A Alma para Platão
O conceito de alma em Platão: do mundo das idéias ao
mundo dos interesses - Paulo R. R. Passos
Apesar da influência do Orfismo na filosofia
platônica, a qual apregoava o corpo como o cárcere da alma e uma vida de
continências, abstinências e privações como elementos purificantes desta,
Platão foi além.
A concepção platônica se desvencilha da mística religiosa
pitagórica, traz o processo de purificação da alma para a convivência social,
espaço este que oferece as condições de aprimoramento da alma.
Nessa linha de
pensamento o sofrimento não representava mais o arcabouço pedagógico de
lapidação do espírito humano. O processo evolutivo ocorria a partir da vida
correta e justa do indivíduo em sociedade.
O conceito de salvação alcança uma racionalidade a
partir do momento que, o desígnio da alma encontra-se totalmente condicionado
as escolhas da vida.
Ou seja, quanto mais o indivíduo tomasse consciência da
realidade social, do outro, do conjunto associativo, da República, e
trabalhasse no sentido de preservá-la e protegê-la, concomitantemente estaria
num processo de desenvolvimento da alma.
Isto seria um círculo virtuoso, pois,
na medida em que a conduta de justiça adotada pelo indivíduo fosse crescendo,
como num movimento de retroalimentação sua racionalidade aflorava com mais
intensidade.
Assim, quanto maior sua interação com a vida e com as pessoas,
mais se pensa, quanto mais se pensa mais próximo do mundo das idéias.
Para Platão a alma era composta por três partes, com
base nessa divisão ele acaba por explicitar a essência da sua tese. A primeira
e, segundo o filósofo, a mais importante de todas, está a parte racional ou
cognitiva.
Esta seria responsável pela contemplação, pelo raciocínio,
aprendizagem. É, ao mesmo tempo, responsável pela vida intelectual e serve de
freio das outras duas partes.
A segunda parte seria a irascível, nesta reside o
ímpeto pelas veleidades da vida, do prazer e do poder, das sensibilidades. Na
compreensão do filósofo a parte irascível representa a ira, a discórdia e a
violência.
E, por último, a parte apetitiva, responsável pelos desejos
fisiológicos, pelas necessidades vegetativas e outras paixões.
Na lógica da filosofia de Platão, cabe à racionalidade
o governo da vida, do espírito, da alma. As outras partes não estando à altura
da parte racional devem subordinar-se a ela.
Transplantando esse modelo para o
plano político, somente aqueles que pensam, leia-se, os filósofos, estariam
isentos e aptos para governar a República. Com Platão o conceito de alma foi
traduzido como algo acessível ao homem, bastava para isso se conscientizar da
sua própria consciência, das suas escolhas, das suas ações refletidas no
cotidiano social.
A concepção de Platão para o aperfeiçoamento da alma
não é algo fechado, nem tampouco preestabelecido. Todo ser humano pode
desenvolver a sua alma por meio da educação.
O processo educacional levaria o
indivíduo a aprender viver de forma justa e digna em sociedade. Sendo assim,
toda sociedade que queira viver em harmonia e justiça em seu seio social
deveriam desenvolver as “almas” dos seus membros.
Perplexidade à parte, o fato é que tudo quanto
representava algo de importância para a maioria das pessoas no passado, hoje
perde sua lógica, seu sentido, sua legitimidade.
Esse processo de esvaziamento
simbólico das nossas instancias de valor, os quais orientavam nossas vidas
entre o plano espiritual e o material, torna-se a cada dia mais racional,
objetivo, metódico e essencialmente humano.
A transcendência, a salvação, vida
eterna, paraíso, julgamento final, são expressões cada vez menos empregadas
pelas pessoas na contemporaneidade, a não ser com acepções distintas de suas etimologias,
totalmente ressemantizadas e ajustadas ao pragmatismo da vida.
Até mesmo para os mais desavisados, não há dúvida de
que muita coisa mudou e continua mudando.
E o mais impactante desse processo é
que esclarecido ou não quanto às transformações, elas alcançam a todos, todos
as sentem, todos se adaptam a elas.
Aqueles valores que em outrora eram
passados de geração em geração, considerados patrimônio das famílias, tão
sólidos e seguros que alicerçavam a vida, dirimiam as duvidas,
arrefeciam as
angústias, estabeleciam as certezas e balizavam o caminho, estão desaparecendo.
Isso não significa que estamos vivendo sem um substrato simbólico para as
nossas vidas, apenas que, não são mais os mesmos, não propõem as mesmas
representações, não sustentam as mesmas verdades.
Ao contrário do que propunha Platão, de que a alma
encontraria o seu desenvolvimento na relação de justiça com o outro, e assim
sucessivamente o processo de racionalização e harmonia avançaria, isto não se
aplica a contemporaneidade".
Vivemos o paroxismo da racionalidade, contudo,
fomos esvaziados simbolicamente das virtudes associativas.
Buscamos as igrejas
para nos fortalecermos como indivíduos, para digladiarmos com outros
indivíduos.
O processo dialético na “pós-modernidade” se tornou um instrumento
de disputas de espaços de poder, não de conhecimento. A República moderna está
com a sua alma corrompida.
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Paulo Rogério Rodrigues Passos é doutorando em
Ciências da Religião pela PUC-GO, bolsista da FAPEG.
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