: o carinho não precisa-nem deve-vir acompanhado de um motivo.
 

As pessoas se falam basicamente nos aniversários, no Natal para pedir um favor –tem que haver uma razão prática ou festiva para fazer contato.  Pois para saber a diferença entre um amigo ocasional e um de verdade, basta tirar a razão de cena. Você não precisa de uma razão, basta sentir a falta da pessoa. E estando junto, tratarem-se bem.

Difícil exemplificar o que é tratar bem. Se forem amigos mesmo, não é preciso nem falar, podem até caminhar lado a lado em silêncio. Não é preciso troca de elogios constantes, podem até pegar no pé um do outro, delicadamente.


Não é preciso manifestações constantes de carinho, podem até dizer verdades duras, às vezes elas são necessárias. Mas há sempre algo de sublime no ar entre dois amigos de verdade. Talvez respeito seja a palavra. Afeto, certamente. Cumplicidade? Mais do que cumplicidade. Sintonia? Acho que é amor.

Oh, céus! Santa pieguice, Batman! Amor? Está lengalenga de novo?
Serio, só mesmo amando um amigo para permitir que ele se jogue no seu sofá e chore todas as dores dele sem que você se incomode nem um pingo com isso. Só mesmo amando para você confiar a ele o seu próprio inferno. E para não invejarem as vitórias um do outro.


Por amor, você empresta a suas coisas, dá o seu tempo, é honesto nas suas respostas, cuida para não ofender, abraça causas que não são suas, entra numas roubadas, compreende alguns sumiços, só que liga quando o sumiço é exagerado. 

Tudo isso é amizade com trato. Se amigos assim entraram na sua vida, não deixe que sumam.

Porém, a maioria das pessoas não só deixam como contribui para que os amigos evaporem. Ignora os mecanismos de manutenção. Acha que a amizade é algo pronto e que é da sua natureza ser constante, sem precisar que a gente dê uma mãozinha. E aí um dia abrimos a mãozinha e não conseguimos contar nos dedos nem dois amigos pra valer.



E ainda argumentamos que a solidão é um sintoma deste dias de hoje, tão emergências, tão individualistas. Nada disso. A solidão é apenas um sintoma do nosso descaso.

 Martha Medeiros

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