2 e 3 — Polaridade e correspondência. Humberto Hoden
Kaibalion
Estes dois princípios, aparentemente opostos, completam-se um ao outro.
A polaridade é o princípio da contrariedade, a correspondência é o
princípio da identidade. Aquele é como que centrífugo, dispersivo: este
centrípeta, convergente, aquele produz diferenciação; este gera integração.
No TODO (Deus), a polaridade e a correspondência se acham em estado de
quietação ou equilíbrio dinâmico, porque o TODO é o grande e único UM,
anterior aos muitos; ele não é nenhum dos ímpares: 1, 3, 5, 7, 9, nem
dos pares: 2, 4, 6, 8, como diria Pitágoras.
O TODO é a grande TESE, anterior
a todas as antíteses e sínteses de que é composto o mundo
fenomenal. A Tese é pré-antitética e pré-sintética.
A polaridade manifesta-se no mundo, sobretudo no mundo autoconsciente,
como individualidade no plano objetivo do ser, e como egoísmo
no plano subjetivo do agir.
Cada indivíduo, sendo um dos polos da antítese, procura necessariamente
os seus interesses particulares, unilaterais; é individualista e exclusivista.
Sendo que a individualização e o seu natural complemento, o
egocentrismo, é da própria natureza dos indivíduos personais, é de todo
impossível extirpar o egoísmo em si mesmo, procurando matá-lo diretamente.
O único meio de remediar os males
que o egoísmo descontrolado pode produzir é integrá-lo num Todo maior, ou, se
possível, no TODO último e absoluto.
A integração do Ego individual no Nós
social da humanidade se chama altruísmo ou ética; a integração do Eu
individual no TODO CÓSMICO
—
o que, naturalmente, inclui o Nós humano — chama-se mística ou religião,
no mais alto sentido da palavra: re- ligar (religio) o indivíduo finito com o
Universal Infinito
—
isto é “religião”.
Essa integração, parcial ou total, do indivíduo polarizado é que se
chama correspondência. A correspondência é, pois, o complemento da polaridade,
assim como a integração é a complementação natural da diferenciação.
A polaridade dissocia — a correspondência associa.
Para haver uma associação perfeita e fecunda deve procedê-la uma
dissociação.
Uma sociedade constante apenas de indivíduos amorfos, não
suficientemente individualizados e caracteristicamente diferenciados, seria uma
sociedade monótona, incolor, moluscóide.
Por outro lado, uma sociedade
constante de indivíduos altamente diferenciados, mas não devidamente integrados
seria uma sociedade caótica, desarmonizada, sempre em vésperas de
esfacelamento.
Diferenciação mais integração, ou, na linguagem hermética, polaridade
mais correspondência, gera exuberância de harmonia, vida, beleza, felicidade.
Todos os departamentos do mundo fenomenal obedecem ao princípio da
polaridade e da correspondência.
O mundo mineral, desde os
átomos até aos astros, revela esses princípios nos fenômenos de repulsão e
atração, donde resulta a harmonia do microcosmo atômico e do macroscomo
astronômico.
No mundo da eletro-física,
os dois princípios aparecem como polos positivo e negativo, dando em resultado
luz, calor e força.
No mundo orgânico, essa lei de polaridade e correspondência é
conhecida como sexos, masculino e feminino, produzindo, além da integração
humana dele e dela, um terceiro, indivíduo representante dos dois.
Na vida social, os indivíduos diferenciados representam a
polaridade ou antítese, e a sua espontânea integração no Todo social concretiza
a correspondência. Nas relações sociais entre o Eu e o Nós, três atitudes são
possíveis:
Eu — Nós (Eu sem Nós) = egoísmo suave
Eu x Nós (Eu contra Nós) = egoísmo violento
Eu + Nós (Eu com Nós) =
altruísmo, amor
No mundo da metafísica, os
princípios da polaridade e da correspondência se manifestam como Causa e
efeitos, Absoluto e relativos, Universal e individuais, Eterno e temporais.
E’
da íntima natureza do TODO (Deus) que seja UM em sua essência e muitos
em suas aparências ou aparecimentos.
O UM é, por assim dizer, o
princípio masculino de Deus, o muito é o seu princípio feminino. Através da
Mãe-Natura se revela, sem cessar, o Pai-Celeste.
E a fecundidade do divino Pai
é inesgotável. A unidade é do SER, a pluralidade é do AGIR. Aquele é o Númeno, este
são os fenômenos.
Na vida ética do homem, o princípio da correspondência exige que
“ame os outros”, e o da polaridade diz “como a si mesmo”.
Nos domínios da estética e das artes revelam-se esses dois
princípios como as leis da assimetria e da simetria, da dissonância e da
consonância, das sombras e das luzes, do forte e do piano, da
unidade e da variedade.
A filosofia distingue diversos planos de correspondência no mundo
fenomenal, que podem ser reduzidos a cinco níveis principais, a saber:
— o plano mineral (matéria);
— o plano astral (energia);
— o plano vital (vegetal e sensitivo);
— o plano mental (inteligência);
— o plano racional (espiritual).
Todos esses planos se acham entrelaçados uns com os outros e todos eles
estão permeados de vida em diversos graus de perfeição ou intensidade. Não há
nada absolutamente morto, passivo, inerte.
Todos esses planos são doadores e recebedores. As vibrações
de cima repercutem nas zonas de baixo, e as de baixo ecoam nas zonas de cima.
O
cosmos é um e uno, não só em seu ser, senão também em seu agir,
uma vez que “o agir segue ao ser” (agere sequitur esse).
Para além de todos os planos — não extensiva mas intensivamente — está
o TODO, a CAUSA prima ou última de tudo. Esse Todo não é a soma total dos
planos, mas a fonte e base de todos eles.
Esse Todo transcende todos os planos,
mas não deixa de ser imanente a cada um deles, assim como a vida cósmica,
intimamente presente em cada ser vivo, ultrapassa infinitamente todos os seres
vivos. Cada ser vivo tem vida, mas nenhum deles é a Vida. A
transcendência exige a imanência do Todo em cada parte.
Visto de um plano superior,
alguns dos planos inferiores parecem privados de vida e de consciência, o que
não passa, todavia, de uma ilusão subjetiva do observador não assaz
clarividente.
Como foi dito, não existe nem pode existir nenhum ser totalmente morto,
inerte, inconsciente. Realidade, atividade, vida, consciência — são, de fato,
sinônimos e até homônimos.
Do grau de consciência que um ser
possuí depende a sua perfeição.
Ser que fosse absolutamente inconsciente,
morto, inerte, seria um ser irreal, isto é, um não- ser, um puro nada.
Deus, a infinita Realidade, é também a infinita atividade, vida,
consciência, a oniconsciência, ultrapassando tempo, espaço e causalidade
(passiva).
Há, no universo, seres dotados de diversos graus de potencialidade. Essa
potencialidade é que é a verdadeira natureza de um ser. A natureza de um ser é
aquilo que ele pode vir a ser atualmente, embora o seja apenas potencialmente,
agora.
Há seres que estão e ficarão para
sempre no plano mineral; outros, no plano astral; outros, no plano vital
vegetativo e sensitivo; outros, no plano mental; outros ascenderão ao plano
racional ou espiritual.
Entretanto, onde a consciência e liberdade atinge certo grau de
evolução, há maior possibilidade do que para os seres inferiores de subirem ao
plano superior.
Esses planos não representam, pois, lugares geográficos ou astronômicos,
mas estágios evolutivos da consciência de um ser. Cada plano é caracterizado
pelo grau de consciência que os seres nele existentes têm do grande Todo
(Deus).
Entre parêntesis: a esses planos se refere o grande iniciado de Nazaré;
quando diz que “em casa de seu pai há muitas moradas”.
Morada quer dizer um lugar, ou
estágio onde se pode “morar” ou “demorar” por algum tempo, para, depois,
prosseguir a sua jornada rumo à “morada” imediatamente superior, em demanda do
Todo.
“Como acima assim embaixo — como abaixo assim acima” — este conhecido
axioma hermético exprime a grande lei da correspondência, indicando que nada
acontece nos planos superiores do universo que, de um ou dê outro modo, não
afete os planos inferiores, e vice-versa.
O mundo é, de fato, um genuíno
“uni-verso”, quer dizer, “um” em “diversos”, um organismo constante de
inúmeras unidades individuais integradas no grande Todo e inter-relacionadas
entre si.
Poderíamos dizer que o princípio da correspondência, completando o da
polaridade, afirma a organicidade do cosmos, ou seja, a lei da
cooperação recíproca; não existe no universo um único indivíduo, uma única
célula, um único átomo, próton ou eléctron, ou outra unidade mínima, em estado
realmente isolado, separado das outras unidades, embora cada indivíduo seja
distinto dos outros.
A polaridade afirma a distinção.
A correspondência nega a separação.
O universo é, pois, uma profunda unidade com distinção- — e uma vasta
diversidade sem separação.
Unidade sem variedade seria monotonia.
Variedade sem unidade seria caos.
Unidade com variedade é harmonia.
Esta imensa harmonia é chamada, em diversas línguas: Universo, Cosmos,
Tao, Brahman. Humberto Hoden
O Poder do UM está na harmonia da União. Dharmadhannya
Nenhum comentário:
Postar um comentário