A Lua e seus mitos - signo de Câncer.
Viste a lua cheia, mas agora ela
mudou.
Mesmo assim ainda é a
lua...
—
Shakespeare, Love's Labour's Lost, V,
II
Poucas pessoas familiarizadas com a astrologia se
surpreenderão
ao ouvir falar da "luz feminil" da Lua, pois a
maioria de nós sabe que a
Lua é o arquétipo feminino quintessencial, o símbolo
visível da Grande
Deusa; e a referência a embalar as sementes sob o
solo combina
perfeitamente com o papel maternal da Lua como nutriz
de toda a vida. Alguns, porém, acharam estranho ler que a Lua controla "o curso
do Sol e o próprio poder de seus raios".
O fato
é: durante a maior parte da história humana, a Lua teve maior importância
simbólica do que o Sol. Para nós, que estamos na era da astrologia do "Signo do
Sol", isso é difícil de acreditar, mas na Índia ainda é a Lua que tem o maior
papel na interpretação dos mapas.
No período neolítico, a Lua era adorada como a grande
deusa da vida e da morte e o crescente e o minguante
da Lua eram
símbolos do ciclo de toda a vida terrestre. A cruz com quatro direções, um
símbolo de completude, freqüentemente representava a Lua. Outro símbolo lunar
que remonta ao período neolítico é o touro, cujos chifres assemelham-se a uma
Lua crescente e cuja vitalidade sexual é emblemática da força vital51
(até
hoje, diz-se que a Lua é exaltada em
Touro).
O fato mais importante sobre a Lua é que ela passa
por fases.
Como a água simboliza o sentimento e como a Lua tem
forte influência sobre as marés, é natural associar a Lua aos sentimentos; isso
coloca a Lua principalmente em um modo feminino. O período médio de revolução da
Lua é de 28 dias e meio, muito similar ao ciclo
menstrual.
Assim,
nos tempos antigos, a própria Grande Deusa era percebida em fases; apesar de
seus muitos nomes, tinha três aspectos principais52. No
início, era a ninfa ou donzela, correspondente à Lua crescente. Como Lua cheia,
a deusa se manifestava como a mãe, com a barriga redonda como a Lua cheia. As
chamadas "deusas gordas" do neolítico ilustram esse aspecto fértil e fecundo da
Lua. Como a Lua minguante, a deusa se manifestava como a anciã
sábia.
Como nos conta Apuleio, a Lua era adorada sob muitos
nomes; há pouquíssimas deusas em todo o panteão dos gregos e celtas que não
possuam um aspecto ou manifestação lunar de algum tipo. Porém, é difícil
encontrar uma só deusa que represente toda a escala de simbolismo lunar. A
chamada Deusa Lua dos gregos, Selene, raramente aparece na mitologia. A deusa
das bruxas Hécate é, como veremos, o símbolo da lua minguante. A deusa clássica mais
freqüentemente associada à Lua é Ártemis.
Porém, os gregos a viam em primeiro lugar como a
Senhora das Feras (ver Sagitário), mais do que como a Lua. Foram os romanos que
tornaram essa divindade, sob o nome latino Diana, uma deusa essencialmente
lunar. Mas, Ártemis-Diana, de qualquer
modo, representa a fase ninfa ou donzela do ciclo lunar: é uma deusa
jovem, ainda não é mãe e seu arco é símbolo da Lua
crescente.
Em um mapa astrológico, a Lua funciona
principalmente como um receptáculo —
como o
caldeirão da deusa que se tornou, na lenda medieval, o santo Graal (ver Os
Quatro Elementos, especialmente Água). Tudo o que o experimentamos converge para
o útero da Lua.
Seria de se espantar, então, que a Lua tenha sido
tradicionalmente associada à memória? Tudo o que lembramos, tudo o que
experimentamos, está guardado no caldeirão da deusa. Assim, a Lua representa
nossos sentimentos, nossos hábitos; em suma, o
inconsciente
pessoal.
Alguns astrólogos esotéricos dizem que a Lua é o planeta do carma passado
—
Diana
como a mãe-deusa, segundo o Kunstbüchlin
de Jost
Amman. Publicado por Johann Feyerabend. Frankfurt, 1599
o que é um modo de dizer que a Lua representa aquele
poço infinito de padrões de sentimentos que, na maior parte, dirigem
inconscientemente nossas ações no presente. Entre as relações de sentimento de
nossa vida, nenhuma é mais importante do que a relação com a mãe, também
simbolizada pela Lua. O modo como fomos criados no início da vida (para não
falar do útero), o amor que recebemos (ou deixamos de
receber) representa um papel importantíssimo na
formação dos instintos inconscientes que regem nosso
comportamento.
É fácil ver por que os antigos astrólogos punham
tanta ênfase na Lua. Em grande parte, somos dirigidos por essa rede de
sentimentos inconscientes representados pela
Lua.
Muitos
astrólogos, porém, buscam relacionar a Lua à primeira parte de nossas vidas e
dizem que viajamos metaforicamente em direção ao simbolismo de nossos
signos
solares conforme envelhecemos. Essa é uma outra
maneira de dizer que devemos nos libertar das relações puramente instintivas e
que a maturidade consiste em ligar-nos mais diretamente ao propósito consciente
ou sentido de destino (o Sol).
Essa, porém, é apenas uma regra prática. Na confecção
do mapa individual, às vezes aquilo que é representado pelo Sol é um senso
deformado ou fraco de destino, enquanto a Lua tem um belo aspecto. Esse
indivíduo, como um tipo lunar positivo, pode achar preferível confiar em seus
instintos, valorizar
a tradição ou o passado e não complicar a situação.
Esse indivíduo pode muito bem encontrar uma
finalidade na tranqüilidade! De acordo com os astrólogos hindus, esse é de fato
um dos melhores destinos possíveis.
Isso
ilustra a diferença entre orientais e ocidentais na forma de interpretar a vida.
Se aceitamos a Lua como o arquétipo feminino ou símbolo yin
da
astrologia, seu modo receptivo, tranqüilo e altamente intuitivo preenche o
modelo ideal de pensamento oriental. Mas no Ocidente, onde a ação, a realização,
a ambição e os objetivos são modos
prioritários de comportamento, a inclinação em
direção à Lua pode ser vista como uma forma de comportamento estática e
improdutiva.
No mundo
astrológico, é bem conhecido o conceito de que a Lua representa os padrões
emocionais negativos do passado que devem ser superados ou transcendidos para se
cumprir o destino solar. Isso por vezes resulta na crença de que a própria Lua é
negativa, enquanto o Sol é positivo e deve ser desenvolvido em detrimento da
Lua. Esse tipo de ênfase
unilateral tende a desvalorizar o feminino. Esse
rótulo negativo dado à Lua reflete o enraizado medo do inconsciente ou do
princípio feminino característico de sociedades solares ou patriarcais.
Donna
Cunningham,
em
Being a Lunar
Type in a Solar World, fornece
um excelente material a respeito dos resultados para a sociedade (e os
indivíduos) quando as necessidades lunares são subestimadas ou totalmente
ignoradas54.
Os
primeiros calendários eram lunares e, de fato, há 13 meses lunares em um ano
solar — fato que
pode ter a ver com o número 13 ter ganho fama de "azarado" aos olhos cristãos. O
número 13 era ligado à deusa
como o número de luas cheias do ano. Se o calendário
lunar ainda estivesse em uso, teríamos 13 meses de 28 dias e meio cada.
Estranhamente, a única cultura no mundo moderno que
ainda utiliza o
calendário
lunar é a mais aparentemente patriarcal de todas —
o Islã,
simbolizado pela Lua crescente.
Os astrônomos nos contam que a Lua é um planeta
estéril, seco e rochoso, o satélite morto da Terra, sem qualidades próprias de
doação de vida. Como é possível que a Lua simbolize todas as qualidades doadoras
de vida da própria deusa?
E como ela
poderia ser interpretada como um planeta "de água"? Como observamos, a Lua tem
uma influência direta sobre as marés oceânicas. E quando Galileu observou pela
primeira vez a Lua através do telescópio, deu às crateras o nome de mares,
sugerindo água.
Alguns livros chamam à Lua "personalidade". Outros
dizem que é o "ego". Outros, ainda, a chamam "alma". Os autores
deste livro já deram muitas outras interpretações aqui. A verdade é
que não há um acordo universal entre astrólogos sobre a Lua no que
toca à sua influência sobre o caráter do
indivíduo.
Porém, algo
sobre o que geralmente se concorda é que ela simboliza "Mãe" e
"Sentimentos". É muito importante
considerar esses elementos num mapa quando se trata dos fatores de motivação
básicos pelos quais as pessoas tendem a levar suas vidas.
Examinemos primeiro a mãe. Em termos de signos
zodiacais, podemos reconhecer quatro emanações da deusa: Touro, Câncer, Virgem e
Escorpião. Touro é associado com a deusa da fertilidade; Câncer, com a deusa
grávida prestes a dar à luz ou que tenha acabado de fazê-lo e a bela relação que
existe entre mãe e filho; Virgem é Deméter (Ceres), a deusa da terra, que semeia
a terra com frutos, flores e grãos para alimentar os famintos filhos da terra e
que lamenta a separação de mãe e filha quando perde Perséfone para o mundo
subterrâneo; e finalmente, Escorpião, a deusa das cobras, é o mundo subterrâneo
ou o aspecto de sabedoria da deusa como a anciã
sábia.
Essas
quatro fases da deusa, da forma como são simbolizadas pelos signos do zodíaco,
parecem relacionar-se às quatro fases da Lua. A antiga religião reconhece três
fases ou faces da Lua — crescente,
cheia e minguante. Em nossos calendários modernos, o mês lunar é dividido em
quatro fases: crescente, cheia, minguante e nova (primeiro, segundo, terceiro e
quarto quadrantes). Dane Rudhyar divide cada fase em duas e atribui assim oito
fases à Lua em seu clássico trabalho The Lunation
Cycle, relacionando
esses ciclos às fases da vida humana55.
Devemos
relacionar as fases lunares às emanações da
deusa.
Em sua fase nova ou crescente, ela é, essencialmente,
uma jovem que corre livre pelas montanhas, unida a toda a natureza. Cheia de
vigor e vida, dança pelos campos, brincando com animais e flores. Parece estar
sorrindo para nós lá do céu quando está nessa fase. Está completa em si mesma e
fica longe de relacionamentos sérios.
Pode ser
sexualmente ativa (a ninfa) ou virginal (a donzela), mas em ambos
os
casos ela é ainda pura, inocente, esperançosa. A
melhor representante desse tipo é Ártemis ou Diana. Na segunda fase, ela está
totalmente absorvida em uma relação, seja com seu parceiro ou, ainda mais
importante, com seu filho. Assim como Maria, dá à luz sua própria criança
sagrada. Seu sorriso tornou-se uma luz branca radiante, a luz que ilumina todos
os que estão "apaixonados".
Os
amantes e aqueles que estão em "lua-de-mel consideram essa fase, quando a Lua
está quase cheia, encantadora. Na terceira fase, a Lua começa a perder a
plenitude de sua luz. O brilho que rodeava a mãe com os seus filhos começam a
diminuir porque ela é forçada a sacrificar sua cria —
como
Maria ou Deméter — para que
esta possa encontrar seu próprio
destino.
Nessa fase, há nela uma tristeza enquanto lamenta sua
perda. Finalmente, durante o último quarto do ciclo minguante, ela se apressa
para atingir a invisibilidade.
Assim
como Ishtar, fica nua diante da deusa do mundo subterrâneo, descobre a si mesma
e encontra o caminho para a luz (o Sol) ou, como Perséfone unindo-se a Hades nas
profundezas do mundo subterrâneo, ela ganha a sabedoria para iniciar todo o
ciclo novamente. Durante essa fase minguante final, a deusa se manifesta como a
sábia anciã. Hécate, chamada deusa das bruxas, representa essa fase. Ela
conhecia ervas e elixires mágicos, curas populares e o controle do clima. Também
tinha o seu familiar, pois a imagem do cão uivando para a Lua foi associada a
Hécate. Esse "cão-da-lua" é muito antigo, pois é encontrado já na cerâmica
balcânica de 5000
a .C.56. Hécate
era também a deusa das encruzilhadas
onde se acreditava que as bruxas realizavam seus rituais), o que é uma reminiscência do neolítico,
quando a cruz de quatro direções era um símbolo
lunar.
Lembremos
também a relação semiótica da Lua com a Terra. A Terra também tem quatro fases
distintas, similares à Lua, literalmente demonstradas pelas estações. No início
do ano, a Terra é estéril, mas logo abaixo da superfície ocorre uma incrível
atividade para preparar a Terra para a segunda fase, a primavera, quando mudas e
botões brotam em toda parte. No verão, a plenitude das flores, frutos e mesmo
ervas daninhas abre caminho para o outono, quando a diminuição da luz prepara a
Terra para sua jornada no subterrâneo. A simetria nessas quatro estações da
Terra e as quatro fases da Lua constitui uma parte integral da vida que manteve
nosso mundo equilibrado e harmonioso.
Enquanto esses ciclos levam um mês para a Lua e um
ano para a Terra (Sol), na estrutura astrológica, em que um dia é igual a um ano
por progressão, a fase lunar leva 27 anos. Esse período de 27 anos, se examinado
cuidadosamente e dividido em quatro subfases de quase 7 anos cada, constitui as
mesmas quatro fases que definem as "estações" de nossas vidas. Uma vida humana
em média consistirá em três fases completas (81 anos) que novamente nos trazem
as três emanações da Lua representadas pela tripla deusa da
Lua.
Os astrólogos
também percebem que esse ciclo é muito próximo do de Saturno, de 28 anos, que
recai na mesma fórmula. Quanto a relação da Lua com a mãe, vimos que a Lua,
quando está cheia, simboliza a maternidade em seu auge. Mas nem todos têm essa
relação com a mãe. A chave para o relacionamento mãe/filho sugerida pela
probabilidade do mapa astrológico relaciona-se com a posição
da
Lua por signo, casa e aspectos.
Talvez a fase da Lua no nascimento também possa
descrever os primeiros anos do indivíduo. Uma Lua minguante pode descrever uma
criança que sofreu algum abandono ou isolamento nos primeiros anos de vida, e
poderia da mesma maneira
apontar para uma alma "velha" ou muito madura. Os
bebês de Lua cheia podem sentir a atração magnética da mãe influenciando-os ao
longo da vida, mesmo quando está na hora de romper as amarras e ganhar
autonomia.
O filho da Lua nova pode sentir-se sempre como um "bebê na floresta" e pode
sempre ser visto como tal por sua família, mesmo após a maturidade. O exame da
fase lunar no nascimento, assim como das fases lunares progressivas, pode
lançar
uma luz significativa sobre as estações da
vida.
Além da
Lua, sugerimos que há outras referências astrológicas à mãe no mapa, incluindo a
Terra e Ceres. A Lua contém a chave para a segurança e o amor emocionais
representados
no início da vida pelo amor da mãe e a segurança que ela sentiu e conseguiu
transmitir ao filho. A maternidade representada por Ceres é o ato físico de dar
essa segurança e os instrumentos dados pela mãe para ajudar o indivíduo a abrir
o seu próprio caminho no mundo. Em outras palavras, se a
mãe
representada
por Ceres faz quadratura ou aflige a Lua de maneira significativa, haverá
problemas ao integrar as formas
que a
mãe tentou transmitir. Se, porém, a Lua se harmoniza bem com Ceres, haverá
facilidade em expressar e lidar com o feminino na vida da pessoa.
Claro, esses aspectos ocorrem tanto para homens
quanto para mulheres, mas com freqüência se diz que uma mulher incorpora sua
própria Lua com muito mais facilidade do que um homem, que, experimentando a Lua
(como principal arquétipo do feminino) como um oposto polar, tende a encontrá-la
fora de si em seus relacionamentos com mulheres em geral ou com a principal
mulher em sua vida. Esse nem sempre é o caso, mas é muito freqüente. Da mesma
maneira, uma mulher pode ser atraída por homens que incorporam as
características do signo solar dela, "projetando" seu Sol da mesma maneira como
um homem projetaria sua Lua.
A posição da Terra no mapa, uma terceira forma de
mãe, como polaridade do Sol, pode refletir as ligações espirituais com a mãe,
simbolicamente como "a Grande Mãe", e também aponta para as formas que nossa
fecundidade feminina tomará.
Finalmente, há os "sentimentos". A Lua, como um corpo celestial mutável, reflete os
sentimentos e humores mutáveis dentro de
nós.
Quando
os aspectos negativos da Lua estão sendo expressos, não temos controle sobre
nosso humor ou nossas manifestações emocionais. Estamos sujeitos a tudo o que
vem a nós e temos apenas nossos sentimentos instintivos para responder aos
estímulos externos. Esse tipo de comportamento lunar, em seu extremo, leva à
loucura — torna a
pessoa "lunática", como diziam os antigos. Claro, isso não é engraçado.
A interação entre a Lua e o Sol constitui uma relação
harmoniosa que reforça tanto o coração quanto a mente, mais do que tentar ser
apenas solar (cabeça) ou todo lunar (emoção).
Este texto é resultado de uma pesquisa, uma compilação inspirada em vários Mestres do tema:
55. Rudhyar,
Dane, The
Lunation Cycle, Berkeley e
Londres, Shambala, 1971.
56. Gimbutas,
Marija, Goddesses
and Gods of Old Europe, ibid., pp.
169-71.
A lua e os cães da lua, de
uma
carta de
Tarô do século XIX
54. Cunningham,
Donna, Being a
Lunar Type In a Solar World, York Beach,
ME,
Samuel Weiser,
1982
53. Gantz,
Jeffrey, trad., The
Mabinogion, Londres e Nova
York, Penguin Books, 1976,
pp. 91-117.
51. Gimbutas,
Marija, Goddesses
and Gods of Old Europe, ibid., pp.
89-93.
52. Graves,
Robert, The White
Goddess, ibid., passim.
Diana
Triformis, ilustrada por Diane Smirnov
49. Leland,
Charles, Aradia: O
Evangelho as Bruxas, Madras
Editora.
50. Graves,
Robert, The White
Goddess, Nova York,
Farrar, Straus and Giroux, 1974, p. 401.
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